CAMON! TALKEI?

 

 

Arminhas e barrões sinaloados,

tropa de baixo clero e chefetes

em delitos e golpes esforçados,

rachando para além dos gabinetes

de ódio às ciências, artes, tribos,

edificaram seus clubes de tiro

onde mulher não entra, só quadrilha

que mata a bem de deus, pátria e família.

 

 

 

 

 

 

A UM (IN)CERTO BRASIL

 

 

Triste Bahia! Ó quão dessemelhante

Estás e estou do nosso antigo estado!

(Gregório de Matos)

 

 

Triste Brasil, oh, quanto é diferente

botar a canga em um boi de guia

e pôr a faixa em um presidente

— mas certa tropa lorpa não sabia...

 

Bater no cocho pra chamar o gado

não é o mesmo que teclar na urna

para escolher o chefe de estado

— mas eram sem cabeça aquelas mulas...

 

Triste Brasil, cuspido e escarrado

o garnizé que acompanha pato

é o teu pobre lambe-cu de mito,

 

o qual tardiamente arrependido

vê quanto sofre a alma dada ao diabo

e como o engano custa ao bolso caro.

 

 

 

 

 

DESMITOLOGIA

 

 

Tu és tão feio que dá medo oiá,

e és tão sujo que dás nojo, oié,

pelas narinas vertes teu xixi

e pela boca fezes teu cocô;

 

expeles ódio pelos olhos, pus

de raiva vazas pelos poros (argh!),

exalas como inhaca a peste (éco!),

teus perdigotos chovem vírus (ih!)

 

Porém está chegando a vacina

contra teu vibrião: ponta de bota

do povo em teu rabo de urutu

 

— e haja barro para pés de mito:

a foia já caiu de teu pau mole,

de tua bunda vai cair o cu.

 

 

 

 

 

ETIQUETA

 

 

gravata,

mas que mão

dá o nó

e o empurrão?

 

oh, dirão

os convidados,

teus olhos estão

esbugalhados,

 

a língua de fora,

feito enforcado,

como vens à mesa

nesse estado?

 

 

 

 

 

 

FASCIO

 

 

em vez de corpo,

corporação;

em vez de alma, arma

e lama;

em vez de belo,

bélico;

em vez de coração,

couraça;

em vez de amor, temor

e morte

 

 

 

 

 

 

LIXO DE BOLSO

 

 

língua de trapo

mão de carrasco

ascoso ogro

cujo que baba

raiva em família

tara com tiro

bala com bíblia

pátria em quadrilha

 

 

 

 

 

 

SERMÃO DO ATERRO

 

 

O Jesus que anda armado,

segundo o presidente,

diz pra gente:

"Olhai os eucaliptos dos campos

e as plantações dos agros e dos tóxicos;

dizei amém às cobras nos negócios

e, como as aves que rapinam por aí,

jogai pedra nas Genis,

vertei o barro das barragens nos proletas;

com matilhas de tratores, feito as feras,

buscai o bezerro de ouro

nas árvores desarvoradas

e nos currais das serras".

 

 

dezembro, 2022

 

 

Afonso Guerra-Baião é professor e escritor, membro da Academia Curvelana de Letras, da Sociedade Brasileira dos Poetas Aldravianistas, do Coletivo Artístico Insterser. Reside em Curvelo/MG. Publicou recentemente Sonetos de bem-dizer/ de maldizer, pela Aldrava Letras de Artes. Publicou duas narrativas em e-book pela Amazon: O inimigo do povo e A noite do meu bem. Seus textos podem ser lidos em suas páginas no Face e no Instagram. Colabora na revista "Contemporartes" da Universidade Federal do ABC, no site Click Curvelo, entre outros. Como letrista, possui parcerias com os compositores João Bosco, Gilberto Mauro e Tião Gomes. Dá palestras e cursos sobre arte e linguagem.

 

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