Março abriga o denominado "Dia Internacional da Mulher" — embora saibamos todos ser da mulher todos os dias... — e este 2007 prenuncia o "Ano Machado de Assis", pois 2008 registra o centenário de sua morte. Machado e a mulher são dois ícones a ser permanente e eternamente reverenciados, independentemente de efemérides específicas. Machado e a mulher, aliás, constituíram uma das mais perfeitas simbioses da literatura brasileira: ninguém escreveu tanto — e tão bem — sobre e para as mulheres, nenhuma outra como a mulher constituiu-se em protagonista/personagem tão propício a um ficcionista.

 

E o envolvimento e o 'encanto' de Machado de Assis teve início logo em sua primeira obra publicada, o texto não perfeitamente definido quanto ao gênero (não é romance, não é novela, não é conto, não é ensaio, não é teatro, não é poesia) Queda que as mulheres têm para os tolos  [a rigor, antes Machado dera a lume o (tímido) poema "Ela" e a (fraca) novela "Madalena" — ambos referenciando a mulher, como se vê]. Façamos então a emissão de  nossas loas a Machado, já pelo ano de 2008, e a mulher pelo dia de março com estas considerações sobre a deliciosa primeira obra.

 

Queda que as mulheres têm para os tolos veio a lume no ano de 1861, originalmente, publicada na revista A Marmota Fluminense, em cinco números sucessivos: 19, 23, 26, 30 de abril e 03 de maio, e no mesmo ano em livro, um opúsculo de 43 páginas, formato 16 x 12cm, pela Typographia de Paula Brito. Ao longo do tempo, sucederam-se no Brasil  as edições de 1936, pela Editorial W. M. Jackson Inc., na "Coleção Machado de Assis", vol. 22; de 1943 (fac-similada) pela Academia Brasileira de Letras, na coletânea Ensaios I. Tanto nos folhetins como nos volumes editados, aparece sob a indicação de "tradução de Machado de Assis", sem informar, no entanto, o nome do autor original.

 

Estudiosos e pesquisadores de Machado de Assis sustentam, todavia, tratar-se de  um trabalho original1, disfarçado em tradução por 'timidez' do autor, mas o ensaísta e machadófilo francês Jean-Michel Massa defendeu, recentemente, ser uma tradução do panfleto publicado anonimamente pela editora F. Renard de Liège, em 1859, com o título "De l'amour des femmes pour les sots", atribuído, posteriormente, ao belga Victor Henaux2 — ainda que estranho seja o fato de, em seu livro, Machado de Assis traducteur3, tratando desta e de outras 47 supostas traduções de Machado [diz-se assim, pois nem tudo em Machado é plenamente confirmado, principalmente, em se tratando de traduções] apenas citar a obra, sem maiores detalhes.

 

O disfarce concebido por Machado, segundo os que asseguram ser uma criação e não tradução — por 'timidez' do autor — seria mais um dos inúmeros subterfúgios machadianos: de um lado, por ser Queda...  afinal sua primeirissima obra publicada, em 1861 [mas é  bom notar que de sua autoria o poema "Sonetos", dedicado a uma misteriosa  "Ilma. Sra. D.P.J.A.", identificada  muito tempo depois como a senhora Dona Petronilha, aparecera  no Periódico dos Pobres, de 3 de outubro de 1854, com a assinatura J. M. M. Assis; em 12 de janeiro de 1855 A Marmota Fluminense, de Francisco Paula Brito, estampara "Ela", até então considerada a peça pioneira (denota-se como em Machado nem tudo é definitivo e corriqueiro, as coisas mudam e oferecem volta e meia novas versões)]; de outro lado, pelo fato de ser ele anda 'um ilustre desconhecido' e, sobretudo, por ser um texto de gênero absolutamente indefinido — não é romance, não é conto, não é novela, não é crônica, não é poesia, não é teatro — aproxima-se mais do ensaio (filosófico). Machado, 'a la Machado', teria optado por aparecer como tradutor. Inclusive, porque sempre foi (e é) difícil encontrar, comprovar e certificar-se de muitas das traduções feitas por ele: as traduções de Machado são quase mistério, um permanente desafiar os críticos, pesquisadores e estudiosos.

