LA VEJEZ DE NARCISO

 

Me miro en el espejo y no veo mi rostro.

He desaparecido: el espejo es mi rostro.

Me he desaparecido;

porque de tanto verme en este espejo roto

he perdido el sentido de mi rostro

o, de tanto contarlo, se me ha vuelto infinito

o la nada que en él, como en todas las cosas,

se ocultaba, lo oculta,

la nada que está en todo como el sol en la noche

y soy mi propia ausencia frente a un espejo roto.

 

A VELHICE DE NARCISO

 

Olho-me no espelho e não vejo meu rosto.

Desapareci: o espelho é o meu rosto.

Desapareci-me;

pois de tanto ver-me neste espelho roto

perdi o sentido do meu rosto

ou, de tanto contá-lo, volto-me ao infinito

ou ao nada que nele, como em todas as coisas,

se ocultava, oculta-o,

ao nada que está em tudo como o sol na noite

e sou a minha própria ausência frente a um espelho roto.
 
 

NO HAY NARCISO QUE VALGA

 

A los cincuenta y dos años el espejo es el otro

No hay Narciso que valga ni pasión de mirarse

en el outro a sí mismo. La luna del estanque

es despiadada, finalmente dura

como una mala foto que él rompe en mil pedazos

Se liquida el espejo: vuelve a su liquidez

y licuado ese ojo de vidrio que llorara

es, por fin, una poza de agua verde y sin fin:

estanque del que fluye, envuelta en sus cabellos

y bajo los nenúfares, una ninfa, una ninfa…

 

NÃO HÁ NARCISO QUE VALHA

 

Aos cinquenta e dois anos o espelho é o outro

Não há Narciso que valha nem a paixão de olhar-se

no outro a si próprio. A lua do lago

é desumana, finalmente rígida

tal qual má fotografia que ele rompe em mil pedaços

Liquida o espelho: retorna a sua liquidez

e liquifeito esse olho de vidro que chorava

é, finalmente, uma poça de água verde e sem fim:

lago do qual flui, envolta em seus cabelos

e sob os nenúfares, uma ninfa, uma ninfa…

 
 

EN EL RÍO DEL SUBWAY

 

Nunca se ve la misma cara dos veces

en el río del subway

Millones de rostros planctónicos que se hunden en el cen-

      telleo de la oscuridad

o cristalizan al contacto de la luz fría

de la publicidad

a un extremo y otro de lo desconecido.

 

NO RIO DO METRÔ

 

Nunca se vê a mesma face duas vezes

no rio do metrô.

Milhões de rostos planctônicos que se fundem na cente-

     lha da obscuridade

ou cristalizam no contato da luz fria

da publicidadade

de um extremo e outro do desconhecido.
 

BOSQUE

 

El poema no escrito que se ríe del verbo

paraliza mi mano sobre el papel em blanco.

La cabeza es un bosque, otra vez, y la mano, un insecto con

         el que juega la monstruosidad

y de la lengua escapan las palabras que la acosan

como de un pobre diablo sus sueños de grandeza.

Semejante oscuridad bien podría anunciar el nacimiento de

         un poema feliz que ojalá fuera éste.

Ojalá, ojalá. Quiero volver al bosque,

mis palabras me llenan: voces que debo interpretar: un

          canto como de hojas, anterior al lenguaje,

la esperanza, a través de los árboles, de encontrarse en la

          perla del bosque

con una "luz no usada" que lo ilumine todo en el espacio

         de un instante de siempre

y olvidando el lenguaje que repta, abrir el corazón al canto

          que lo colma.

El corazón: la boca del poema imposible

tan parecido a la felicidad.

 

BOSQUE

 

O poema não escrito que se ri do verbo

paralisa a minha mão sobre a folha em branco.

A cabeça é um bosque, outra vez, e a mão, um inseto com

        o que brinca a monstruosidade

e da língua escapam as palavras que a acossam

como de um pobre diabo seus sonhos de grandeza.

Semelhante obscuridade bem que poderia anunciar o nascimento de

        um poema feliz que oxalá fora este.

Oxalá, oxalá. Quero voltar ao bosque,

minhas palavras me enchem: vozes que devo interpretar: um

         canto como das folhas, anterior à linguagem,

a esperança, através das árvores, de encontrar-se na

         pérola do bosque

com uma "luz sem uso" que o ilumine todo no espaço

         de um instante de sempre

e esquecendo a linguagem que rasteja, abrir o coração ao canto

          que o farta.

O coração: a boca do poema impossível

tão parecido com a felicidade.
 
 

PARA NINGÚM DESTINATARIO

sin la esperanza ni el propósito de influir sobre el curso de

          las cosas

el poema es un rito solitario

relacionado en lo esencial con la muerte.

 

PARA NENHUM DESTINATÁRIO

sem a esperança nem o propósito de influenciar o curso

           das coisas

o poema é um rito solitário

associado no essencial com a morte.
 
 

NO ME PROVOCA IR A MACCHU PICCHU

Apuraré mi regreso

pero igual estarás a mil años de distancia

y tú serás mi ruina.

 

Fue así como llegué

                             a envidiar

                                            a los muertos.

 

NÃO ME APETECE IR A MACCHU PICCHU

Apressarei o meu regresso

mas do mesmo jeito estarás a mil anos de distância

e tu serás a minha ruína.

 

Fui assim como cheguei

                                invejando

                                            aos mortos.
 
 

PIEDRA SACRIFICAL

 

No me quiero hacer la víctima

A lo sumo estoy cómodamente tendido sobre la piedra de

        los sacrificios

y un tipo que se limpia las uñas con un cuchillo

me dice ¿qué es de tu vida?

¿No te parece que sobra?

 

PEDRA SACRIFICAL

Não quero me fazer a vítima

No máximo, estou comodamente estendido sobre a pedra

     dos sacrifícios

e um tipo que limpa as unhas com uma faca

me diz: o que é da tua vida?

Não te parece que sobra?
 
 

KANDINSKI 1904

La relación de unas cosas con otras

iba borrando, poco a poco, las cosas

Versos sin palabras

Formas sin figuras.

 

No bien partía un barco de oro de orilla

cuando ya no era orilla ni barco ni partía.

 

KANDINSKI 1904

A relação de umas coisas com outras

vai apagando, pouco a pouco, as coisas

Versos sem palavras

Formas sem figuras.

 

Nem bem partia um barco de ouro da margem

quando já não era margem nem barco nem partia.
 
 

ESCRIBO PARA DESQUITARME de la inacción que significa es-

        cribir

Escribo como alguien compra un número de la lotería atra-

        sado

Escribo de parte de los perdedores para la mortalidad

Escribo sin voz por amor a la Letra

Escribo, luego el otro existe.

 

ESCREVO PARA DESQUITAR-ME da falta de ação que significa es-

       crever

Escrevo como alguém que compra um número de loteria atra-

        sado

Escrevo da parte de quem perde para a mortalidade

Escrevo sem voz por amor à Letra

Escrevo, logo o outro existe.
 
 
 
Tradução
Marco Aurélio Cremasco