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De que outra maneira precisar o nome de um campo do
saber que se mostra tão reticente sobre seu próprio estatuto
disciplinar? 2
Certamente,
se nos colocamos no nível de uma proposição, no interior de um discurso, a
separação entre o verdadeiro e o falso não é nem arbitrária, nem
modificável, nem institucional, nem violenta. Mas se nos colocamos num
outro patamar, se nos propomos a saber qual tem sido, e qual é,
constantemente, através de nosso discurso, essa vontade de verdade que
atravessou tantos séculos de nossa história,
ou
qual é, na forma mais geral, o tipo de separação que rege nossa vontade de
saber, então será talvez, algo como um sistema de exclusão, (sistema
histórico, modificável, institucionalmente restritivo por coação) que
percebemos delinear-se. 3
E
a instituição responde: "Você não tem nada a temer de início; estamos
todos aí para te mostrar que o discurso está na ordem das leis; que
velamos desde há muito sobre sua aparição; que um lugar lhe foi destinado,
que o honra mas o desarma; e que se ele chega a possuir algum poder, é
exatamente de nós, e de nós somente que ele o tira". 4
... os estudos culturais ... não só não possuem uma metodologia bem
definida como também não têm campos de investigação claramente demarcados.
Os estudos culturais são, é claro, o estudo da cultura, ou mais
específicamente, o estudo da cultura contemporânea. ... Ainda que
assumamos saber precisamente o que é "cultura contemporânea", esta pode
ser estudada de várias formas ... A questão permanece: os estudos
culturais trazem sua própria orientação para estas formas estabelecidas de
análise? (itálico do autor) (nossa tradução) 5
...
em toda sociedade a produção do discurso está, por sua vez, controlada,
selecionada, organizada e redistribuida por um certo número de
procedimentos os quais têm por função de dispor os poderes e perigos, de
se assenhorear dos acontecimentos aleatórios, de livrá-los de seu peso, a
temível materialidade. ...
conhecemos, certamente, os procedimentos de exclusão. O mais
evidente, o mais familiar, também, é o interdito. ... as regiões
onde a grade é mais cerrada, onde os casos obscuros se multiplicam, são as
regiões da sexualidade e da política; ... uma vez que o discurso —, não é
simplesmente o que manifesta (ou prende) o desejo; este também o objeto do
desejo; ... o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os
sistemas de dominação, mas aquilo pelo que lutamos, o poder do qual
buscamos nos apoderar. 6
Como uma disciplina acadêmica transnacional, os estudos culturais não
representam, em si mesmos nenhum interesse específico.
E,
de fato, aconselhamento político não encobre verdades que podem
imediatamente ser usadas e aplicadas. Pelo contrário, fora da academia
eles tendem a se tornar uma fonte de engajamentos políticos espraiados
entre diversos interesses. Portanto,
os estudos culturais é uma disciplina que continuamente muda seus
interesses e métodos porque se encontra em constante e engajada interação
com seu imenso contexto histórico e porque não pode ser complacente a
respeito de sua autoridade. Acima de tudo, eles retiram sua força dos
argumentos contra os "meta-discursos" e não querem a voz dos teóricos
acadêmicos soando acima de vozes menos ouvidas. 7
Lembremo-nos
que todas as práticas imperialistas se arrogaram o dever auto-atribuído de
salvar os incrédulos: Na Idade Moderna, os ibéricos deviam salvar as almas
dos americanos do inferno; durante o imperialismo, o governo britânico
tinha também como "santa atribuição" livrar o mundo de sua barbárie; em
decorrência ... 8
Não menos importante é o fato de os estudos culturais engajados examinarem
também suas fronteiras constitutivas e divisões — ou, simplesmente, a
relação entre o que eles incluem e o que excluem. Examinam sua fronteira
temporal: a separação de passado e presente (pergunta, que papel tem a
história nos estudos culturais contemporâneos). Examinam as poderosas
divisões que assumem e contestam: a divisão entre hegemônico ("sobre") e
contra-hegemônico ("sub") —
ou, em outros termos, as fronteiras entre as margens e os centros. E eles também examinam as divisões
estruturais: as divisas entre "cultura" por um lado, e "sociedade" ou a
"economia" do outro (questionando, ao mesmo tempo, em que grau é a cultura
formatada pelas estruturas econômicas — ...). Devemos somar a estes
problemas sobre fronteiras, posto que isto vem sendo menos discutido, que
os estudos culturais também distingue basicamente entre o político (ou
engajado) e o não-político (ou não-engajado) quando trata da cultura —
...
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