 

 

O Extraordinário Paula Brito

 

Francisco de Paula Brito, "o primeiro editor digno deste nome que houve entre nós", em citação de Machado de Assis, exerceu papel fundamental no desenvolvimento/deslanchar da carreira literária de Machado — bem como de muitos outros escritores, em meados do século XIX. Inaugurou, na verdade, uma vertente histórica e uma linhagem de editores ou casas editoriais que se constituíram em ponto de encontro da elite cultural e de incentivo à produção literária (assim o foram, por exemplo, a paulistana Casa Garraux, de Anatole Louis Garraux, na década de 1870; a Livraria de B.L. Garnier, na década de 1860/70; a Livraria Francisco Alves, no final do século XIX; a Livraria José Olympio Editora, na década de 1930).

 

"E depois de ajudar na missa, vinham os passeios pela cidade, que conhecia palmo a palmo, eram as estações junto aos sebos, namorando os livros. O moço corria para o Largo do Rocio, no número 64 da Praça da Constituição, onde ficava situada a Livraria de Paula Brito4". Em 1854, aos 22 anos, Machado de Assis já rabiscara os primeiros versos e lia avidamente os poemas e romances-folhetins nos poucos jornais existentes na época, e sonhava em enviar suas produções. Até que a 12 de junho de 1855 teve publicado em A Marmota Fluminense, de Paula Brito, seu poema "Ela". Na livraria, ponto de encontro dos jovens escritores da época, Machado foi também acolhido, por iniciativa do próprio Paula Brito. Figura extraordinária, este impressor, editor, jornalista, autor e o maior incentivador da literatura brasileira naquela época. Até 1864 Machado colaborou com a revista de Paula Brito, publicando poemas e mais poemas, no mais arrebatado estilo romântico de então, mas também trabalhos em prosa: "O passado, o presente e o futuro da literatura", que marca sua estréia no ensaio crítico, e a (fraca) novela "Madalena", primeira incursão na prosa ficcional, ambos em 1858. Por esse tempo, teve Machado ainda a amizade e  acolhida de Manuel Antonio de Almeida, diretor da Imprensa Nacional, onde Machado  consegue o lugar de tipógrafo, de 1856 a 1858, ano em que se incorpora de vez ao grupo de A Marmota Fluminense, e da Sociedade Petalógica, "sociedade lítero-humorística", fundada por Paula Brito — cuja loja  era um verdadeiro cenáculo, freqüentada pelas figuras de maior relevo daquele tempo, reunindo todo o movimento romântico de 1840-60, dos poetas Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Araújo Porto-Alegre e Laurindo Rabelo a romancistas como Macedo, Manuel Antonio de Almeida, Teixeira e Souza, dos compositores Francisco Manuel da Silva, ao ator João Caetano, além de personalidades como os ministros José da Silva Paranhos (Barão do Rio Branco), Eusébio de Queiroz, o senador Francisco Otaviano, líderes da sociedade como Antonio Maciel Monteiro, os jornalistas Joaquim de Saldanha Marinho e Firmino Rodrigues, aglutinados em torno da personalidade ímpar do fundador, que fazia de sua loja um "ponto de encontro neutro, onde os conflitos partidários rendiam-se em favor das letras e das artes5". Até que em 1861, já escrevendo no Diário do Rio de Janeiro (de 1860 a 1867, com artigos e crônicas sobre política, inclusive, cobrindo o Senado Federal), publica Queda que as mulheres têm para os tolos e, no ano seguinte, tem editado em livro, por Paula Brito, suas duas primeiras peças teatrais, "O Caminho da Porta" e "O Protocolo", encenadas em 1862, no Ateneu Dramático.

 

O fato de Paula Brito ter se tornado o livreiro preferido pela elite intelectual do Rio de Janeiro, bem como o principal editor da época — sucedendo o 'lendário' impressor francês, estabelecido no Rio de Janeiro desde 1824, Pierre René Plancher — exemplifica sua capacidade, energia, determinação e habilidade — reconhecidas e incentivadas até a década de 1840 por Pedro I, consolidada pela admiração de Pedro II por seu empenho em estimular os escritores brasileiros. O próprio imperador foi o principal acionista da nova Imperial Typographia Dous de Dezembro, inaugurada neste dia de 1850, data do aniversário do imperador e de Paula Brito — e onde Machado foi trabalhar a partir de 1858 como revisor de provas e caixeiro — inclusive, pioneiramente, com investimento externo. As publicações de Paula Brito, ao contrário do comum na época, concentradas em administração, política e informações práticas para os homens de negócios, dirigiam- se muito mais para o "leitor comum", fruto das marcantes mudanças ocorridas no Brasil entre a Independência e a maioridade de Pedro II, notoriamente os progressos sociais, no que tange à publicação de livros, advindos da valorização da condição da mulher, criando um público leitor feminino, ávido por literatura romanesca, influenciada pelos franceses6, suficientemente numeroso para alterar as características do mercado.

 

O volume de publicações de Paula Brito dirigido às mulheres, iniciado ainda em 1832, com a pioneira revista feminina A mulher do Simplício, ou A fluminense exaltada, sucedida de 1849 a 1864 por A Marmota Fluminense, evidencia o quanto o editor era consciente da existência — e força — desse novo público leitor feminino. Paula Brito lançou ao todo 372 publicações, das quais 214 foram edições literárias ficcionais, 100 delas "dramas", 43 libretos de ópera, 47 de traduções do italiano e do francês, e 24 edições de originais brasileiros. A literatura brasileira, então, era bastante incipiente, praticamente não existia, pelo menos como "sistema literário orgânico", na conceituação de Antonio Candido — apesar das produções de Gonçalves Magalhães, Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, Teixeira e Souza, Gonçalves Dias, Araújo Porto-Alegre, Casimiro de Abreu: Paula Brito foi o primeiro editor a incentivá-la, o primeiro a publicar trabalhos de literatos brasileiros como 'empreendimento de risco' e não mediante pagamento por parte do autor, como se praticava na época. Pela primeira vez, um romancista ou um poeta brasileiro seria publicado em livro e ser pago por isso. É de Paula Brito, por exemplo, a publicação do primeiríssimo romance brasileiro, O filho do pescador, de Teixeira e Souza, em 1843, um ano antes do equivocadamente considerado pioneiro A Moreninha, de Macedo; os Últimos cantos, de Gonçalves Dias, em 1851; o poema épico de Gonçalves de Magalhães, "A Confederação dos Tamóios", em 1857; e as comédias de Martins Pena.

 

Justamente nesse ano de 1857 teve início as dificuldades financeiras de Paula Brito, impossibilitado de remunerar os acionistas investidores nos 6% prometidos, e deu-se a liquidação da Imperial Typographia Dous de Dezembro, tornando-se simplesmente Typographia de Paula Brito. Continuou a publicar livros, mas a produção caiu para 11 títulos em 1857, 10 em 1858 e 1859, embora aumentasse para 15 em 1860 e em 1861, ano de publicação de Queda... e da morte de Paula Brito [como também do trágico naufrágio que matou Manuel Antonio de Almeida].

 

Mistério e enigmas, aliás, não faltam na obra e na carreira literária de Machado. O mistério machadiano pode perfeitamente ser associado à lenda fáustica [Fausto, de Goethe, símbolo da inquietação humana, aturdido num universo que não compreendia, vendeu a alma ao diabo, em troca de sabedoria e poder; Machado, ao contrário, desdenhou do poder, preocupado apenas em alcançar o conhecimento, "aquele conhecimento impiedoso, meio diabólico e tantas vezes doloroso, que desnuda a alma do homem e procura, em vão, levantar o véu da natureza"]. Em Machado, pressente-se sempre que há alguma coisa mais oculta, sem se saber exatamente o quê — e nada, absolutamente nada,  o explica satisfatoriamente. Sente-se que existe sempre algo a descobrir,  no mistério machadiano, no enigma do criador de uma obra de ficção tão importante quanto a dos grandes mestres dos séculos XIX e XX, um Balzac, um Stendhal, um Flaubert, um Proust.

