©thomas wolter
 

 

 

 
 

 

 

 

Casa Branca




Uma história constrói-se

de cima para baixo — Ele disse.

Agora,

olhem aos sonhos descalços e a distância

que vivem nos destroços

desta casa.







[…]



A Océlia Ferro


Segrede-me


em silêncio

a fragrância do teu corpo


que na sombra sorverei

águas do teu pecado.







A Última Rota



Colho

lágrimas do penhasco humano,


neste mar de tristezas

guia-me a bússola da solidão

à cidade dos mortos.







Trajectória




Sei que colho o calor

que me cobre a íris da angústia

sob o chão

que me roí os pés


(d)na distância.







Prece



A Yara da Guerra General



Prato que me guarda

roto


e refém do silêncio

que me fala


de um Deus

sem língua.







A Gramática da Solidão



4

[…]



A mana Kumar



Nas colunas do medo

o eco da dor é tão profundo

que chega a incomodar

o sono dos mortos







7

[…]



O escuro é tão íngreme

acompanhado do silêncio

(que) chega

a mutilar a maresia

que o medo

pesca.






Salina II



As canoas rasgam

melodia das ondas em vertigem,


os pescadores

vestidos de serapilheiras

e rede nas mãos

pescam o resto de nossos

destroços.







MORTE



À mana (Zai)Tuna



A morte queima os olhos feitos de sal; domestica a dor que rema paciente a ferida que não se apaga. O silêncio chupa a sombra do choro nos condões acesos da angústia, como se a renovar o primeiro pecado após o santo baptismo; as flores carregam o peso da dor, o cheiro podre que os dias exalam e as horas pesam na balança das mãos. Dói essa sinfonia de morrer aos bocados, esse ritual de doar uma partícula de nós mesmos ao colo do abismo a cada vez que o luto nos abraça. Mas, é mais triste provar o próprio medo; mascar grão-a-grão o ódio que se tem da morte.







[…]



"Seus poemas estão sempre escuros e salubres", dizem-me estes coitados Homens de branco, estes pobres anjos caídos sobre a abismal cinza de seus ossos, estes… cuja angústia e a ira conheço só de os apalpar o silêncio. Outra vez a dor apanhou-me pela boca, outra vez a solidão quedou-se sobre o alo da linguagem. E na verdade sou eu quem escreve o falo da escuridão, sou eu quem ama o desperdício, o olhar ruminando a raiz-nervo do silêncio — esta pétala de arrames com que acendo a cicatriz de uma vida toda movida por saudades e desencantos. Afora a morte aponta-me o fim da partida, o fátuo arremesso por entre os veios do sangue e do alfabeto exilado da doença dos nomes e dos livros; a crepuscular razão de ter as mãos pelo rosto como um barco sem leme a tentar afagar o esquecimento do traçado do mar, ou essa minha dor carnal e emocional por onde uma mulher passeia os seus tenros seios ou a água benta de sua gruta para me sacar do cartucho o seu lume. Mas nem com isso os meus poemas deixaram de ser escuros, disse outra vez um menino a vender sua inocência a este país de fome e consternação.







07 DE AGOSTO



Agora há um dia que se apressa, que segue guiando a idade pelo alto dos joelhos. O vento envelhece a caligrafia do corpo e o silêncio alva a alma com as luminárias que compõem a noite: umas vezes de sentimentos densos e calorosos, outras de sentimentos profundos e frios. Visto os olhos de lembranças para não deixar o abismo engolir a medula em que alojo a infância. O soluço arranha com os dentes o fulgor do silêncio com que olho o horizonte e, as mãos suadas vigiam o ardor com que tento incendiar o tédio sob a virilha do papel virgem, para que do outro lado do palco o fonema candelabre na boca alheia.







PAZ INTERIOR



Estou deitado no deserto de fios de algodão, a olhar para a idade das memórias penduradas na flacidez do meu corpo: o tempo tem sabor de abandono nos momentos de incerteza, ou mesmo de morte; sinto nas entranhas que o gozo expurga a dor e o cansaço da espera. Enquanto o dorso de um sonho inaudito veleja na imensidão do verão a cortar nos poros dos dias uma enorme cicatriz de angústia sitiada na celeste cidade da solidão. Então, entre a língua e o soalho de um sorriso sem gramática (inteligível às sombras), engendro na espinha do silêncio o voo sem igual à paz interior.

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Óscar Fanheiro nasceu a 07 de Agosto de 1995, em Maputo, Moçambique. É estudante finalista de Ciências da Comunicação (na especialidade de Jornalismo) e de Ciências Sociais e Filosóficas, e cofundador do "Movimento de Relações Públicas de Moçambique". Em 2018 foi finalista da 3ª edição do Prémio Literário UCCLA — Novos Talentos Novas Obras em Língua Portuguesa, com seu (primeiro) livro inédito de poesia, intitulado A gramática da solidão; em 2016 foi também finalista da 1ª edição do Prémio Literário Fim do Caminho, dedicado à modalidade de contos policiais ou criminais. Tem textos publicados em antologias, blogues e revistas electrónicas (das quais se destacam: a Revista Ruído Manifesto, a Revista Vício Velho, a Revista Literatura & Fechadura, a Mallarmargens Revista de Poesia & Arte Contemporânea, e os blogues Tenacidade das Palavras e, Cratylus — blogue de linguística, literatura e artes).


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