Fernanda Bienhachewski | Projeções, 2020]

GULA

 

 

Há um ser que me habita

Um travesso devorador de encontros

Que se alimenta de urgências

E abocanha instantes

 

Há essa gula pelo tempo

Essa vontade de amanhã

Que não cessa, nem dá descanso

Há essa juventude que embriaga

Essa loucura enviesada

Esse delírio calado do olhar distante

 

Há esse sentimento bruto de posse

De controlar a alvorada

De domar o inexplicável

 

Há essa vontade súbita de relatar inquietudes

Essa insuficiência perante a realidade

Essa visceral necessidade

De se expor em palavras

 

Há um ser que me habita

Um arteiro dos versos

Que entrega a própria existência

A essa vida de poeta

 

 

 

 

 

 

DELÍRIOS

 

 

Seduzem-me as madrugadas

Pois são nelas que sussurro tua chegada

Com esperança, penso que não demoras

Apenas pegaste um trajeto mais longo

No qual florescem Ipês e Amoreiras

 

Já separei aquele vestido

E me arrumei como se pudesse florir também

Já te disse que sou vaidosa

 

Não hesitarei e entregar-te-ei

A minha vida

Embora não saiba teu endereço

Mas confirmo o encontro

Está marcado, não venhas com mais desculpas

 

Naquele cruzamento entre o devaneio e a incerteza

Me aguardas

Não sei se te reconhecerei

Não conheço tua face

Mas penso em tuas mãos

Deslizando sobre minhas certezas

Acariciando meus apelos

 

E assim

Já me esqueço do vestido

Me dispo em ti

Não sei tua história

Nem quantos amores tiveste no passado

Sei que a tua chegada é doce

E lambuzo-me em teus frutos

Me presenteias com sentimentos imutáveis

Com um amor que permanece

Emaranhado em mim

 

Retribuo com um sorriso

Já te disse que demoraste?

Fiquei ansiosa

E até pensei

Que tu existias

 

 

 

 

 

 

LUZ VERMELHA

 

 

Meu coração é um prostíbulo aberto

Noite e dia

Diante da vermelha luz incandescente

Meu coração é um turbilhão

Acima do mar revolto

 

Dentro de meus sentimentos

Perco o fôlego

O rumo

E apesar da aparente serenidade

Do meu rosto

 

Posso lhe afirmar

Que meu corpo é puro êxtase de vida

E meus poros transpiram intensidade

 

Cá dentro de mim

O amor é uma condição e uma dança

Meu peito é um longínquo labirinto

Dentro dele consigo sentir todos meus amores perdidos

Em lacunas e planícies

Às vezes distantes de onde me encontraram

 

Minha ânsia de amar é egoísta

Tenho vontade de alcançar o impossível

Me entrego devagar aos inquilinos

Recito poemas e com meu olhar doce

Devoro-os

Cuspindo-lhes o sangue

Ainda quente

 

 

 

 

 

 

NA ÓRBITA DAS ESPIRAIS

 

 

Transitas em meu pensamento

Como esfera cósmica

Às vezes de forma serena

Outras em total colisão planetária

 

Me invades e castigas

Me levas a breve loucura

Em desespero sem tua presença

 

Tento em vão reviver o teu cheiro

Teu gosto

Mas tudo não passa de projeção astral

Na órbita das espirais

Me entrego ao labirinto de minhas memórias

 

 

 

 

 

 

CÓSMICO

 

 

Vem brilhar comigo

Pois bem acima de nossos umbigos

Há um universo e um cosmos

Há um mar de possibilidades

E centenas de versos

 

Vem

Mas vem com coragem

Não fiquemos mais à margem

Vamos domar cometas

Encarar nossas silhuetas

Esquecer do tempo

 

Vem deitar mais perto

Vem mas vem intenso

Sem pensar no amanhã

Vamos calar as incertezas

Ser paz na correnteza

Deixar que a alegria nos transforme

Em algo maior que poesia

 

 

 

 

 

 

AMORES LÍQUIDOS

 

 

A volátil circunstância

Do entusiasmo do novo

Dura pouco menos

Que cinco minutos

 

E apesar de sua potência

E das promessas de felicidade

O amor é apenas um vendaval

Em uma tarde quente

 

Passa de repente

Vem subitamente

Se perde no caminho

Dissipando como poeira

E deixa na boca

Um gosto de terra

 

Permanece a saudade do instante

A vontade de retornar ao encontro primeiro

A angústia da impossibilidade

De quebrar as amarras do tempo

 

O amor é sempre ausência

É a sede depois do mergulho

O vazio da incompletude

De quem quer a eternidade

 

 

 

 

 

 

DENTRO

 

 

Mais uma vez anoitece

E eu imóvel

Permaneço dentro das sombras

Que me habitam

 

Contemplando toda a escuridão

Inundada pelo silêncio

Do vazio que se espalha

Na imensidão do pensamento

 

Perdida em sentimentos difusos

De estradas ambíguas

Em possibilidades diversas

De tudo ou coisa nenhuma

 

À procura de esclarecimento

Da face oposta juramentada

Em meio às brumas de algum lugar

Encontro a iluminação almejada

 

São vagalumes dourados

Que brotam do céu cinzento

Em nuvens imensas cintilantes

É isso que tenho aqui dentro

Luz e escuridão

Dentro de um ser intenso

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 


Fernanda Bienhachewski pertence a uma família de escritores e desde criança esteve ligada às artes e à literatura. Desenha desde os quatro anos e começou a escrever poesia na pré-adolescência. É graduada em Ciências Sociais pela PUC-SP e possui especialização em Gestão Cultural pelo SENAC São Paulo. Publicou Na órbita das espirais (Laranja Original, 2020).

 

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