 

Por outro lado, os que admitem ser efetivamente tradução — como Mário de Alencar (ligadíssimo a Machado), em 1909 e, recentemente, Ubiratan Machado7, em artigo-ensaio, ainda assim, mantêm suas dúvidas, de resto, extensivas a essa dificuldade na localização de traduções efetivamente realizadas por Machado e, importante saber, ao fato de Machado simplesmente suprimir seu nome como tradutor em alguns trabalhos: Mário de Alencar, no texto de apresentação da edição de peças teatrais de Machado8 registra "também não foi possível descobrir das traduções que ele fez senão 'O suplício de uma mulher', em cópia manuscrita doada com outros papéis à Academia Brasileira. As traduções teriam lugar nesta coleção, como trabalhos que deviam ser compostos com o esmero literário peculiar a toda obra escrita por Machado de Assis. Não coligiu todavia 'O suplício de uma mulher', atendendo à circunstância de estar riscado na cópia referida o nome do tradutor, o que pareceu indicar a sua intenção de não dar a obra à publicidade em livro, ou talvez a sua opinião de não a ter literariamente acabado".

 

Daí, quem garante Queda que as mulheres têm para os tolos ser mesmo uma tradução feita por Machado, ou mais um de seus subterfúgios? E, cá entre nós e para nós, a versão considerada por mais de um século é muito mais, digamos, 'charmosa', muito mais — não há dúvida alguma — ao estilo e espírito machadiano: sutil, insinuante, ambíguo, dissimulado. Pois não é essa, a par de outras igualmente grandiosas, a mais espetacular característica/conotação de toda obra de Machado? Ele sempre cultivou a dúvida, o 'traiu ou não traiu' (implícito em sua maior e definitiva obra), 'insinuou ou não', 'seduziu ou não', 'mentiu ou não', 'furtou ou não', 'fez ou não fez' — e é esse teor 'hamletiano', a ligá-lo e referenciá-lo a ninguém menos que Shakespeare, teor, tom e timbre que permeia todos os romances, contos e novelas.

 

Em outro viés, de Shakespeare e de Goethe, duas de suas leituras mais assíduas, Machado assimilou e incorporou à sua obra ficcional a temática do ciúme, aliás o binômio 'ciúme e perdão — presente e atuante em romances como Ressurreição, A Mão e a Luva, sobretudo, em Dom Casmurro, e em inúmeros contos; binômio que remete a Freud, de quem Machado consubstanciou — sem o conhecer — os elementos e conceitos do inconsciente, do psiquismo humano, da sexualidade feminina, estabelecendo, como nenhum outro escritor brasileiro de seu tempo, vetores e pontos de interseção entre a literatura e a psicanálise, desde as primeiras obras, mesmo as da 'fase de aprendizado' e atingindo seu clímax na denominada 'fase de maturidade'. Como sentencia Roberto Schwarz9, "Machado é um autor que em 1880 está dizendo coisas que Freud diria 25 anos depois. Em Esaú e Jacó, por exemplo, antecipou-se a Freud no 'complexo de Édipo'". Machado de Assis é o grande autor do romance psicológico brasileiro do século XIX e do começo do século XX.

 

 

Machado, Freud, as Mulheres

 

Desde o início de sua criação ficcional em prosa, Machado traçou caminhos próprios e peculiares para tratar das relações entre os homens e as mulheres, mormente depois do denominado romance de transição Iaiá Garcia, em que o poder de observação psicológica dos personagens se acentua — captando, de forma expressiva, o conceito freudiano do desejo inconsciente. Machado foi muito além da visão ingênua dos românticos, do discurso dos realistas e naturalistas, injetando em sua obra muitas sementes da modernidade: criou um estilo de literatura não apenas de observação das  pessoas, mas, sobretudo, de interpretação, expondo as pequenas coisas, as passagens a princípio inocentes, um outro lado, que muitas vezes aludia à presença, sempre insidiosa, do inconsciente.

