Revoada de pombas escuras.
 
Atrasada,
a pomba branca.
 
 
 
 
 
Cão preso.
À noite,
O Gato vem observá-lO.
 
Para O Cão talvez,
Seria melhor que se calasse.
 
Mas meu Espírito
Tem algo de Cão
E Gato.
 
 
 
 
 
. . .
 
Falta um dia
para o fim do mês.
 
E me lembro de dizer
a meu pai:
sinto uma tristeza
infinita.
 
 
 
 
 
Para uma menina cega,
 
A Ti, lua minguante,
Um rastro de cheia,
Pouco importam —
Estrelas que não podes contar.
 
Tua primavera em flora interna;
Como externa seria?
 
E são mais que tuas as cores
Quando se fecham: são delas,
Abrindo-se ao amplo do céu aprendido
Em cada sombra de outra;
Pois que o escuro — o céu de agora —
É onde guardas tuas mãos.
 
E apalpaste o infindo e o reconheceste
Vazio e com tua força,
Insinuada no mecanismo
De pálpebras que se fecham.
 
Só Tu sabes:
Como aquilo guardado se mostra.
 
E imaginas, no teu jardim do quarto,
Todo o universo como um céu de ontem,
Repetido sem dor e sempre —
Sempre como a cor se esquece e brilha.
 
 
 
 
 
Uma porta range entreaberta
— É o vento que passa.
Uma porta aberta bate
— É o vento que fecha.
Uma porta —
É o vento que fica.
 
 
 
 
 
Do Livro de poemas, 1992
 
 
 
 
 
Tú que vienes de Cuba
Dímelo que es un árbol
Desde su copa hasta las ramas
Donde alzarse hasta la punta
Y coger una toronja
Como es eso de besar
Con labios húmedos de jugo
Y calientes las lenguas y la sombra
Bajo el sol del mediodía en la loma
 
Un árbol desde adentro
Desde la copa
Desde la sombra vista del alto
 
 
 
 
 
Há uma pureza que se perde
Na transcrição das frases
 
Uma pureza que está na memória
Livre dos gestos livres;
 
Mas não ali quando os repetimos.
Algo entendido para sempre.
 
Que procuro manter em silêncio
E retirar só em caso de urgência.
 
 
 
 
 
Em Viagem a Cuba, 1999
 
 
 
 
 
Lírios,
Não os vejo,
Seis pétalas
E talos verdes.
 
Úmidos,
Ao meio-dia,
Livres como lampejos.
 
Aqueles;
Quase vermelhos,
São lírios
Por seus desejos.
 
 
 
 
 
À margem,
Onde não caem estrelas,
Conjuga-se o vergar das vigas mestras.
 
À margem,
Conspiram negras miragens,
Atentas como espelhos.
 
À margem estão
Os insones do século,
Febris pela ausência que se nota;
 
Tatuada no silêncio,
Presa às costas.
 
 
 
 
 
Amanhã saberei a doce umidade da fruta,
À sombra das árvores que cercam,
Na mais bela curva,
A doçura maior da vida inteira.
 
Com guizos de primavera saberei
A luz doce e indefesa,
Ao invés de mortiça.
O peso das lágrimas, das estrelas,
E o coração vazado por um rio.
 
Do sargaço sairá o pássaro
Que zingra todo claustro.
Porém não poderei me esquecer
Jamais
 
....................................................
Das pérolas de sal,
Das âncoras soltas por dentro,
De quando o sol não era mais que um sino prisioneiro,
De quando não havia caminho algum
Sob as nuvens da noite.
 
 
 
 
 
Em Azul escuro, 2003
 
 
 
 
 
ZEEBURGERDIJK
 
Minha rua se estende
Sob o arco do sol.
De manhã vou ao centro,
Leve o sol em minhas costas;
À noite vou atrás dele,
Contra o sol além do rio.
 
 
 
 
 
O homem de bigode vermelho
A loira de bicicleta que se virou e sorriu
O livreiro que disse para sentir
A velha com o pandeiro: Aleluia!
Os inúmeros turistas do Japão
As crianças nos museus
As prostitutas negras nas vitrines
Os biscoitos de canela
Os pássaros: cisnes, cegonhas, corvos, gralhas, grous
Os cafés escuros, a cerveja impregnada
As bicicletas antigas
As longas barbas brancas e os olhos azuis
A luz de longe a lua partida no meio exato
O azul da meia-noite
Quantas pontes
As janelas fechadas
 
 
 
 
 
Quo vadis, era o nome do barco
 
 
 
 
 
Em XXX, 2003
 
 
 
 
 
CAPITAL DA DOR
 
Agradeço
Obrigado
Por esta pequena solidão
Esta noite
Musa-chuva
Quarto de solteiro
Sonho-oração
 
 
 
 
 
Em Linha vermelha, 2005 (inédito)
 

 

(imagem ©vanda malvig)

 
 
 
 
 
 
Alexandre Barbosa de Souza (São Paulo, dezembro de 1972) estudou medicina, filosofia, cinema e letras, sem se formar em nenhuma dessas escolas. Publicou Livro de poemas (Giordano, 1993), Viagem a Cuba (Hedra, 2000), Azul escuro (A Preguiça Editorial, 2004), XXX (Dolle Hund, Amsterdam, 2004) — todos de poesia — e Autobiografia de um super-herói (Hedra, 2003), novela para jovens leitores. Recentemente, foi às bancas uma adaptação para crianças que fez do Dom Quixote. Desde 1995, trabalha como editor (editoras 34 e, atualmente, Cosac & Naify), tradutor (francês, inglês e espahol) e redator (sobre livros, na revista Bravo). Ajudou a criar algumas revistas alternativas como Meia de Seda (HQ), Azougue (poesia) e Ácaro (onde foi editor de poesia com Fabrício Corsaletti). Trabalha desde 2001 numa biografia da cantora Araci de Almeida, com Leonardo Prado.