ESTA NOITE, fosse como fosse, Isabel deveria conseguir três tragos. Há algumas horas sua mãe a havia chamado para lhe dizer que o mais tardar chegaria dois dias depois a Santiago. E não viria só, traria consigo seus dois filhos. Ela, desde que se mudou para a capital, tinha considerado esse risco e afortunadamente havia economizado algum, mas, ainda assim, acreditava que faltaria. "A viagem de Puerto Montt é longa — dizia para si mesma — e com certeza os meninos vão chegar mortos de fome. Vou precisar de muita comida e dinheiro para o ônibus". Fez seus cálculos, bem rudimentares porque sua educação era escassa, e concluiu "com os doze mil pesos por tirar três tragos dos clientes respiro tranqüila".

Mas nada é fácil, pensou observando os dois amplos salões do night club. Era a madrugada de uma quarta-feira e, como sempre, nesse dia estava quase vazio. Se deslocou para perto do balcão, envolta na música pegajosa do local — um cabaré de segunda categoria localizado numa rua afastada do centro —, e acabou estudando-se nos espelhos que circundavam o cenário. Ao contrário das outras mulheres, não se podia dizer que "ainda era jovem", porque apenas tinha 19 anos. Seu rosto, ainda inocente e com sinais de espinhas, não permitia adivinhar que foi casada e que escapou disso convencida de que nunca havia tido personalidade própria. Juan, o administrador — sujeito de tez branca e mediana estatura —, lhe fez um sinal e ela se aproximou. Notou, ao mesmo tempo, que alguns homens de uma mesa distante a olhavam.

— O que aconteceu? — observou perplexo — Cê tá estranha...

— Tô normal. — Não era verdade. Havia exalado cocaína para ter ânimo e adquirir "velocidade", segundo a expressão do ambiente.

— Bem, imagino que você não tem problemas pra dançar hoje... Faltou a Teresa e precisamos de alguém pra pôr no lugar dela.

— Você sabe que eu não danço.

— Sei, mas te ofereço 20 mil pesos. É uma emergência!

Se recusou por orgulho. Era a única que se vestia com roupa comum (habitualmente usava jeans e uma blusa de mangas compridas) e que não aceitava os bêbados. Desse modo se fez respeitar. Algumas mulheres se vendiam, não as julgava nem se sentia superior; ela simplesmente havia decidido não fazê-lo. Um dos tipos da mesa distante a chamou com a mão, mas sem ter terminado seu reconhecimento visual, desviou a vista. Todo mundo tá sempre apertado, pensou. E ela, por sua vez, também estava. O tempo passava e só havia conseguido um trago. As bailarinas se sucediam uma após a outra, marcando a hora como se fossem ponteiros de um relógio humano. Podia-se chamar de erotismo, sensualidade, a tudo isso? Não importava; um corpo nu, em si, era só uma imagem fugaz. Por isso tinha preferido trabalhar aí que em um café con piernas*, onde a divisão de classe entre as garçonetes e as empregadas do caixa era absoluta. Aí, não; a leveza, entre suas quatro paredes, se reconhecia com os dedos. Nada era substancial: nem o sexo, nem o desejo. O mundo de dentro diferia unicamente do mundo de fora porque aqui o dinheiro era perceptível e, por isso mesmo, tudo era transparente. Por que não dançar então? Precisava do dinheiro.

O cenário oscilava sob seus pés, enquanto a música e as luzes a levavam velozmente de um ponto a outro. Imediatamente, uma massa de homens embrutecidos pelo álcool surgiu do nada e seus bramidos a impediram de pensar se faria isso outra vez.


*café con piernas: cafeteria, em Santiago do Chile, onde mulheres seminuas servem café, estimulando o voyeurismo.

 

 

 

[Tradução de Cristiane Grando]

 

 

Iván Quezada (Valparaíso, Chile, 1969) estudou jornalismo na Universidad de Chile, profissão que exerce desde 1988 em seções culturais de diversos meios de comunicação, como as revistas Qué Pasa, Hoy e Rocinante, além dos jornais La Época, La Tercera, La Nación e El Mercurio de Valparaíso. Atualmente, é professor de jornalismo na Universidad de Chile e de literatura na Universidad del Desarrollo. O conto "Os três tragos" foi publicado em seu livro Los extraños (Santiago do Chile, Tajamar Editores, 2005). Segundo José Miguel Varas, "neste conto, como nos outros 17 contos que compõem este, seu primeiro livro, Iván Quezada nos confronta com a estranheza do mundo. Não somente com a sua estranheza pessoal ante o mundo senão com o fenômeno, objetivo, do homem que se sente estranho no mundo e, sobretudo, na sociedade que o rodeia". (Notas bibliográficas do poeta Leo Lobos)