 

Machado sempre foi um autor interessado em prospectar as paixões dos homens, em dissecar-lhes as intimidades, em levantar questões e em torná-Ias públicas pela voz de seus personagens. Sobretudo, percebia, com clareza, o lado trágico das relações  humanas. Este lado trágico, já presente em Shakespeare e Sófocles, por exemplo.— duas das principais leituras de Machado, durante toda a vida — passa pelo permanente mal-entendido dos encontros humanos, de um ser humano permanentemente acossado pelo outro, num processo originado, determinado e dinamizado/materializado pelo ciúme e a desconfiança implícita, pela traição e pela infidelidade. De resto, temas constantes na vida literátia de Machado. Muito da temática e da tramática machadianas gira em torno do ciúme e do perdão — vale dizer, do binômio freudiano de 'culpa e perdão'. Foi ele o autor brasileiro que introduziu a perspectiva crítica, fazendo da dúvida, do questionamento e da argumentação, 'a la Freud', uma constante em sua obra10.

 

A essencial temática de Machado de Assis consistia, sob a correta disposição da forma, em expressar as sutilezas do mecanismo psicológico no deflagar de ações, emoções, expressões e reações no comportamento humano. Tinha em vista um prisma polêmico: superar as simplificações mecanicistas praticadas pelos epígonos do Naturalismo no final do século XIX, propondo radical e consistente denúncia contra mistificações e imposturas. Possuía uma maneira própria de ver, representar e interpretar o mundo, a começar por seu peculiar processo de criação ficcional, nas elaboradas transposições temáticas, tramáticas e de linguagem, criando e intertextualizando intrincado enredo que, de resto, não se ajusta às definições comuns dos gêneros literários, como, por exemplo, no caso, a 'indefinição' genética de Queda que as mulheres têm para os tolos.

 

Afrânio Coutinho destaca que "o grupo mais extenso e de maior ressonância entre os assuntos machadianos seja os que traduzem o sentimento trágico da existência humana11" — até porque em Machado, pela primeira vez na literatura brasileira de então, o narrativo e o descritivo dava lugar ao psicológico, ao íntimo, à alma — num processo que o conduziu, por vezes, a um certo amoralismo, buscando acima de tudo atingir a essência do ser humano, transcendendo o visível, o corpóreo, o material, num mergulho na contemplação das inúmeras e distintas perspectivas da alma humana.

 

Especialmente em sua segunda fase, a obra machadiana segue a linha da literatura psicoJógica, seus heróis e heroínas,  com seus eternos conflitos, complexos, dúvidas e hesitações. A análise rigorosa e fria de Machado deixa a nu, de forma calculadamente espontânea, as cruezas e mazelas do ser humano, apresentado em seus mais comezinhos desejos, nas situações mais inesperadas e mesquinhas.

 

A literatura de Machado — nos moldes de Flaubert, Balzac, Eça de Queiroz — traz, juntamente com Freud, para o centro das discussões, a questão da sexualidade feminina. Nos romances machadianos surge uma mulher que quer poder escolher a forma de sentir e amar, apesar de, algumas vezes, ao não poder dizer de seu desejo — a maioria das mulheres da época, vivia reclusa, tinha pouco estudo, e sua principal meta era um casamento com o que se chamava 'um bom partido'; se houvesse amor, melhor, mas não era o principal, pois a questão do amor era secundária, um luxo, que muitas mulheres não tinham, prioritárias eram as conveniências pecuniárias, o interesse econômico, a ascensão social: Machado, fiel à 'ideologia' das décadas de 1850-60, assim o trata em Ressurreição, em A Mão e a Luva, mas redime o amor em Memorial de Aires, numa "recomposição com a vida" — fazer convergir para o corpo o protesto da sua sexualidade insatisfeita [e sabemos o quanto Freud já preconizava a infidelidade como uma saída "não neurótica" para a infelicidade matrimonial vigente na sociedade burguesa mundial no século XIX].

 

E no contexto ainda 'moralista' da década de 1870, Machado de Assis publicava, em 1880, em capítulos na Revista Brasileira, as Memórias Póstumas de Brás Cubas, tratando aberta e claramente da traição feminina, ainda que sob um irresistível tom de humor e cinismo. Trabalhar sobre o tema do adultério não era nada fácil, visto que, ainda dominada pela moral preconizada pelas Ordenações, a sociedade do século XIX via o adultério feminino como algo abominável.

