feliz ano novo
 
teus seios
brilham no ocaso
vermelho
que invade
o ano virgem.
 
 
 

naufrágio
 
um barquinho
 
a escuridão
 
a lua como testemunha
 
a dor
fazendo versos
nos caracóis de teu sexo
 
um barquinho
sem luz
naufragando uma virgindade-baby.
 
 
 

fúria
 
sugo
a saliva
de teu sexo
como quem sangra
na chuva
como quem chora
no cio.
 
 
 

artifício
 
as flores artificiais,
na mesa
o filtro sem água,
na pia
a geladeira sem carne,
na sala
 
nós dois na cama:
artifícios filtrados em carnes conjugais.
 
 
 

hipótese
 
e se eu te amasse
como um pássaro
ama a gaiola que o prende?
 
 
 

romance
 
eu, o nome da rosa
ela, dom casmurro
 
eu, mistérios medievais
ela, olhar de capitu.
 
 
 

carrossel de silêncio
 
meu filho fala sozinho
 
no meio das crianças
brinca com ninguém
 
finge-se de gato
imita o cachorro
 
au
au
au
autista
 
(e o mundo finge que ele não existe).
 
 
 

consumo
 
o free
se consumindo
no cinzeiro
feito nosso amor
 
(nunca por inteiro).
 
 
 

a flor e o espinho
 
o amor
o amor
 
— todos os caminhos
levam à dor
 
quando o teu cheiro sobra
ou o prazer vai embora
é do amor que falamos
é a dor que escondemos
 
num caso
falta o pedaço necessário
para se chegar ao paraíso
 
em outro
sobra o dicionário
para tentar explicar o sumiço da flor.
 
 
 

intervalo
 
baby,
quando a
onda do mar
bate em nossa
porta gritando o pedaço
que falta para a sorte de nosso amor
é porque a dor já arde em nossas ilusões
 
(e
quei
ma
a
que
la
car
ta
ras
ga
da)
 
baby, quando a onda do mar traz o
sal da vida em suas mágoas é porque
nenhuma
música melodia
o duelo
desafinado
dos adultos.
 
 
 

fábula
 
é durante
o encanto
que a dor existe
 
e
(só)
depois da dor
que o amor fica.
 
 
 

ciclo
 
não é só querer você por todos os janeiros
cultivando mitos
folha
a
folha
em seu pomar de atritos
 
não é só buscar fevereiro
definindo ritmos
passo a passo
na alegoria: triste arlequim
 
não, não é só procurar águas em março
submergindo
mares e rios
na felicidade de um naufrá(cio)
 
muito menos abrir portas
destravar cadeados
chave a chave
no quarto mês de nossa prisão
 
sei que é um pouco mais
um pouco maio
um pouco mouros perdidos na primavera
 
sei que quero junho
quero junto
quero jung
nada de freud
a explicar minha devoção junina
 
(silêncio em julho)
melhor sorrir a ausência de sorrisos
melhor contar um segredo a juliana
 
não estou bem certo é se rejeitaria a sina de imperador
:agosto
ao gosto agostinista
rituais nada agnósticos
— agnus dei
dai-me um cântico para não rezar
 
sei que sinto o bafo de vulcões
em setembro
a sete léguas de distância
do meu próprio império
como se fora sete pastores em busca de sete línguas e duas irmãs
 
outro mês se inicia, sim
já já anuncio outubro
outrora buscava ruínas
hoje cavo minas
para suar poemas que não vão lhe conquistar
 
novenas de meus encantos
novembro e seus prantos
novelos que se enroscam
metonímias da minha linguagem:
não quero só a parte que me cabe no seu todo
 
(dezembro é o ano inteiro
onde cabe todos os janeiros de mim em mim).
 
 
 

(Poemas do livro Intervalo Lírico, inédito)
 
 


Linaldo Guedes (Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, 16/06/1968). Poeta. Publicou seu primeiro livro Os zumbis também escutam blues e outros poemas em 1998. Tem poemas seus incluídos em vários sites de literatura. Lançou, ainda, Singular e Plural na poesia de Augusto dos Anjos (ensaio, Editora A União, 2000) e co-organizou os livros Correio das Artes, 50 anos, volumes de Poesia e Contos (Editora A União, 1999) e Diálogos (Editora Aboio, 2004). Seu nome está incluído como verbete na Enciclopédia de Literatura Brasileira, organizada por Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa. Atualmente, edita o suplemento literário Correio das Artes. Escreve o blogue Zumbi escutando blues.