Poucos artistas modernos
tiveram a formação de Victor Brecheret. Dominava a modelagem em
argila, a talha em madeira e pedra.
Contou também com a colaboração de uma fundição em bronze, o antigo Liceu de Artes e Ofícios, que se
equiparava, na época, ao que de melhor existia em matéria de fundição artística no mundo. Por isso, suas
obras fundidas nesse material possuem
uma beleza extraordinária e conservam ainda hoje a vitalidade original.
Digo isso desde já em
protesto contra o excesso de cópias de má qualidade que temos visto
espalhados por dezenas de galerias
Brasil afora. Obras que reproduzidas com ou sem autorização não refletem as qualidades que fizeram
de Brecheret um Brecheret. Ora, muito mais do que uma assinatura, Brecheret é antes de tudo uma emoção
específica, inconfundível. É essa
emoção que torna a obra valiosa e identificável. Seu valor de mercado
deveria refletir esta experiência. Ou
ela existe (a emoção) ou estamos diante de uma falsificação ou uma má
obra desse autor — o que em Brecheret
não é fácil de encontrar, uma vez que foi artista de muita regularidade. Quem anda comprando essas novas cópias
deveria se preocupar.
A obra de Victor Brecheret é
o exemplo de uma obra construída por uma grande inspiração aliada ao conhecimento do metiê, que, em seu caso,
beirava a ourivesaria. O acabamento em sua obra é parte essencial da expressão, pois nele se esmerava
como poucos, buscando nos pequenos
detalhes de mãos, pés, joelhos (mesmo e principalmente quando
estilizados) a delicadeza que imprime
em nossa alma uma experiência só igual diante da natureza. Sua obra
será sempre a de um grande artesão,
mesmo quando recriava gestos e formas indígenas em seixos e pedras, cuja "rusticidade" era extremamente
precisa e verdadeira.
A escultura possui uma
característica clara e peculiar: ela se transforma sempre, ao mínimo
movimento. E isso ocorre basicamente de
duas maneiras objetivas e distintas: no sentido de rodearmos a obra ou no sentido de ora nos
aproximarmos, ora nos afastarmos dela. No primeiro caso, descobrimos que o autor nos reserva surpresas
ou mesmo que deveríamos ficar única e exclusivamente no lugar onde estávamos, invariavelmente na frente
da obra. Nesse sentido, Brecheret agiu
de formas muito variadas: ora barroco, criando a cada movimento nosso
uma nova obra; ora clássico, frontal,
linear e deliciosamente belo; ou ainda arcaico, monolítico e
misterioso. Isso tudo nos fala o que
comumente já se sabe. Do indisfarçável ecletismo da arte moderna em, mais do que em qualquer autor, nosso
Vitor Brecheret.
Porém, a relação que temos à
medida que nos aproximamos ou nos afastamos de sua obra fala
de uma outra coisa. É nesse momento que
compreendemos uma qualidade importante e significativa da obra desse mestre. Ao nos aproximarmos de suas
obras, revelam-se universos de
maravilhosas superfícies criadas através do detalhamento da forma que
imprime suavidade, precisão e elegância
formal. Ao nos afastarmos, percebemos o quão capaz foi este artista de
criar formas novas, vitais, com extremo
equilíbrio das massas e embebidas sempre de penetrante reflexão sobre a história da arte. Foi ele, justamente
ele, artista tão meticuloso em detalhes
e sutilezas, a quem coube realizar algumas das mais ousadas e bem
sucedidas obras públicas do Brasil. Sua
sensibilidade para o monumental contrasta com o refinamento de sua
obra de "câmera", ou talvez, juntas,
criaram algo tão velho quanto a própria arte, que é o desejo de perpetuar em espaços públicos obras que
reflitam o espírito do homem do seu tempo. E nesse caso, e pelas mãos desse artista, um homem (o brasileiro)
de grande força e ao mesmo tempo de
incrível e generosa delicadeza.
São Paulo teve a sorte de ter
sido palco dos sonhos desse artista e também a sorte de os políticos da época terem tido a sensibilidade de
colaborar ou, ao menos, de não atrapalhar o bastante. Aliás, nossa sorte poderia ter sido bem
melhor, tivessem outros escultores, seus contemporâneos, permeado nossa cidade com suas obras. Imaginem
São Paulo povoado de Brunos Giorgis e
De Fioris! Por sinal, poderiam trazer de volta para o centro o
Emendabili, Monumento a Ramos de
Azevedo, que foi para a USP. Fiquem sabendo — não sei com autorização de quem — foram feitas
cópias de parte da escultura (as figuras que ladeiam o
cavalo), para o dono (ou ex-dono) do
Banco Santos, quando este, é claro, mandava em alguma coisa, e pelo que
parece, inclusive, no patrimônio
público.
Enfim, São Paulo precisa
ficar mais bonita, não precisamos apenas de pontes e viadutos, não
precisamos apenas de uma vida prática e
boa apenas para o trabalho. É preciso que seja boa para se viver e, como diria meu amigo Enio Squeff,
para vagabundar. Vagabundar, vendo obras de arte e lugares bem cuidados,
podem transformar uma pessoa, trazer algo mais — entre tantas — a lembrança de que as cidades foram
feitas para ser amadas. E faz parte desse amor preservar a autenticidade das obras dos nossos artistas e
trazê-las, as originais, o mais próximo possível da população.
Nascido na cidade de Salvador,
na Bahia, e radicado em São Paulo desde 1983, o escultor Israel Kislansky
é formado pela Faculdade Santa Marcelina, onde estudou com J. Van
Acker e Iole di Natale. Leia mais...