Ao sonhar com o namorado, Débora dormia abraçada com a almofada. Ao acordar, ela estava toda molhada.

 

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O galo canta ao amanhecer, avisando o amante da mulher do guarda-noturno que é hora de se vestir e correr.

 

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No túmulo do bígamo, as duas viúvas perguntavam-se quem seria aquela desconhecida que aparecera no enterro.

 

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Com um binóculo na mão e uma parte de seu corpo na outra, o jovem voyeur esquadrinhava metodicamente todas as janelas da vizinhança.

 

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No campo, um casal de garotos brinca. A menina rasga a blusa no arame farpado. Se olham sabendo que as brincadeiras não serão nunca mais as mesmas.

 

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Quando o cego tocou pela primeira vez a intimidade de uma mulher, sentiu como se a Pedra de Roseta estivesse em braille, pedindo para ser decifrada.

 

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Apaixonou-se pela vizinha vendo-a à janela. O dia que tocaram à campainha e a viu pelo olho mágico, não teve coragem de abrir a porta.

 

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Juquinha era o mais mal-comportado da classe. Ele fazia de tudo para ser castigado, só para ficar mais tempo com a professora.

 

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O maior fetiche do ceguinho tarado era poder ser voyeur.

 

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A aluna ninfomaníaca escrevia toda a cola da prova nas coxas e deixava os colegas olharem tudo.

 

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Ela era tão provocativa que quando foi se confessar quem teve que rezar muitas ave-marias foi o padre.

 

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Era um cornudo tão orgulhoso e machão que quando um cara não quis comer sua mulher encheu-lhe a cara de porrada.

 

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Supremo requinte da crueldade, ela lambia os dedos depois de comer chocolate, saboreando o súbito silêncio dos colegas no escritório.

 

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Seu decote chamava tanto a atenção que, naquela noite, até os olhares que não a fitavam ficaram ruborizados.

 

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No cadafalso, prestes a ser enforcado, dedicou os últimos instantes de vida a procurar, na multidão, aquela que seria a homenageada com sua última ereção.

 

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Numa tarde sem vento, de onde vinham tantas ondas naquele lago calmo? Um bote com dois namorados fornecia, mudo, todas as respostas.

 

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Lolita era tão terrível na arte da sedução que seu ursinho de pelúcia vivia morto de tesão.

 

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Suas colegas riam nervosas, os meninos engoliam em seco e ela ficava ruborizada. Só seus mamilos, bem duros, permaneciam imperturbáveis.

 

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Sua memória andava cada vez pior! Quando, finalmente, achou a chave do armário e o abriu, descobriu o esqueleto do amante esquecido.

 

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Quando a loira da minissaia cruzou as pernas, o taxista não pôde evitar a olhada no retrovisor nem a batida no cruzamento.

 

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Todo o dia ela assistia a novela. A cada capítulo se apaixonava mais pelo ator. Quando este se casou com a heroína, ela resolveu dar para o vizinho.

 

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O novo aparelho garantia orgasmos sem fim. Exausta, sem mais forças, ela ainda tentou achar o botão de desligar.

 

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Arrependida dos pecados que não cometeu, a velha beata rezava para que no paraíso não fosse tudo igual!

 

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A perua gostava tanto de galinhar que para ela todo o pinto valia a pena.

 

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A churrascaria não era das melhores. Até as coxas da garçonete pareciam mais suculentas que a picanha.

 

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Ela usava piercing na língua e ele no genital. Tiveram que ser socorridos após muitas horas presos no sexo oral.

 

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Ela estava tão preguiçosa que, naquele dia, quando o amante a convidou para sair, preferiu traí-lo com o próprio marido.

 

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Seu pai fora bicheiro e jamais jogara. Ele era traficante e nunca cheirou. Como foi que justo sua mulher, aquela puta, tinha gozado com o cliente?

 

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Desde a contratação do novo salva-vidas, aquele rapagão forte, os casos atendimentos de socorro na praia tinham aumentado imensamente.

 

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Manuela chupava o sorvete muito lentamente. Mas quem se derretia eram os olhares que testemunhavam a cena.

 

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No clube de casais, o swing rolava solto. A troca nem sempre ocorria, mas a devolução era garantida.

 

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Alfredo era, há muitos anos, um convicto vegetariano. Mas, ao ver aquelas carnes abundantes e suculentas rebolando, ficou com a boca cheia de água.

