Obsessivamente. Olhando agora, deste ponto de vista
privilegiado, percebia que ela não era um desvio, mas o
clímax de uma história que jamais se dera conta que vivia. A vida toda a esperara sem
saber.
"Isso
não é amor!", repetia para si mesmo, como um mantra, enquanto andava de
um lado para
outro, incapaz de se concentrar, à espera de que o celular
tocasse — porque ele não ligaria.
Ele não. Não. Não era amor. Era uma deformação daquilo que um dia idealizara que
seria o amor. Não era um fluxo suave de carícias mútuas, em tons de rosa, azul ou
verde, mas um embate selvagem e desafiador, colorido de vermelho-sangue e
amarelo-ouro, algo terrível que ofusca e sufoca, encanta e enoja, enlouquece e
deprime. Algo que o fazia congelar a vida para espreitar o pequeno aparelho que
deixara sobre a mesa de trabalho enquanto andava de um lado para outro, na
tocaia, trancado em sua jaula refrigerada.
"Não
quero mais você".
Como?
Como dizer isso olhando naqueles olhos que ele podia ver agora, sem nem
precisar
fechar os seus? Aqueles olhos, intensos e frios como os olhos de um
predador
prestes a devorar sua presa, concentrados em nada dizer, iriam se
tornando cada
vez mais úmidos e submissos até começarem a se revirar nas órbitas,
estrelas
ansiosas pela aniquilação.
Como
dizer "Você me faz mal", se a simples menção da palavra "mal" era como o
sal em sua
boca? "Eu faço tudo que você quiser", ele a podia ouvir dizer de volta,
como ouvira
tantas vezes, secreta senha da caixa de Pandora que trazia invisível em
seu peito.
O amor
pode ser um destino. O desejo é sempre uma fatalidade.
E
sobre alguns, ele se abate irremediável e impositivo como um demônio,
como uma outra vida. Via seus
olhos, sentia seu perfume, ouvia sua voz. "É só um jogo", ela
dizia — e a
ele impressionava a infinidade de nuances que o "sim" e o "não" podiam
ter em sua
boca.
Se era
um jogo, ele perdera. Se enredara na fantasia que fora tecendo para si
minuciosamente ao longo de
toda a vida — sem querer, sem saber — e que agora ganhara a forma dessa
mulher que lhe cabia, tão exata quanto a última peça de um quebra-cabeças.
Só lhe
restava uma saída: fugir. Desaparecer. Evaporar. Sem explicação, sem
piedade.
Antes que o celular tocasse. Porque se não tocar... Não, ele não ligaria
— repetiu
para si mesmo, pegando o celular sobre a mesa.