 

Se Freud criou a psicanálise porque estava atento às necessidades e expectativas femininas quanto à sexualidade, ao desejo — por extensão à histeria — Machado "estava muito ciente de que escrevia para um público majoritariamente feminino (...). Esse esforço de produzir uma literatura que estimulasse as mulheres brasileiras é um dos traços mais importantes  da carreira desse suposto retraído12".

 

Nenhum escritor de seu tempo — Joaquim Manuel de Macedo (de A Moreninha e em inúmeros contos), José de Alencar (notadamente na trilogia urbana Senhora, Diva e Lucíola, além dos contos A Viuvinha, Cinco Minutos, das novelas A Pata da Gazela, Sonhos D'ouro, Encarnação), nem Taunay (em Inocência), Bernardo Guimarães (e sua Escrava Isaura), Domingos Olímpio (com Luzia Homem), nem Lima Barreto (de suas Clara e Castorina, em Clara dos Anjos, Olga e Edgarda, em Triste Fim de Policarpo Quaresma, Efigênia, em O Cemitério dos Vivos; Cecília, de Diário Íntimo; Cló, Adélia, Lívia, em Histórias e Sonhos, etc., das instigantes crônicas em torno do tema "Não as matem!") — 'edificou' tanto a mulher como personagem capital e leitmotiv básico de seus textos como Machado de Assis. Ele escrevia sobre mulheres e para mulheres: desde sua primeira obra publicada, Queda que as mulheres têm para os tolos, passando pelos primeiríssimos romances Ressurreição, A Mão e a Luva, Helena, Iaiá Garcia, na imensa maioria de seus contos, na excepcional novela Casa Velha, chegando a Memórias Póstumas de Brás Cubas, Quincas Borba, Dom Casmurro, Esaú e Jacó, Memorial de Aires, as mulheres são as protagonistas, as personagens primordiais, o elemento central em torno do qual desenrola-se a trama e a narrativa.

 

Machado sempre preferiu escrever em publicações cujo público predominante era feminino. Primeiro, no Jornal das Famílias — no qual, inclusive, publicou, de 1864 a 1876, em sua fase dita 'romântica', à qual se filiam também seus primeiros romances, os 8 contos enfeixados sob o título de "Histórias Românticas" — e, a partir de 1879, em A Estação. Sua obra, de modo geral, encena vários tipos femininos, com histórias povoadas de muitas personagens e situações que mostram as alternativas com que as mulheres se defrontam na vida: assim é com Lívia, de Ressurreição; Guiomar, de A Mão e a Luva; Helena, de Iaiá Garcia; Virgília e Marcela, de Memórias Póstumas de Brás Cubas; Sofia, de Quincas Borba; Capitolina, de Dom Casmurro; Flora, de Esaú e Jacó; Fidélia e Carmo, de Memorial de Aires; além da profusão das protagonistas de inúmeros contos, notadamente em "Missa do Galo", "Capítulo dos Chapéus", "Singular Ocorrência", "Uma senhora", "Trina e Uma", "Primas de Sapucaia!", "Noite de Almirante", "A Senhora do Galvão", "Uns Braços", "D. Paula", que encenam vários tipos femininos e situações com as quais as mulheres se defrontam na vida comum — podendo mesmo serem catalogados como "estudos sobre a mulher", ao revelarem, de forma soberba, a mais aguda sensibilidade de Machado no trato de questões que envolvem moral, ética, preconceito social, autoritarismo, amor e ciúme.

 

Os  amores e frustrações femininos eram temas constantes, inclusive, o adultério e a pros­tituição, anteriormente inaceitáveis na literatura. Um verdadeiro modernista, Machado não acreditava na honra baseada na castidade, tendo nas linhas e entrelinhas de seus contos, romances, e também de suas crônicas, chamado atenção para as necessidades e os direitos da vida afetivo-sexual de suas leitoras: argumentava que a mulher devia receber instrução e não ficar com­pletamente confinada à vida doméstica, tendo direito ao amor e à li­berdade.