 

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Quando ele descobriu que a namorada tinha um vibrador, ficou indignado, sentindo-se um corno eletrônico.

 

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Ela tinha ciúmes de como ele abraçava o violoncelo. Ainda, pelo menos, se fosse outra mulher...

 

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O cavalo comeu a rainha, o bispo foi comido pelo peão. Ao ver tamanha depravação, dona Eulália proibiu o neto de continuar a jogar xadrez.

 

 
 
 
 
 

 

 

Ajuda ele emprestava a juros. Amor só dava a prazo. Rancor era à vista. A gratidão só recebeu fiado.

 

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As senhoras jogavam baralho com tanto entusiasmo que não perceberam quando o marido de uma delas se jogou pela janela do apartamento.

 

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A caneta estava sem tinta, mas suas palavras ainda eram tantas! Teve que continuar em vermelho, com o que ainda tinha nas veias.

 

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Aquele capataz era pau para toda a obra. Mas os operários viviam reclamando de serem enrabados a toda hora.

 

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Casa de ferreiro, espeto de pau — desculpava-se o carrasco perante sua mulher ao se recusar a esmagar aquela barata na cozinha.

 

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Ela pediu: larga do meu pé! E, ali pendurada, ficou vendo o corpo dele afastar-se, caindo no despenhadeiro.

 

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Ela se prostituía sempre na mesma esquina. Naquela noite só um dos seus sapatos estava lá.

 

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Seu funeral teve tantos discursos que o morto conseguiu ser ainda mais enfadonho do que fora em vida.

 

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O galo de briga perdeu os dois olhos. Assim, não pôde ver seu dono sorrindo com o dinheiro ganho na luta.

 

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Otto tinha trabalhado na Gestapo. Agora, já bem velhinho, limitava-se a arrancar devagarinho as pernas das moscas que conseguia capturar.

 

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Frei Adroaldo trabalha na Santa Inquisição. Arranca unhas com toda a piedade e usa o ferro em brasa com muita devoção.

 

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O suicida era tão meticuloso que teve que refazer diversas vezes o nó da corda para se enforcar.

 

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Os moleques jogavam bola no meio da rua. Num passe mais forte, um deles correu para evitar a saída da pelota. Mas não evitou o motorista desatento...

 

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Maria Rita arrancou os olhos de sua boneca. No lugar colocou os que tirou do irmão.

 

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Com a quimioterapia, seu cabelo havia caído quase todo. Agora, com a luta vencida, deixou crescer cabelo e barba como um velho hippie.

 

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Romeu achava que ter um revólver carregado em casa era garantia de defesa. Mas não pôde defender seus filhos quando pegaram a arma para brincar.

 

 

 

 

 

Ele foi para o governo e foi atacado por um tipo de amnésia que o fez esquecer de todos os amigos e compromissos antigos.

 

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A boneca caída no chão era a única habitante daquela aldeia destruída.

 

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Na ditadura Solange trabalhava na censura. Até hoje ela fica molhadinha quando vê uma tarja preta.

 

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Que saudades da clandestinidade! — pensava o velho militante ao ver seus companheiros no poder.

 

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Ele era inocente, mas só quando subornou o juiz é que foi absolvido no processo por corrupção.

 

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Era uma democracia? O noticiário da TV mostrava tudo — mas só o que o dono da emissora queria.

 

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O jornal estampava na manchete como a economia ia bem. Debaixo dele, o mendigo que abrigava dormia, agora despreocupado.

 

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Era ele quem escrevia todos os dias o editorial. Não acreditava em nada mas, redator competente, dizia o que queria o dono do jornal.

 

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O velho general, na cama, sonhava com todas as guerras que nunca travara mas para as quais toda a vida se preparara.

 

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Ele sonhou que era um soldado americano. Ao acordar, o pesadelo era muito pior. Ele era um prisioneiro em Guantánamo.

 

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Que saudades da ditadura! — lamentava-se o humorista, cada vez mais suplantado pela realidade dos fatos.

 

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Era um ladrão muito respeitado. Só caiu na boca do povo quando virou deputado.

 

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O ministro da economia vivia com prisão de ventre mas recusava-se, por princípio, a tomar laxante.

 

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O diretor do manicômio proibiu os pacientes de verem os noticiários da televisão, pois eles já estavam começando a acreditar no que era transmitido.

