©edward hopper
 
 
 
 
 

 


 

Como um homem pode dizer que não quer mais uma mulher, ainda mais se é uma mulher linda e deliciosa, capaz de fazer coisa que desafiam não só o pudor, mas a própria capacidade descritiva das palavras?
 
Como dizer que uma mulher dessas faz mal a você — e faz mal exatamente por isso? Pior, como admitir isso para si mesmo?

 

Sentia-se como um viciado que, depois de uma longa intimidade anestésica com a droga de sua eleição, descobre que ela já não lhe produz mais nem prazer, nem alívio.

 

Com essa mulher descobrira que sua droga era o sexo. Já nem sabia mais se gostava de sexo. Sabia, sim, que precisava de sexo — que sempre precisara.


Obsessivamente. Olhando agora, deste ponto de vista privilegiado, percebia que ela não era um desvio, mas o clímax de uma história que jamais se dera conta que vivia. A vida toda a esperara sem saber.

 

"Isso não é amor!", repetia para si mesmo, como um mantra, enquanto andava de um lado para outro, incapaz de se concentrar, à espera de que o celular tocasse — porque ele não ligaria. Ele não. Não. Não era amor. Era uma deformação daquilo que um dia idealizara que seria o amor. Não era um fluxo suave de carícias mútuas, em tons de rosa, azul ou verde, mas um embate selvagem e desafiador, colorido de vermelho-sangue e amarelo-ouro, algo terrível que ofusca e sufoca, encanta e enoja, enlouquece e deprime. Algo que o fazia congelar a vida para espreitar o pequeno aparelho que deixara sobre a mesa de trabalho enquanto andava de um lado para outro, na tocaia, trancado em sua jaula refrigerada.

 

"Não quero mais você".

 

Como? Como dizer isso olhando naqueles olhos que ele podia ver agora, sem nem precisar fechar os seus? Aqueles olhos, intensos e frios como os olhos de um predador prestes a devorar sua presa, concentrados em nada dizer, iriam se tornando cada vez mais úmidos e submissos até começarem a se revirar nas órbitas, estrelas ansiosas pela aniquilação.

 

Como dizer "Você me faz mal", se a simples menção da palavra "mal" era como o sal em sua boca? "Eu faço tudo que você quiser", ele a podia ouvir dizer de volta, como ouvira tantas vezes, secreta senha da caixa de Pandora que trazia invisível em seu peito.

 

O amor pode ser um destino. O desejo é sempre uma fatalidade.

 

E sobre alguns, ele se abate irremediável e impositivo como um demônio, como uma outra vida. Via seus olhos, sentia seu perfume, ouvia sua voz. "É só um jogo", ela dizia — e a ele impressionava a infinidade de nuances que o "sim" e o "não" podiam ter em sua boca.

 

Se era um jogo, ele perdera. Se enredara na fantasia que fora tecendo para si minuciosamente ao longo de toda a vida — sem querer, sem saber — e que agora ganhara a forma dessa mulher que lhe cabia, tão exata quanto a última peça de um quebra-cabeças.

 

Só lhe restava uma saída: fugir. Desaparecer. Evaporar. Sem explicação, sem piedade. Antes que o celular tocasse. Porque se não tocar... Não, ele não ligaria — repetiu para si mesmo, pegando o celular sobre a mesa.

 

 

 

junho, 2006
 
 
 
Antonio Caetano é carioca, cronista, tradutor e copy desk e vem existindo sem interrupções desde 1958. Mais detalhes no Café Impresso.