NÓS TRÊS

 

Estávamos lá nós três:

eu que parei,

ela que reparou

e a puta que pariu.

 

Ela me beijou

e só sobrou nós dois.

 

 

 

 

 

CERTAS PALAVRAS

 

subi no ônibus e lá estavam elas

as palavras, na janela

exibindo as suas vaidades

 

desci correndo

tentei despistá-las

esbarrei num amigo

e nele também as palavras estavam

olhei para o céu, para as árvores

para as meninas que passavam

tentei até meditação para esquecê-las

mas as palavras nunca cessavam

 

desisti, resolvi brincar com elas

e quando elas cansam de mim

consigo então livrar-me delas

 

 

 

 

 

EXISTÊNCIA

 

toda afirmação é arrogante

inclusive esta.

 

 

 

 

 

ARAUCÁRIA E MELANCIA

 

mesmo que algumas palavras

destoem do conjunto

feito araucária e melancia

todas elas junto

constituem uma unidade

sem sentido declarado

nem qualquer finalidade

apenas existindo

indiferente à qualquer vontade

as palavras enforcam-se

com a corda da liberdade

 

 

 

 

 

AUTOFAGIA

 

Toda vez que leio a última linha desta estrofe

penso na primeira, leio esta segunda

e sem pensar agora leio esta terceira.

De que serve? Não sei.

Pois bem, eis aqui esta penúltima linha.

(umbigo também é alimento)

 

 

 

 

 

AS ÁRVORES E OS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS

 

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...todas as árvores são lindas...

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SURREAIS

 

há animais

que enrolam-se em tecidos coloridos

que artificializam seu cheiro

modificam suas formas

pintam seus corpos, unhas e pêlos

 

eles habitam gavetas em cubos de concreto

e percorrem diariamente o mesmo caminho

até alcançar o que chamam de aposentadoria

que é o direito de esperar a morte

encubado em sua gaveta de concreto

recebendo medicamentos e alimentação

filhos e netos

domingo sim, domingo não

 

quando morrem são enterrados

em cubos do tamanho dos seus corpos

para que não participem

dos ciclos orgânicos do nosso planeta

 

 

 

 

 

AFINAL,

 

é afinal uma palavra independente?

por já saber, na madrugada semântica

que a frase só amanhece após a vírgula?

 

é afinal o canto dos pássaros?

que desperta o sol gramatical

que reluz a cor da corda

da palavra que acorda

com o som do próprio sol?

 

gostaria eu de viver lá atrás, antes da vírgula

despropositadamente, feito criança

libertando afinal de sua função sintática

para que assim conheça o ponto final

bem no entardecer da frase

lá onde se põe o sol gramatical

depois da vírgula, afinal.

 

 

 

 

 

UM CONCOMITANTE ENSIMESMADO

 

Um concomitante ensimesmado

feito de aço e de concreto armado

arredondou as arestas da racionalidade humana

e concorreu com o ponto de fuga

convergindo assim para o seu próprio denominador comum.

Discordou do relativismo cubista,

onde até os mais distantes são protagonistas.

Edificou as redundâncias do mundo retilíneo

reflorestando o campo gramatical com reticências

todas iguais, até o infinito

originando assim a dúvida,

na ausência dos pontos de admiração:

trata-se de urbanismo crônico ou urbanite aguda?

 

 

 

 

 

TECNOCRATAS

 

perfumaram o meio

e o ambiente de trabalho

com panfletos

adesivos e camisetas

do presidente

do sindicato

ex-governista

hoje, oposição

bancário aposentado

na pseudo-direção

do meu emprego

cuja relação

com o sistema financeiro

limita-se

temporalmente

ao último dia do mês

caso não haja atraso

no pagamento

 

 

 

 

 

PENSA DEMAIS

 

Pensa demais.

Assim, nunca terá o seu próprio predicado.

 

 

 

 

 

ÍNFIMO 

 

Efêmero

passei voando pela vida daquela pedra

feito borboleta.

 

 

 

 

 

DIÁLOGO

 

Esse pilar já estava aqui?

Que pilar? Esse aqui? Ops! Derrubei.

E aquele outro, de onde veio?

De nada importa! Concentre-se em construir telhados.

Para nos abrigar de que?

Talvez dos pilares que caem do céu.

Eles não brotam da terra?

Os éticos brotam da terra, já os estéticos caem do céu.

Bom, de qualquer forma vou deixar isto escrito por aqui.

Acho melhor, não! Podem confundir com um pilar.

Pois derrubem, então!

 

 

 

 

 

OS RIOS ATRAVESSAM APARTAMENTOS

 

A humanidade cospe nos rios

no ínfimo tempo em que eles permanecem nos apartamentos

entre a torneira e o ralo.

 

Minha consciência está tranqüila

comprei uma camiseta do Greenpeace

onde se lê: "eu protejo o meio ambiente"

mesmo que cada litro de azeite

que jogo no rio, antes dele desaparecer pelo ralo

contamine milhares de litros d'água.

 

 

 

 

 

POEMAS SOBRE AS MOEDAS

 

choveu poemas sobre as moedas

das nuvens carregadas de poetas

pingam gotas de poesia

sobre o banco imobiliário

inundando todo dia

o sistema financeiro

que defeca no dinheiro

e das fezes do banqueiro

precipita poesia

 

 

 

Fernando Ernesto Baggio nasceu em 1981, em Tapera-RS, uma pequena cidade na região do Alto Jacuí, onde viveu até os dezoito anos. Atualmente, estuda Geografia na UFRGS. Participou da antologia Histórias de trabalho, de 2006, e é autor de Delírios de um plagiador, novela vencedora do concurso Coleção 2000, realizado pelo Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul.