fotonovela

convidado especial Cassiano Ricardo
(in memoriam)

 

foto 1

 

         está declarada a terceira grande guerra mundial

       e os inimigos são as extensões das pernas

       quantas pessoas morrem diariamente em acidentes automobilísticos?

       acidentes?

       acidente foi (eu) ter nascido no ocidente!

 

 

foto 2

 

       nada sei sobre meu planeta

       nada sei acerca dos conflitos orientais

       só leio jornais

       nada sei acerca dos conflitos orientais

       como posso querer serhumano

        se só leio jornais sem datas

       se não posso me embriagar em Bagdá

       se tudo que conheço sobre o Iraque

       é o filme que vi na Globo

       "O Ladrão de Bagdá"

       a Globo e a Folha de S. Paulo são o planeta Terra?

 

 

foto 3

 

       Jeremias tem 7 razões pra não chorar

       eu (te) daria 70x7 pra abrir o berreiro

 

 

foto 4

 

       o sensato seria descrever imagens

       onde todos os rios desembocassem no mar

       mas como trilhar os mesmos caminhos

       se as imagens me chegam em feedback

       denotando o elo do que fujo e do que quero

       como me vestir com as cores da bandeira

       se tenho pernas e posso ir

       e se posso ir devo

       e se devo preciso

       além mar

 

 

foto 5

 

       há em mim uma porta

       uma passagem estreita

       nos dias de luz fica aberta pro nascente

       nos de chuva

       fecha como uma ostra guarda uma pérola-negra

       mas tudo que quero é uma paisagem sem janela

       é poder ser ele ou ela

       sem o pão que o Diabo amassou

       sem Deus de esmola

       pois para mim o que falta sobra

       e enquanto eu vou trancando

       as portas e janelas da casa

       lá fora o ponteiro do tempo roda

 

 

 

foto 6

 

       no meu tempo não há mensageiros

       os carteiros são os portadores do destino

       eu digo destino sem o complemento do predicado

       concordar com o predicado

       porque só há um destino:

       a cruz que foi carregada por Jesus

 

 

foto 7

 

       quanto tempo há em uma hora?

       se tudo que vejo agora

       é minha mão direita cheia de saudade

       quanto tempo tem essa demora?

       por que ninguém aparece e me diz vá embora?

       por que toda forma tem que ter forma?

       quem ditou essa norma?

       quem pôs palavras em minha boca?

       o que, por Deus!, fez a louca pra ser louca?

       drogas são drogas!

       mens are mens!

 

 

foto 8

 

       encontrei um livro de Allen Ginsberg na mesa da sala

       entrei e saí sem dizer nada

       palavra

       palavra por palavra

       a mala pronta

       a alça perdida d'baixo do livro na mesa da sala

 

 

foto 9

 

       você lembra aquela noite naquele motel cosmopolita barato

       em que eu micxei no seu olho direito

       aquele que piscava cada vez que você mentia?

 

 

foto 10

 

       agora saindo de todas as casas

       e todas as lógicas

       vejo que só me resta a puta-que-pariu

       o pivô do meu dente caiu

       a literatura regional entrou e saiu

       e eu fora buscar mel onde não havia flores

       colher flores onde não havia jardins

       procurar amor onde a rima é dor.

 

 

 

 

  

o desinteresse de francis ponge

Toda vez que minha poesia

não arrebanha um prêmio

num concurso literário

tenho a confirmação de continuar

no caminho certo

Minha poesia é elaborada justamente

para não ganhar concursos

Feita de encomenda para ser o dissídio

do sentimentalismo humano

Ela é a palavra pelo avesso

A carta na manga do jogador de pôquer

E ela, não busca senão, ela mesma

É ela jogando paciência na beira do mar

Enquanto o furacão, aproxima-se, mais e mais

Até atingir o jogador e arremessá-lo às rochas

Deixando as cartas na areia da praia, impecavelmente imóveis

 

 

 

(imagens de holly roberts)

 

a forma de tirar o CD e pôr o vinil

 

Tinha palavras lindas para o réveillon

pretendia juntar um a

um eme um ó e um erre

destilar poesia

e tomar um porre dela

Embriagar-me de alegria

da sua falsa alegria

Delicadeza demais é hipocrisia

Mas você me recebeu tão bem

que não atinei o que podia ou não podia

e não sabia onde colocar as mãos, as pernas...

Agora você me fala numa língua que desconheço

Desconheço mas boto fé

e lhe ofereço um café

uma água

e tudo que posso

nessa paisagem surreal

onde saboreio um fumo

e tomo um café forte e doce

pois a lua transita em libra

e preciso permanecer acordado

para não sucumbir a sua ira

 

 

 

 

Cláudio Portella nasceu em Fortaleza em 1972. Atua em todas as vertentes da escrita. Já escreveu para o teatro, para o cinema, para a música e para a publicidade. Colaborou nos jornais O Globo e Jornal do Brasil. Possui trabalhos publicados na revista Caros Amigos, no jornal Rascunho, no Suplemento Literário de Minas Gerais, na revista internacional de poesia Dimensão, na revista portuguesa Palavra em Mutação, no jornal Diário do Nordeste e O Povo. Na Internet, seus textos proliferam em sites como Jornal de Poesia (CE), Capitu (SP), Paralelos (RJ) e Patife (MG). Seus poemas foram traduzidos para o inglês, para o espanhol e italiano. Em 2002, ganhou com "Predileções em carma vivo" o concurso de conto da UBENY (União Brasileira de Escritores em Nova York). Em 2004, seu poema "BINGO!", foi editado em livro pela editora portuguesa Palavra em Mutação. Foi co-editor da revista Arraia Pajéurbe (FUNCET — Fundação de Cultura, Esporte e Turismo de Fortaleza, 2000-2004).