 

Suas mulheres ficcionais — orgulhosas ou tímidas, calculistas ou levianas, singelas ou complexas — "com seus contornos roliços, seus olhos onde a gente se perde como na escuridão da noite, são criaturas feitas de capricho e de carne, sobretudo, de carne, tudo instinto, sem nenhum raciocínio". E nesse privilegiar a mulher como personagem primordial de sua ficção, desde os primeiros romances, Machado trabalhou o psicológico como nenhum outro escritor de seu tempo, preocupado com climas, ambientes, situações existenciais. Sutis e delicadas: as mulheres surgem como personagens de grande densidade psicológica, alimentando de forma rica e sugestiva a temática preferida do mestre brasileiro: a traição. Traição era a uma preocupação permanente em Machado, desde Ressureição, atingindo o clímax 'explícito' em Dom Casmurro — ciúmes e traição. E o tema da traição feminina  está sempre intimamente ligado, freudianamente, aos desejos edípicos — e aí a interseção de Machado com Freud.

 

Na maioria dos romances, a mulher é o elemento forte, traz o homem dependente de si, ela é o esteio, a base da relação. Há matriarcas que dominam e comandam propriedades e a família; viúvas que não mais se casam, em que se percebe que a figura masculina é, por vezes, desnecessária (Machado chega a reduzir o homem a um nada — sem a mulher, nada vale: em Memorial de Aires, por exemplo, D. Carmo segue a linha da mulher totalmente dedicada à famí­lia, e que firmemente controla não só o espaço doméstico, como, e prin­cipalmente, o marido. Daí a famosa frase: "Aguiar sem Carmo é nada").

 

Pretenderia Machado de Assis o matriarcado?, especulam muitos dos estudiosos de sua obra, para os quais Machado era mesmo 'feminista' — e a cada leitura de sua obra nos damos conta da sutileza e da abrangência desse feminismo. Sobretudo, por seu explícito,e corajoso, reconhecimento das necessidades emocionais, econômicas e  sexuais da mulher — de que, além do exposto em romances e contos, há claras evidências em dois textos publicados em 1881: o soneto "Dai à obra de Marta um pouco de Maria", que aparece na Poliantéia comemorativa da inauguração das aulas para o sexo feminino do Imperial Liceu de Arte e Ofícios e no artigo "Cherchez la femme", que celebrava o mesmo evento em A Estação.

 

Importante notar, que a reciclagem de um processo desenvolvido por longos 36 anos (desde Ressurreição, em 1872), em seu último romance, sua obra conclusiva — Memorial de Aires — a par de continuar a privilegiá-las, valorizá-las e enaltecê-las, Machado como que 'redime' as mulheres: não mais a figura sensual que, impulsionada pelo desejo, pode chegar à traição — como Capitu, Virgília, Sofia, Guiomar, Valéria, Marcela, mulheres pérfidas, mais diretamente envolvidas com o pecado — mas a mulher proba, que pode ser amada e admirada, distante e alheia à tentação, 'salva do pecado', como Fidélia e Carmo. Não mais as machadianas adúlteras, sedutoras, ambiciosas, impuras, dissimuladas, traidoras — antes de tudo, fúteis e fugazes, a ponto de preferirem os tolos ao invés dos homens de espírito...

 

Lúcia Miguel Pereira, por sua vez, enfatiza dois pontos que considera primordiais para o entendimento de Machado de Assis: a sensualidade e a timidez — uma sensualidade recatada, mas fortíssima, presente em praticamente todas as suas heroínas, atingindo seu ápice em Capitu. "As mulheres machadianas, sensuais e tímidas, são criaturas feitas de capricho e carne, de emoção e instinto sensorial..Tímidas ou altivas, racionais ou emotivas, recatadas ou levianas, singelas ou complexas, todas elas vivem, agem ou se movem ao influxo do espírito sensorial que as anima13"

 

A meu juízo, em Machado o feminino confirma-se como uma categoria literária. Obssessivamente observador, a aguda e profunda visão machadiana das "cousas deste mundo" o fez constatar o quanto a mulher na sociedade imperial brasileira — reclusa e dominada, doméstica e servil — era 'anulada' por sua própria condição feminina: se o mundo da mulher era limitado pelas paredes do sobrado, tratou de retirar do ócio social da mulher de sua época a essência da matéria ontológica de suas personagens.

