©regina lustosa 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Sobre Chinês com sono e Clones do Inglês, de Leonardo Fróes

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A primeira  coisa que me ocorre é um registro na clave do simples:  um "olhar de vaca" que capta um "efêmero passante" "de calção e sandália".

 

Em seguida, me vem a epígrafe de A Hora da Estrela: "e que ninguém se engane, a minha simplicidade me custa muito esforço".

 

No livro Chinês com sono, porém, não aparece o esforço, labuta imperiosa, custo.

 

Nem no sentido de preço e de valor.

 

Aparece o que custa ao tempo polir e depurar, o que decanta e sedimenta. Avesso de esforço porque sem alternativa enquanto vive, roça, rala, transubstancia-se — do pó ao pó. 

 

Coisas que se dizem e qualquer um de nós diria — me ocorre que a voz do poeta é só uma, a mesma, e percorre os corpos ao longo dos séculos — eu, tu, e.e., Emily. Não é que outros poetas falem por nós, em seus poemas. Somos nós mesmos falando, espíritas. Mais que isso, alquímicos, incorporamos vegetais e fogo, além dos bichos, encarnamos partículas, dando rosto à água, na "coesão impessoal da matéria, a eternidade".

 

Um bem. O bem existe. Mesmo com "dores que ainda ficam doendo" ou se "os passos pesam, grudam na lama", olhos ingênuos e fraternos enxergam a alegria da comunhão — se entre homens, "a glória da espécie"; mas também, segundo títulos de poemas, englobando "a matéria de tudo": A um ex-hotel, Para o muro de um solar. Há boa índole e boa vontade.

 

As histórias que se contam com generosas frases completas, pronomes explicativos,  possessivos, sem pudor de economizar sujeito, predicado e tempos de verbo corretos, se dobram inevitavelmente à poesia na música secreta de sutis rimas internas, tão escondidas ou tão às claras que espantam ("comuns/luz", "universo/espécie"! — Fogueira dos amigos; "fusão confusa" — Rompimento de amizade"; "absorto na observação" — A passageira; "frangalhos/gargalhando" — A última romântica; "mente/ontem" — Transição; "tabuleta obsoleta", "variações temporárias das intempéries"). Ou, ao contrário, surpreendem, mudando o ritmo que imporia a rima rica, ao deslocar o verbo que completa o primeiro verso para a segunda linha — Amor no mato. Aproximando pela distância a "rima" "sublime/esfume" em Quase sublime. "Ção, ssos, ssoa, ssim, ssoa, sem, ção, so, ci, ssoa, ce" — um poema só de sílabas sussurrado no final de Sobre um tema de Confúcio. E "retine a noite toda" (a boa espada) — ti ti tô, ni a nô — é chinês? Por exemplos.

 

Prosa fabulosa, sim, juntando o que há de comum em "fogo, gelo, clarão, chamusco", em cerveja e "bailando na espuma das ilusões". "Entre estados tão díspares", tudo tão comum.

 

Um texto como "um rosto assim em formação permanente", "o rosto da hora", onde conceitos, signos, símbolos se dissolvem e tomam outros formatos, ritmos, combinações. É "logo ali, no terreno da ambigüidade", onde se abrem as "palavras fechadas que ninguém entendia".

 

Precisamos de uma "neutralidade nova" para, "desencorpando", acolher nossos iguais: "formas que a vida assume sem destino".

 

E, fechando e reabrindo o livro, Clones do Inglês põe na boca dos outros "a palavra certa para orientar nossos passos" e "a frase que a nós dirá respeito".

 

        

 

 
 
março, 2006
 
 
 
 
 
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Leonardo Fróes. Chinês com Sono e Clones do Inglês. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2005
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Angela Melim nasceu em Porto Alegre (RS), em 1952,  e vive no Rio de Janeiro, onde trabalha com tradução e redação. Livros publicados: O vidro o nome (Rio de Janeiro: Vozes, 1974), poemas; Das tripas coração (Florianópolis: Noa Noa, 1978), poemas; As mulheres gostam muito (Florianópolis: Noa Noa, 1979), prosa poética; Vale o escrito (Edição da Autora, 1981), poemas;  Os caminhos do Conhecer (Florianópolis: Noa  Noa, 1981), poemas; O outro retrato (Rio de Janeiro: manuscrito circulante, 1982), prosa poética; Poemas (Florianópolis: Noa Noa, 1987); Mais dia menos dia (Rio de Janeiro, 7Letras, 1996), obra reunida. Inéditos: Ainda ontem, contos, Prêmio Eneida da UBE-RJ, 1991;  Personagem, Prêmio Bolsa de Literatura da Fundação Vitae para as Artes, 2003. No prelo: Possibilidades, 2006.

 
 
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