©sguimas

 
 
 
 
 
 
Digamos que eu não aprenda, então tente novamente. Dou o contumaz boa noite, mas não aguardo resposta, tampouco sei por que dou. Quero mostrar que sou educado, talvez. Mostrar pra quem? Para ele, que não responde? Acredito que sim, então sigo dando boa noite. Respondo sempre, em alto e bom som, mas sem entusiasmo, estamos cansados até para esta aula de programação. Teria que ter ensaiado muito, ou possuir um estilo de voz, um modo robótico de reagir às pessoas, o que soaria falso sem dúvidas. Prefiro não tentar, mas às vezes é o que parecemos todos ser, falso cognatos, interpretados de acordo com a leitura pessoal de cada um. Mas quem perde tempo com isso? Não sei, penso que as fofocas partam justamente disso, do trivial. Aquilo que desnecessariamente vem à tona, como nas matérias vazias de uma foto de binóculos na praia. A vida deles interessa a quem de fato? Todos somos sim uns pobres-diabos loucos por libertação. Mas um boa noite, gente, um boa noite se responde, ainda que de forma mecânica. Qual o problema aí? O vácuo que fica entre a saudação e o desleixo. Gostaria de não me importar, talvez tenha sim algum significado. O prazer de ser acolhido em todas as interações estabelecidas, sem necessariamente haver nisso algo que me prendesse. Quem não responde a um boa noite não está nem aí para regrinhas de nada. Só quer decorar os comandos do código fonte e ir para casa. Pouco importa o que pensem, não responderei a nada, porque estou em outro estado de ser, jamais o do desdém. Essa conclusão talvez seja de quem se considera afetado por não ouvir o que gostaria. Da próxima não dê seu boa noite, guarde pra si, porque ninguém pediu que ele fosse disfarçado. Se educação se leva aonde você for, nem toda hora sua tradição precisa ser cagada. O silêncio é ouro, e a noite seguirá bela, independentemente de seu rápido boa noite. É um desaforo, sem dúvida que é, mas o que fazer quando é isso que se tem para ouvir? O nada, exposto ao que segue, a noite propriamente dita. Então não vejo necessidade de você ficar preocupado com isso, talvez ele não tenha nem escutado quando você abriu a porta, passou perto de sua mesa, foi para sua. Quantos não tiveram que passar por ele, você e só mais outro que tenha dado boa noite, ou mesmo a metade, e ele já respondeu tanto que agora não é mais interessante. O que você gostaria era forçar intimidade, muito antes de se mostrar educado para todos. Tem algo estratégico aí, você não vai dizer, mesmo que seja. Não perca seu tempo, dirão, mas eu não quero ser assim, prefiro seguir dando boa noite em tom baixo e sem devolução. Talvez o meu boa noite seja apenas um reflexo do que gostaria para mim, que a noite seja realmente boa, independentemente da resposta que desejo escutar. Talvez a vontade de ser respondido venha do que recebo em mensagens de texto, mas quando chega no modo figurinha, odeio. São imagens sem fundo e disparadas de forma aleatória. Tudo tão incômodo, mas aí não vou querer entrar em conflito, porque é o grupo da família, do trabalho, do curso, e sempre alguém começa a conversa, outros a encrenca. Lá sim é talvez sem importância, mas pessoalmente discordo, não vou pensar o contrário e acho o maior desaforo deixar um boa noite no vácuo. Aprendi a responder até o apresentador do telejornal. Ninguém dá ou todos dão? Depende de cada época, talvez, e da conexão. Mas como não aprendi ainda a dizê-lo com o mesmo tom de voz que uso para fazer alguma pergunta ou expressar algo com ênfase, porque o meu boa noite está com um funil de som estreitando sua compreensão, refaço tímido no dia seguinte. A vergonha de incomodar é tanta, que preciso dar esse maldito boa noite, para dizer que cheguei, atrasado, mas cheguei, estou adentrando, e preciso dizer que seja boa a noite. Não precisa. Bom, vou me despedir amanhã quando retornar e não me escutar dizendo para mim mesmo: boa noite.

 



setembro, 2022



João Gomes nasceu no Recife/PE em 1996. É escritor e poeta, publica resenhas, crônicas e entrevista com escritores na Revista Mirada. Publicou em algumas antologias, como Granja, Sub-21, Capibaribe Vivo, Tente entender o que tento dizer, No entanto: dissonâncias, etc. Edita a revista de literatura e ideias Vida Secreta.

 

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