©keith haring.








 
— Não... eu não tava ligando muito.

— Eu não tava ligando nada. Pra mais nada.

— Claro que conheço, é minha mulher.

— Não... não casamos porque ela nunca quis.

— Só quebrei tudo.

— Quebrando.

— Chutando, jogando pra cima, batendo os troço uns nos otro.

— Que que tem ela...

— Não fiz nada demais.

— Não fiz nada disto.

— Foi ela que começou. Eu quebrei as coisa por causa dela.

— Ela não prestava mesmo.

— Vagabunda.

— Tá de rolo com o cara da esquina.

— Não. Nunca vi.

— Me contaram.

— Um cara me contou.

— Mora lá perto de casa.

— É amigo meu.

— Faz tempo que não vejo.

— É. É esse o nome dele.

— Foi preso?

— Por quê?

— Banco? Ele não é de Banco. Só coisa pequena. Nunca soube que ele fez Banco antes.

— Só gosta de coisa sem risco.

— Por que "gostava"?

— ... pegaram ele no pulo... seus putos...

— Não adianta me bater... o que eu sabia já disse...

— Que que tem ela? Não tenho mais nada pra dizer sobre ela. Pra mim ela já tá morta.

— Mas como? Quando eu saí, ela ainda tava respirando, ela tava se arrastando para o fundo do quintal, perto da casa do cachorro.

— Chutando. Um pouco foi chute e um pouco um pedaço de pau.

— Da cerca.

— Já disse! Ela tava de rolo com o cara da esquina.

— Nunca vi.

— Não.

— Não!

— Não...

— Na cabeça dela nunca bati.

— Já disse! Na cabeça não!

— Sei lá. Ela vivia caindo da escada.

— Que ia pro quintal, perto do tanque de lavar roupa.

— Não sei mais nada dele.

— Não sei o nome dele. Só que mora na esquina. Toca um táxi.

— Mas não sei mais nada, este troço do táxi todo mundo sabia. Até vocês deviam de saber.

— Pode bater. Bata mais...

— Não vai adiantar nada. Não sei mais nada.

— Não fui eu que matou ele eu juro!

— Comé que é?

— Claro que tinham falado.

— Cês pensam queu sô bobo? Se vocês não me contaram, comé que eu sabia que ele tava morto?

— Mas não fui eu!

— Não digo mais nada. Quero meu advogado. Ele vai ferrar vocês.

— Não assino nada.

— Não!

— Aquela menina era uma vadia!

— Nunca nem cheguei perto dela.

— Morava nos fundo da vizinha.

— Vivia pelada no quintal.

— Não, pelada pelada não, mas com aqueles biquíni pequeno, tomando banho de sol. Dizia que queria ficar bonita... bronzeada... que ia ganhar um negócio... prêmio não sei o quê no Carnaval.

— Um baile não sei aonde.

— Pô meu, ela vivia na cerca, se esfregando...

— ...pedindo coisa, receita... o quê?

— Não. Nunca saí com ela.

— De onde saiu esta foto?

— Quem tirou esta foto, porra.

— É. É ela.

— Mas também não fui eu que matô ela.

...

— Pode bater que eu não ligo...








 
Fábio Marchioro mora em Curitiba com sua esposa Nancy e duas gatinhas pretas: Miadora e Shy. É escritor, advogado, pós-graduado em Leitura de Múltiplas Linguagens e quase jornalista. É membro do conselho editorial da Editora Pós-Escrito e membro fundador do Instituto Cultural de Jornalistas do Paraná. Teve diversos contos premiados em concursos literários nacionais e internacionais. Seus contos, crônicas e matérias especiais são publicados em cadernos de cultura de vários jornais de Curitiba. Edita o site Paragrafo.org e mantém o weblog Pensagens.