*

 

Em mim

o vazio

de todas as ausências.

 

A dor dos amigos

que partiram

 

A falta do meu pai

que se foi

 

O vôo dos amores

que não deixaram ninhos

 

Em mim

a dor da solidão

de toda espera.

 

 

 

 

 

 

De portas & trancas

 

 

portas abrem

e fecham

 

corações também

 

nem sempre

quem se quer

entra

 

nem sempre

quem se gostaria

sai

 

portas fecham

e abrem

 

corações também

 

nem sempre quem sai

nos deixa só

 

nem sempre quem entra

nos tira da solidão

 

portas e corações

deviam ter trancas

também pelo lado de fora.

 

 

 

 

 

 

Então tá

 

 

Que tua boca

Diga não

Mesmo que teus olhos

Digam sim.

 

Que teu corpo

Diga não

Mesmo quando tua boca

Disser sim.

 

Que teus olhos digam não

Quando tudo em ti

Disser sim

 

 

 

 

 

 

First of may

 

 

Meu pai

que na vida só fez trabalhar

se foi num feriado

de primeiro de maio

pra não tirar ninguém

do trabalho.

 

 

 

 

 

 

Velas ao vento

 

 

portos

já tive tantos

para ancorar

 

mas o canto das sereias

sempre me arrastou de volta

pro meio do bar

 

braços

já tive tantos

para chegar

 

mas poetas não nascem

para simplesmente ancorar.

 

 

 

 

 
 

*

 

Eu olho a vida

sem os óculos

que me acompanham

ao longo dos últimos anos.

 

E assim,

poeta que penso ser,

sem a ajuda de lentes

vejo o mundo com as cores

que meus olhos gostariam de ver.

 

Eu olho a vida

com imensa saudade

do que ela se mostrou

por inteira

                            um dia

aos meus olhos de criança.

 

 

 

 

 

 

Do azul

 

 

De ti

me basta o sol

das manhãs de primavera

que me ofereces

em olhares de um azul

que não cabe no oceano

do poema.

 

 

 

 

 

 

Da lei

 

 

a pedra

será sempre pedra.

 

por mais que o homem

a molde,

lhe dê formato

ou outra forma,

não deixará de ser fria,

pedra que é.

 

alguns de nós,

também.

 

 

 

 

 

 

*

 

da tua boca

não lembro o gosto

tanto tempo faz

 

mas teus olhos tristes

ainda incendeiam

minhas madrugadas...

 

 

 

 

 

 

Muro

 

 

não lembro ao certo

quando o muro foi erguido.

 

foi surgindo aos poucos,

uma palavra áspera aqui,

um descaso acolá

e quando percebemos,

estava pronto.

 

e desde então,

tem nos dividido ao meio.

 

 

 

 

 

 

Encanto

 

 

debruçada na janela

a menina encara a lua

de frente

 

olho no olho

 

quem se renderá ao encanto

primeiro,

a lua ou ela?

 

 

 

 

 

 

Mosaico

 

 

com a paciência

de um velho tecelão

preparo meu manto de lembranças

para quando o frio dos anos

anunciar seu inverno mais rigoroso

 

em lentos goles de vinho

faço desfilar na passarela

dos meus olhos

os sonhos que trago

dentro de mim

 

e assim,

noite após noite de insônia

monto o mosaico de todo o tempo

que me escapuliu

por entre os dedos.

 

 
(imagens©diesirae)

 
Ademir Antonio Bacca. Natural de Serafina Corrêa-RS, é poeta, contista, folclorista e jornalista. Publicou oito livros de poesia: Asas e coração, Pátria amada e outros poeminhas insensatos, A tragédia dos anjos, O trágico circo cotidiano, Página de jornal, Inventário de emoções, Pandorgas ao vento e Plano de vôo. Em parceira com Hary Dalla Colletta publicou onze livros de folclore. Com Vânia Elisabeth Larentis publicou Boca do mundo. Participou de 24 antologias poéticas e tem trabalhos publicados nos Estados Unidos, Espanha, Argentina, Uruguai, Cuba, Itália, França, Canadá, México e Portugal. Como jornalista, fundou os jornais "Laconicus” e "Garatuja", do qual é editor. Produtor cultural, criou e coordena o "Congresso Brasileiro de Poesia", o "Encontro Latino-Americano de Casas de Poetas", a "Mostra Internacional de Poesia Visual" e a "Noite da Poesia Brasileira em Havana". Criou, ainda, a "Semana Oscar Bertholdo de Poesia" e é Presidente do Proyecto Cultural Sur/Brasil e, também, 1º Vice-presidente internacional da entidade, que tem sede no Canadá. É cônsul em Bento Gonçalves do "Poetas del Mundo". Integra diversas entidades culturais, algumas delas do exterior, e acumula alguns prêmios literários, inclusive em nível nacional. Por sua atuação em favor da poesia brasileira, recebeu diversas homenagens, entre elas a "Medalha Oscar Bertholdo", a "Comenda 300 Anos da Morte de Zumbi dos Palmares", o "Mérito Cultural Juscelino Kubitchek" e os títulos "Notáveis Serafinenses na Cultura Italiana", "Personalidade Cultural da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro" e "Agente Cultural do Ano", Jornal "O Capital", Aracaju. Foi o patrono da XIV Feira do Livro de Bento Gonçalves.