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Livro Que Vende é uma crítica que envolve da obra didática aos incas venusianos.
Trama utiliza também o cordel.
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Regina
Rheda aplicou diversas receitas usadas pelos autores de best sellers:
intriga amorosa barata, trama policialesca, sacanagem hetero e homo
separada e conjuntamente, humor debochado, etc. Misturou tudo e colocou
este título, Livro Que Vende (Editora Altana, 256
págs., R$ 34,00). Aí está incluída também
a chamada literatura infanto-juvenil, que faz parte da concepção
geral do "romance" e justifica em grande parte o título,
pois se trata de mercado cativo e é um dos principais alvos
da alegre fúria dessa escritora. Essa fúria bem-humorada,
que se destina a desmontar os esquemas da hipocrisia, da ideologia,
colocam a escritora na linhagem de um Marcos Rey, um cronista do cinismo
brasileiro. Mas Rheda não se apega a planos tradicionais de
narrativa. Ela os quebra a todo instante, podendo causar a impressão
de que produziu uma obra descozida, incoerente, apenas porra-louca,
mas isso não é verdade.
O delírio domina a primeira parte do Livro Que Vende, apresentado logo de
início como uma verdadeira bomba, pois se trata de um manual de química
assinado por Sandoval Cafeteira, mas escrito por outra pessoa, pois ele não
passa de uma besta picareta, "uma bolinha de lama", diria o Eça. Estudantes
inocentes tentam fazer uma experiência baseada no livro e a meleca explode,
provocando uma confusão geral. E domina a segunda parte também, uma "obra"
atribuída a uma das personagens do romance, um longo cordel que, como se
sabe, tem lugar para todos os jogos de imaginação, misturando personagens
sem preocupações com dados históricos, épocas, etc. Um boi com abóbora,
portanto.
O que Rheda fez se coloca na linha do que o teórico russo Bakhtin chama
de carnavalização, uma tendência verificável ao longo da história da cultura
ocidental, desde os gregos, da sátira menipéia de Luciano de Samósata. O
alto se torna baixo, o baixo se torna alto, o rico se mistura com o pobre, o
virtuoso é apenas fajuto, o eufemismo é purgado à custa de saudáveis
palavrões, numa festa exorcizante e revivificadora. Ela aplicou a poética do
cordel à literatura chamada erudita, e vice-versa: há lugar para a Divina
Comédia e os pavorosos incas venusianos, conhecidos somente por aqueles cuja
erudição lhes permite responder de imediato: o que é um ser abissal? As duas
partes do livro se explicam, se espelham de modo distorcido, numa mistura de
xaxado com samba, heavy metal, etc.
Na
primeira parte, o fio condutor, tênue, é a história
do best seller didático que quase literalmente não
passa de uma bomba, mercadoria ordinária feita para enganar
o público muito bem condicionado por uma política escolar
voltada para o faturamento e o descarte da clientela iludida: fazer
o que com tantos advogados, jornalistas, publicitários, essa
produção em massa...? Dramas vagabundos, as ciumeiras
profissionais de fundo de escritório temperadas com casos amorosos
da mesma laia, as jogadas de empresários que tentam se livrar
da bancarrota tentando captar investimento nos Estados Unidos, se
envolvendo com outros pilantras no saco sem fundo da malandragem.
Dos altos negócios a coisa vai para o esgoto, um denominador
comum: filhos da classe média deslumbrados com o paraíso
norte-americano, tornam-se contrabandistas, traficantes? Autora pioneira
na matéria é a jornalista Sônia Nolasco, que escreveu
Moreno como Vocês (W11 Editores, segunda edição).
Todos tentam se acertar e se ajustam num clima de chanchada complacente.
O cordel, ou melhor, rockordel, é a transfiguração
disso, ou vice-versa.
A autora não se rende à ingenuidade comprometedora que seria fazer
desfilar seus títeres presos a amarras moralistóides. Ela permite que o deboche mova
os bonecos: a forma se torna a mensagem. Deve-se observar, finalmente: Livro
Que Vende é uma divertida reflexão sobre o romance e suas impossibilidades,
algo bastante discutido, mas nem sempre demonstrado com tanta veemência e
bom humor.
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Regina Rheda. Livro que Vende. São Paulo: Editora Altana, 2004.
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dezembro, 2005
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