A palavra "entusiasmo", em sua etimologia, vem do grego e significa ter um Deus interior ou estar possuído por Deus. Eu sou ateu convicto; no entanto, não deixo de me entusiasmar com atos que a vida oferece. Um deles são os livros que leio. E é com muito entusiasmo que eu gostaria de recomendar a leitura do romance Niketche — uma história de poligamia, da escritora moçambicana Paulina Chiziane.

 

Moçambique é um país que guarda muitas semelhanças com o Brasil. Os séculos nos quais o Brasil explorou seres humanos e os escravizou simplesmente por terem a pele negra são a mais triste face de nossa história. Os escravizados que construíram a cultura brasileira vieram em grande parte de Moçambique. E, talvez não saiba, mas você se comunica utilizando muitas palavras que foram trazidas por moçambicanos escravizados aqui.

 

Em Moçambique, o português é uma das várias línguas faladas. Além de nossa língua, em Moçambique também se falam línguas como changana, macua, nhúngue, ronga e suaíli. E os escravizados de Moçambique deixaram no Brasil palavras vindas destas línguas que muito provavelmente você utiliza no seu dia a dia. Quer ver só; quantas destas palavras originadas de línguas africanas de Moçambique você utiliza: "caramba", "chilique", "coco", "lengalenga", "maluco", "nanar", "pinguela" e "zoeira"?

 

Percebeu como Brasil e Moçambique são como irmãos separados por um oceano? Temos um irmão que poderia ser mais íntimo de nós, mas o qual nós mal conhecemos. Por isso, o livro de Paulina Chiziane é uma dica de leitura que vai nos fazer reduzir um pouco a distância fraterna em relação a nosso irmão africano.

 

Se ter uma mulher é algo que exige dedicação e esforço, imagine ter quatro, cinco ou seis esposas! A poligamia é uma prática comum em Moçambique, e é sobre o drama e o sofrimento de ter que dividir o marido amado com outras companheiras o tema do romance Niketche.

 

Rami é uma esposa apaixonada e submissa ao marido Tony, com quem é casada há 20 anos. E só então que descobre que ele tem outras mulheres e vários filhos com cada uma. Lemos o relato das duras descobertas de Rami em uma linguagem lírica, poética e dolorosa. O sofrimento de Rami é uma janela para o duro cotidiano de milhões de mulheres em Moçambique, um país que fala português e que pratica injustiças seculares com as mulheres. Niketche é uma lágrima que merece ser lida. Uma leitura que vai provocar chilique, sem lengalenga, sem zoeira, e vai deixar você maluco. Com entusiasmo, com um olhar divino, garanto que, após conhecer Niketche, você vai se sentir muito mais irmanado à vida que fala português do outro lado do Atlântico-Sul.

 

 

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O livro: Paulina Chiziane. Niketche — uma história de poligamia.

Rio de Janeiro: Companhia de Bolso, 2021, 296 págs., RS$ 39,90

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dezembro, 2022

 

 

 

 

 

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