teu corpo
este continente
onde me ilho
e na geografia dos
lençóis
descubro mapas
do teu umbigo.
sessão da tarde
o trem, assim
como o tempo,
só tem ida.
o bilhete já está
pago na estação
da vida.
no cinema,
o conde drácula
nos espreita
vestido de morte.
detesto filmes
de vampiros,
de terror.
a vida, um filme
em preto e banco.
preferia que o tempo
ou a vida, por bondade,
me reprisasse sempre
o garoto de Chaplin.
blefe ii
armado de palavras
e em silêncio
fico à espera do poema.
me escoro na lua,
nas estrelas.
armadilha pronta.
ledo engano,
o poema dobra
a esquina
de malas prontas.
noite I
estou sozinho
com paulo leminski.
um poema
mínimo.
um sopro
de passarinho.
noite II
à noite
com paulo leminski
são curtos-circuitos
de poemas curtos.
o voo aflito
do beija-flor.
III
ah, este amor
de quarto
(a lua não deve
absolutamente nada)
tão absoluto quanto
o coração que para.
ah, este amor
absoluto,
imponderavelmente
quarto.
(as telhas
transpiram estrelas)
e o amor com fôlego de gato.
exercícios rurais
minhas tias faziam
aeróbica no pilão
perdiam nos calos
a geometria das mãos.
ganhavam peso
quanto mais o pilão media
elas suavam, o pilão
emagrecia.
minhas tias
tinham no galo
o relógio exato
e o galo
era mais claro
que o dia.
a feira
meu pai partia para a feira
da cidade vizinha
e levava a minha
madrugada com ele.
eu também queria ir.
o pedido era inútil,
o choro era inútil,
aquela madrugada era inútil
depois que meu pai partia.
restava ao menino desenhar,
com os olhos
molhados nas telhas,
a saudade que ficou do pai.
a madrugada
partia também
no canto do galo.
Otávio Sitônio Pinto
o garoto não
entendia nada
de matemática.
odiava tabuada.
só sabia contar
pássaros.
era exato com concris,
canários, curiós.
papagaios contava,
contava com ligeireza
para chamar
a atenção dos adultos.
já adulto,
continuou
a detestar
matemática.
deixou até
os estudos.
(virou poeta)
certa feita,
um escritor famoso
disse na sua cara
que aquela poesia
que o homem
maduro escrevia
era matemática pura.
(ironia da vida)
ia lá saber o homem
que os pássaros iam ensinar
matemática pura, gratuita?
canto para a lavadeira
a lavadeira no seu ofício
lava o rio, seu íntimo
e o rio escorre para enxaguar
seus dias.
a lavadeira no seu íntimo
recolhe os panos,
que lavados ao sol não vestem
seu passado.
a roupa não tem ofício
a não ser vestir seu dono
e a lavadeira no seu ofício
ensaboa o seu outono.
a lavadeira com água e sabão
espreme a vida para secá-la
em outro verão.
metalinguagem
meu avô me deu
a tarefa de levar
leite do sítio pra cidade
num jumentinho
chamado centenário
centenário
era lento lento
na viagem dava tempo
do menino conversar
com os pássaros
o menino aprendeu
a linguagem
dos pássaros
o pica-pau parecia
um crítico de literatura
repetia
repetia
repetia
o menino passou
a conversar
com a madrugada
então o menino
virou curió
papagaio
canário
quase romance
te amo tanto que
quando rimos
estamos unindo os oceanos
amor
nem todo amor
é engano
te amo tanto
que a estrada é pouca
pela vida que andamos
fomos vulcão
tempestade
agora somos metade do
caminho
e a lua está na calçada
março, 2024
Chico Lino Filho é natural de Coremas, alto sertão da Paraíba, onde nasceu em 15 de junho de 1959, mas radicado em João Pessoa desde 1975. Publicou Paixão movediça, Abajur de Lua, Poemas de amor e silêncio, Inverno invisível (de poesia) e Itinerário do desamor (contos). Alguns dos seus poemas já foram musicados por compositores paraibanos, entre eles Adeildo Vieira, Artur Silva e Dario Júnior. O poeta, que em 2000 recebeu o título de cidadão pessoense, já teve poemas seus publicadas na revista da Biblioteca Nacional, Correio das Artes e em várias antologias poéticas.
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