Cômodos

 

casas se acumulam

em breve

antes do anúncio

das estrelas

 

no recuo das datas,

novo acúmulo —

noite caída sobre

um dia sem música

 

daqui, cômodos

adiam nova estação

da mesma janela

 

onde a cor desenha

elipses no reflexo

umas sobre outras

sem deixar rasura

 

 

 

 

 

 

Samambaia

 

o que leva consigo — 

mais uma manhã

 

entre seções de azul,

cor opaca

 

em desalinho

sobre o pano de mesa:

 

a casa sozinha —

o que se afasta ainda

 

quando, de repente,

o dia implode

 

na seqüência da tarde,

finalmente ela desfolha

 

minha única musa,

a samambaia.

 

 

 

 

 

 

Não este corpo

 

não este corpo

nunca tocado,

 

nem este cheiro,

que não há

 

nem no perfume

sob a murada

 

de violetas.

tulipas, de

repente, se

 

acenderam,

a chispa

do cigarro

 

de alguém

contornando

 

o parque.

 

 

[Poemas de Grafias. Instituto Estadual do Livro/Corag, 2002]

 

 

 

 

 

 

Descrição

 

Do outro lado da rua

mal se adianta seu sorriso

(magenta, sem luminosidade)

entre a passagem do vazio

e do seu rosto

agora se cala

contrito

 

buscando um anagrama

para a palavra

solidão

 

a tentativa de fechar os olhos

e imaginar um campo:

 

a composição

que os estudiosos

da salinha ao lado

chamariam écloga

 

 

 

 

 

 

Ruazinha

 

Das oliveiras fazendo sombra, ao compor

o mesmo planejamento. Surpreso

por isso, provou do suco de laranja;

 

mais azedo do que de costume.

Seu rosto, as mãos atentas a qualquer

movimento. Os lugares

 

estão à mostra. Você faz parte

dessa mesma ruazinha. Alguém diria

que o reflexo das águas não proporcionaria

 

um ganho, talvez esta perda

antecipada. O que quis dizer com isso,

provou ser o que havia na gaveta.

 

Pesado, lúgubre, a mesma chegada

das nuvens do sul, um som noturno

de baleia pescado no sismógrafo.

 

As lentes são de barro, os pescadores,

sem rede, tristes, voltam para

casa. Dunas, dunas — esqueceram

 

uma horta plantada atrás da maresia,

entre os frutos e a espuma

o tronco desintegrando sobre as águas.

 

 

 

[Poemas de Papéis de parede. Funalfa Edições/7Letras, 2004]

 

 

 

 
 

Olhos

 

desde os olhos

pousados na pele nua

até esses cântaros

dispostos no terraço

à espera de brisa

para lembrar que a harmonia

da música vem de dentro

no que se dispõe

em grãos de perfume

tal visão edênica

 

 

 

 

 

 

Porta

 

à porta — ornada

de branco

 

          (os panos)

 

enquanto o templo

cavado no dia

           se agrupa

de azul em pedras

de safira-luz

 

          à entrada rebenta

o véu seguro — o braço —

          resto não mais

para tocar a pele

          mas complemento

de tijolo e cimento

 

túmulo exíguo

          de cinza

          feito sobre

pedras um novo som

de féretro, dos sinos

 

 

 

 

 

 

Regresso

 

Por muito tempo, uma casa

solitária junto à linha

férrea, desta janela da qual

observei o sol se pondo. Passar

por ela lentamente, e a ela

me reportar de

relance: não será

minha primeira visita —

 

nela também já estive sozinho: voltaremos

a nos ver depois de semanas,

poucos escritos, cartas

nunca respondidas.

 

 

 

 

 

 

Arquitetura

 

Nunca o vermelho o branco

dos segundos

 

Um halo: claridade entre

duas falas

 

e um azul compenetrado

(outra ágata de primavera,

 

todas as cores

novamente possíveis)

 

Da casa de madeira

erguida sobre um piso de tijolos

 

o cimento entre as lembranças

decisiva — oportunidade de reflexo,

 

o mesmo com que sorria

com um livro à mão, do outro

 

lado esta vaga música

a elevava acima do olhar

 

sem transparência.

Por existir ao lado, entre muitas,

 

muitas nuvens, o halo

entre todas elas.

 

 

 

 

 

 

Matizes

 

Matizes de luz, seu cheiro. O varal, a camisa opaca, um rompimento. A escada, você já atravessa o caminho branco. Depois do recuo, começando a ler os tons — cinza físico sobre o comprometimento da claridade. Assim se esvai o vento, a não ser quando volta, enquanto passos perto do córrego. Adiantado, um segundo volta como quem circula pela quadra, antes da entrada. O relógio, perto da parede, fazendo companhia aos ladrilhos em tom azulado. Pode-se apanhar a corrente de luz, mas não plantá-la. As lâmpadas, sementes. Adiantam-se os minutos, afogados perto do rio, assim que pequenos espaços em branco observam, seguindo a trilha de regresso.

 

 

 

 

 

 

Baleia

 

Os pulmões da baleia

de onde respira

as barbatanas,

como uma tartaruga lenta.

O bico do pelicano

a ostra-marinha,

sequer onde o mar, a brisa

toca o esturjão.

Eis a cauda colorida — lembra

o pavão —

a dupla escama da lontra,

do bico, por onde pulsa.

Ali, a carga pesada do casco

do navio, o bico de onde

se organiza. É o berilo

da casca dura.

O mar impede

mas a tartaruga se faz menos

silenciosa. Olhando-a se vê o mar —

e no mar os pianos da cauda tocando

a asa da voz

um albatroz — e seu mínimo.

Não, a concha afluente

de onde se ausenta,

no mar que se afasta,

se aproxima,

junto à brisa — o bico da andorinha

gasto, o olhar da

gaivota — ecoa — o mar

num círculo marítimo.

 

 

 

 

 

 

Regresso

 

 

O som do pátio vizinho — ao longe, a máquina de cortar grama.

Aqui, funcionam as horas, os retratos

 

De novo seguindo seu caminho. E os passos, sobre a calçada,

O frio pela manhã, de novo, orvalho.

 

Vai esquentar. Talvez. Me procure quando tudo ficar bem,

Eu sei que ficaremos também.

 

Está chegando de novo em casa — à velha casa —

Como se não tivesse partido.

 

Está chegando como quem pergunta

Onde mesmo eu estava que não aqui?

 

Não estava mais do que aqui.

Você que não partirá.

 

A pergunta, na volta, será a mesma

E talvez eu a encontre de novo ali.

 

 

[Poemas de Papéis de parede. Funalfa Edições/7Letras, 2004]

[Poemas de Calendário, livro inédito]

 

 

 

 
André Dick (Porto Alegre-RS, 1976). É autor de Grafias (Instituto Estadual do Livro/Corag), Papéis de parede (Funalfa Edições/7Letras) e Calendário (inédito). Realizou doutorado em Literatura Comparada pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), sobre a obra de Stéphane Mallarmé.