 

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Quando o Presidente soltou um peido, os que estavam diante dele fingiram que nada ocorrera, mas os que estavam atrás não puderam fazer o mesmo.

 

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Quando o velho deputado perdeu pela primeira vez uma reeleição, a família agradecida fez uma grande comemoração.

 

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O soldado era pago para matar. Foi dispensado quando começou a pensar.

 

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O torturador não conseguia dormir com os gritos e gemidos de suas vítimas, dubladas pelos pernilongos invisíveis que habitavam sua noite.

 

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O tradutor deixou todos felizes. Mas se soubesse traduzir ambos os idiomas, o mundo teria visto nascer mais uma guerra.

 

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Era quando ia ao banheiro que o rei, sentado em seu privado trono, gostava de cagar regras para os súditos.

 

 
 
 
 
 

 

 

Perdeu o bigode numa aposta. Mais tarde foram-se o carro, a casa, a mulher e os filhos. Hoje é eunuco e parou de arriscar no jogo.

 

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Era um assassino serial. Matou a aula e foi ao cinema. Traçou um lanche e matou a fome. Depois, sem mais nada para fazer, ficou matando o tempo.

 

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Abre a boca e olha o aviãozinho! Ele abriu e comeu tudo, mas alguns passageiros ainda ficaram presos em seus dentes.

 

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Silas era o peixe mais vagaroso do seu cardume. Quando os outros já estavam fritos, ele ainda estava sendo pescado.

 

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O chapeleiro maluco dava pulos de alegria quando chegava seu melhor cliente, um verdadeiro bicho de sete cabeças.

 

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Na hora de assinar o contrato com a casa de espetáculos, o adestrador de pulgas foi muito reticente, recusando-se a colocar os pingos nos is.

 

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Dom Quixote do asfalto ataca semáforos de vento para resgatar Dulcinéia do congestionamento.

 

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Dr. Jekyll e Mr. Hyde formaram uma dupla caipira. Os espetáculos foram um fracasso, pois quando um subia ao palco ninguém achava o outro.

 

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O escritor plantou um pé de feijão mágico, que cresceu muito. Quando ia subi-lo para o castelo nas nuvens, foi detido por violar direitos autorais.

 

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Que injustiça! — pensava o falsário, preso com vários documentos de identidade. Fernando Pessoa também tinha heterônimos e nunca fora em cana!

 

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O velho dinossauro trabalhava como fóssil no museu. Achava muito enfadonho não poder se mexer, mas eram os ossos do ofício!

 

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O gato foi ao cinema mas não entendeu um miau pois as legendas eram em auau.

 

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Godzilla invadiu o Vaticano, pisando em tudo e abocanhando clérigos em fuga. Seus urros eram ainda mais assustadores pois não tinha papas na língua.

 

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As goteiras aumentavam, em cadência com um Mozart ao fundo. O maldito violinista estava de novo em cima do telhado!

 

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Grana, l'argent, bufunfa, money, dinheiro... Na hora de discutir seu quinhão, todos se entendiam em Babel.

 

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As duas lágrimas, gêmeas de olhos diferentes, juntaram-se finalmente no queixo, de onde saltaram para o abismo.

 

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O lanterninha atrapalhado jogava silhuetas na tela, introduzindo novos personagens no filme.

 

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O número de loucos é infinito. A demência é universal. Eu mesmo não sou muito normal.

 

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Ele morava no alto da montanha. Depois de tantos anos, já não sabia a diferença entre formigas e humanos.

 

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O vendaval fazia um galho da árvore tamborilar na janela do velho telegrafista, trazendo-lhe estranhas mensagens em código Morse.

 

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A mulher-gorila fugiu com os irmãos siameses. Denunciados pelo dono do circo, eles foram presos por bestialismo e ela por bigamia.

 

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O náufrago na ilha deserta agora só tinha os olhos no céu, onde as nuvens desenhavam tudo o que ele precisava.

 

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No restaurante, brigaram feio na hora de escolher entre calabresa e mozarela. A noite não acabou em pizza.

 

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O ministro era muito gordo e o coronel magro demais. Mas nunca fizeram média pois eram muito radicais.

 

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Quando o rei da cocada preta descobriu que ficara diabético, virou republicano. Light.

 

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A princesa beijava todos os sapos, esperando desencantar um príncipe. Mas seu pai, o rei, notório engolidor de sapos, não deixava escapar um!

