©picasso
 
 
 
 
 
 

       

Antes eu pensava ter uma pá de opções, hoje percebo que a única opção é a meca, a cola. Não a terebintina, mas a que me cola à escrivaninha. Todo o meu vulcão interno, minha explosão, a repetição de um monólogo inacabado é a vivissecção do meu passado sempre presente. O que é o presente? Um pacote bem embrulhado, com dedicatória e laço multicor? Meca! Meca! Meca! Cada nova cafungada é a confirmação mais que científica de que o presente não existe. Meca! Meca! Meca! Por onde anda Maomé?

Abandonei a Universidade, não porque não estivesse preparado para ela. Ela é que não estava pronta para a minha poesia. Sou a medida da minha poética. Quando entrei na UFC, a primeira coisa que fizeram, foi pegar a trena e medir minha poesia. Mediram, deu 1mm, um milímetro de puro medo. Medo estampado no meu cabelo comprido, meu rosto pálido, meu corpo magro. Disseram, você está terminantemente proibido de entrar no departamento literário. Aliás, nem passe em frente. Seu medo pode ser contagioso. Minha poesia... Ia eu dizendo. Quem lhe deu o direito de chamar minha? Você é indizível. Você é uma chaga. Você é o dedo sujo na sopa de letrinhas dos nossos poetas. Nossos Poetas sim! São Mestres! Você é o aluno, quer dizer, você é o indizível. Nossos Mestres medem 100.000.000 de metros cada um deles. Então peguei meu (eu não posso chamar de meu!) 1 mm, enrolei, meti debaixo do braço e fui cheirar meca.

Tenho enorme dificuldade em falar as palavras poesia e poema. Sou tagarela! Mas, na hora de falar uma dessas palavras, emudeço. Tento! TEnto! TENto! TENTo! TENTO! Cadê? Nada! Suo, ruborizo, encho a boca. Não dá! Poesia e Poema para mim são palavras sagradas. Seria mundano demais se me fosse permitido. Logo eu! O aluno!

Vivi uma emoção forte, tão forte quanto a pancada que D. Quixote levou na cabeça. Desde então meu cabeção chato passou a ver estrelas, e eu pensei ser uma delas. Engoli o rei e lutei com tudo o que tinha e não tinha contra o papel em branco, contra o dedo parado no ar apontando para meu nariz, contra o velho que me botava para dormir lendo suas poesias. Mas o tempo foi passando, dez, vinte, trinta, quarenta, cinqüenta e o dedo sempre apontado para mim. Proibindo-me de ir além do que estava escrito, de passear sozinho à noite. Todas as farras e bebedeiras eram em grupo, ai daquele que se embriagasse sozinho! Mas não me sinto sozinho agora, agora tenho a meca.

Assim como a Canabis Sativa entorpece, e isso é nativo da planta. Nossa vulgaridade é intransponível, sorte nossa que é levada a sério. O cearense é moleque na nomenclatura, vulgar n'alma. Ou seria no saco? Na língua? Nos genes?

Toda vez que assino embaixo escritor e poeta, sinto um desejo enorme de escrever: fodido.

Estou a dois anos do suicídio ou a quinze do coquetel de lançamento do meu primeiro livro de poesia.

Meca! Maomé anda no espírito de todas as crianças que cheiram cola nas ruas das grandes capitais do país. Poetas! O mundo não é o umbigo.

 

 

P.S: Meca é uma gíria urbana para cola de sapateiro.        

 

 

 

 

dezembro, 2007

 
 
 
 

Cláudio Portella é escritor. Nasceu em Fortaleza em 1972. Autor de Bingo! (Porto-Portugal: Editora Palavra em Mutação, 2003). Selecionador do livro Os melhores poemas de Patativa do Assaré (São Paulo: Global Editora, 2006). Seus trabalhos estão traduzidos em vários idiomas. Publicado em incontáveis revistas, jornais, suplementos, revistas eletrônicas, sites e blogues.

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