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O Prodígio de Amarante mostra o Antônio José da Silva que escrevia em castelhano,
fato comum no século 18 em Portugal
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Antônio
José da Silva, o Judeu (1705-1739), é um dos mais intrigantes
casos da literatura portuguesa. Nascido no Rio de Janeiro, numa família
de cristãos novos que de acordo com as investigações
praticavam a religião israelita mais ou menos em segredo, foi
levado com os pais para Lisboa, pela inquisição, que
acabaria por executá-lo em auto-de-fé. Estava com 34
anos.
Vida muito curta, mas o suficiente para que deixasse para a posteridade
peças joco-sérias (como chamou) do nível de As
Guerras do Alecrim e da Manjerona e Esopaida. Não
há dúvida de que nasceu no Brasil colônia, também
não há dúvida de que era português como
súdito e escritor. Também não resta dúvida
de que era judeu. Viveu a pluridentidade e ela também está
presente nesta obra que a diligência e a sensibilidade de Alberto
Dines, junto com o português Victor Eleutério, entrega
ao público pela primeira vez em edição bilíngüe
—
foi escrita em castelhano, como era comum no século 18 em Portugal.
Trata-se de El Prodígio de Amarante (O Prodígio
de Amarante, Edusp, 273 págs., R$ 42). Nesta edição,
Dines e Eleutério se encarregam de comprovar a autoria da peça
que, devido às atribulações da vida de Antônio
José, ao terror inquisitorial e aos preconceitos, permanecia
em dúvida. O escritor brasileiro, ensaísta e biógrafo
(na literatura brasileira, coloca-se na linhagem de Lúcia Miguel
Pereira e Edgar Cavalheiro, praticantes do gênero), faz a abertura
com um texto em que resume a tragédia do Judeu e apresenta
elementos conclusivos para a definição da autoria da
peça. Os elementos são completados pelo seu parceiro
português, responsável pela tradução.
Eleutério elabora uma análise comparativa de textos
para demonstrar que o anônimo tinha nome, embora, como observa
Dines, um nome sinônimo de joão-ninguém. A diferença
está na alcunha, de início infamante.
Não é uma obra-prima —
Dines e Eleutério assinalam —
mas nem
por isso deixa de ter importância. Há outros dados que
justificam o empenho na pesquisa, abrindo caminho para futuros estudos
no âmbito histórico, literário e lingüístico.
Um dos mais interessantes é o aspecto da língua. Ao
escrever em castelhano, Antônio José seguia um costume
da época, que ele quebraria nas obras subseqüentes, ao
eleger o português como idioma literário. Mas seu castelhano,
como observa Dines, está mais perto do portunhol. O Judeuse
coloca desse modo como um precursor do portunhol literário
que veríamos surgir no século 20 —
veja-se Mar Paraguayo, do paranaense Wilson Bueno.
Outro aspecto enriquecedor é que o hibridismo lingüístico desta peça parece
fazer parte da tradição familiar judaico-portuguesa. Dines observa que além
de motivos práticos, existe uma razão "relativa ao seu casamento com a cristã-nova
Leonor Maria, de uma família da Covilhã, quase que abertamente judia". A
mãe dela foi executada em Valladolid: "Os cadernos de rezas judaicas desta
família eram escritos igualmente em espanhol aportuguesado. Daí a facilidade com que a voz do Judeu português confunde-se com a do Judeu
castelhano." Dines se ocupa do Judeu no monumental Vínculos de Fogo, mas
Antônio José está longe de se esgotar como personagem e como autor. No ano
passado, tiveram início as comemorações do tricentenário de seu nascimento— vão terminar em maio. O evento está dando resultados. A Biblioteca Nacional
publicará um pequeno livro, Antônio José da Silva, uma biografia em versos,
organizado por Dines; a professora Renata Soares Junqueira, da Unesp-Araraquara,
está organizando um volume de ensaios sobre o comediógrafo e a editora Certeza,
da Espanha, publicará este ano duas de suas peças traduzidas por Jacobo
Kaufman: D. Quixote e Esopaida.
(De O Estado de S. Paulo, Caderno 2)
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Antônio José da Silva. O JUDEU EM CENA: El Prodigio de Amarante / O Prodígio de Amarante. Organização de Alberto Dines e Victor Luís da Silva Eleutério. São Paulo, Edusp, 2006.
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junho, 2006
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