 

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Os semícaros eram um povo unialado, cada qual com uma única asa. Para voar, tinham que escolher alguém e se abraçar.

 

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Era um sósia tão perfeito de si mesmo que nem sua mulher percebia quando cometia adultério com ele.

 

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Bita era uma formiga ninfomaníaca. Um dia conheceu Bartolomeu, um tamanduá, que a comeu todinha.

 

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O casal de viajantes do tempo brigou feio. Separaram-se. Ela foi para antes de ele nascer; ele para depois de ela morrer.

 

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O maior trauma do vampiro narcisista era não poder se admirar ao espelho.

 

 
 
 

 

 

O gato dormia no tapete da sala, aproveitando a calma da casa antes de darem pela falta do peixinho no aquário.

 

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As árvores passavam céleres pela janela do trem mas seu olhar nada via, parado onde embarcara.

 

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Foi assaltado na esquina. Ao esvaziar os bolsos, aquela fotografia caiu ao chão. O ladrão ao vê-la caiu em prantos.

 

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Naquela biblioteca, um único livro jamais havia sido retirado. No dia que aquela criança o pegou, o bibliotecário dormiu seu último sono sorrindo.

 

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Quando a carpideira ficou viúva não verteu nenhuma lágrima no velório. Afinal, família é família, negócios à parte.

 

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Dona Izilda tinha muita esperança e orgulho em seus alunos. Quando foi assaltada por dois deles, levaram-lhe muito mais que dinheiro.

 

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Ela estava calada e seu olhar absorto nada dizia, mas na fumaça do cigarro desenhavam-se os seus pensamentos.

 

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Ele adorava funerais. Misturava-se aos presentes e abraçava-os chorando, como nunca pudera fazer com sua família.

 

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Dona Rosa andou de avião pela primeira vez na vida. Ao ver tantas nuvens lá embaixo, desenhando bichos e castelos, ficou com saudades de sua infância.

 

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Os dois inimigos reencontraram-se após longos anos. Já bem velhos, não conseguiam mais recordar por que se odiavam.

 

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O jantar estava pronto e ela serviu-o ainda quente. Seu marido morrera há muitos anos, mas ela ainda colocava seu prato na mesa.

 

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O velho marinheiro já estava meio surdo, mas ao encostar a concha no ouvido escutou novamente todos os sons daquele naufrágio.

 

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Foi a Paris e subiu na Torre Eiffel para realizar uma velha fantasia, jogar dali um aviãozinho de papel.

 

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Era tão vaidosa que, para tirar fotografias, gastava uma hora e meia ao espelho e outro tanto no Photoshop.

 

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Os vizinhos reclamavam, os cachorros corriam atrás, mas o velho piloto aposentado do oitavo andar continuava a soltar seus aviões de papel.

 

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Pela última vez, escreveu seu nome na orla da praia e ficou vendo as ondas o apagarem para sempre.

 

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Seu relógio marcava sempre a mesma hora e ele nunca o acertava. O instante da morte dela era o momento eterno onde ele também deixara de viver.

 

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O show acabou e desligaram as luzes do palco. Mas ele continuava lá, esperando os aplausos que não vieram.

 

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Ela faz striptease e ele é michê. Viraram crentes e agora tentam converter seus clientes.

 

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A cada tijolo que ele colocava, os muros ficavam mais altos. Mal sabia ele que ali seria o presídio para onde mandariam seu filho.

 

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O gato escondeu-se, o marido conseguiu escapar e os filhos não sofreram muito. Desta vez, sua TPM nem tinha sido das piores.

 

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Puxada pelo cachorro, a franzina senhora trotava pelas calçadas do bairro, usando suas poucas forças apenas para se desviar dos transeuntes.

 

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As roupas penduradas no varal ganharam vida durante o vendaval. Pularam para o vizinho. Depois, extenuadas da aventura, descansaram caídas no quintal.

 

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As formigas, em longa fila indiana, indo de um quintal ao outro, eram a única coisa que unia aqueles dois vizinhos.

 

 

(imagens ©silikonvalley)

 

 
Carlos Seabra é editor multimídia, criador de jogos, consultor de tecnologia em educação e cultura, vice-presidente da UBE - União Brasileira de Escritores, publicou o livro Haicais e que tais (Massao Ohno Editor, 2005). Também publica haicais e microcontos em seus blogues Haicais e Que Tais e Utopia, entre outros.