 

O certo é que Queda que as mulheres têm para os tolos ser ou não tradução é o que menos importa. O que vale ser considerado mesmo é, primeiro, sua própria textura — leve, gracioso, fluente, irônico, bem-humorado — e sua indefinição genética, sua não-identificação formal; depois, ter sido inspiração para muito do que viria a seguir, o modelo de uma 'teoria amorosa' exercitada por Machado em Desencantos, em Ressurreição e, finalmente, na opera-mater, a grandiosa Dom Casmurro. Queda que as mulheres têm para os tolos adquire representatividade especial e peculiar, pois lhe serviu de inspiração para a escrita de sua primeira peça teatral — Desencantos (1861) — por cadeia, de seu primeiro romance — Ressurreição (1872) — e, por fim, de sua obra definitiva e consagradora — Dom Casmurro (1899/1900). Todos esses textos abordam a questão da escolha que a mulher deve fazer entre um homem de espírito e um homem de juízo, todos têm por modelo a "teoria amorosa" — traduzida ou não — por Machado, em 1861: em todas elas, a 'ideologia' da dúvida, da dubiedade, da incerteza, da ambigüidade.

 

Em Dom Casmurro a história de amor e ciúme de Bento Santiago e Capitolina representam a reescrita não apenas de Otelo de Shakespeare, mas das principais peças teatrais do dramaturgo inglês: leitor contumaz dos textos shakespeareanos, Machado embebeu-se nas lições do 'bardo' e delas impregnou seu romance mais lido e estudado , conseguindo atar, finalmente, as duas pontas de sua carreira literária — a de tradutor, iniciada em sua juventude, paralelamente com a de dramaturgo, e a de romancista, já maduro. Nessa simbiose, inclusive, Machado como que prenuncia, cerca de 100 anos antes, a tese contemporânea — vigorante no âmbito da Teoria Literária desde o final do século XX — proposta por especialista, "a ficção vista como nova fonte de teorização para a tradução", a tradução aparecendo como fio condutor e meio operandi, quer tendo sido feita realmente em Queda que as mulheres têm para os tolos, quer 'incorporada' em Dom Casmurro, e estabelecendo vetores claros de inflexão em quatro etapas cruciais da vida literária de Machado.

 

Um elo a ligar 'primeiras obras' — a pioneira publicada, o exercício teatral inicial, o romance precursor — com aquela que é a síntese, corolário, consolidação. Elo que se alonga mais, visto por outros aspectos e ângulos: vai a Esaú e Jacó e atinge o corolário final em Memorial de Aires. Nos dois derradeiros trabalhos, Machado opta por um expediente ficcional — dentre os vários que utiliza ao longo de sua obra — atribuindo a um morto a autoria desses romances, deslocando-se para uma condição ambígua de editor e crítico de si mesmo, fingindo abrir mão da autoria de seu texto — ambiguidade gerada e conduzida pelo mesmíssimo vetor que o fez, nos primórdios, assumir a também condição ambígua de 'tradutor' em Queda... e, da mesma forma, abrir mão da autoria de seu texto.

 

Por outro lado, ao se  examinar alguns aspectos da atividade de tradutor em Machado de Assis, denota-se que em todas as traduções que fez, "se permitiu algumas licenças", as quais demonstram que, para ele, o traduzir não deveria ser um ofício de menor valor na carreira de um escritor.

 

 

 

A Tradução e Vitalidade Literária

 

 

Com base em Jean-Michel Massa14, a pesquisadora Eliane Ferreira15 relaciona 48 textos traduzidos por Machado entre 1855 e 1894: estreando com o poema "On the receipt of my mother's picture" ["Minha mãe"], publicado como "uma imitação de William Cowper". Seguiram-se 16 peças de teatro (a primeira, "La chasse au lion", de Vattier et De Najac), 24 poemas, 3 ensaios, 2 romances, 1 conto , 1 fábula e até 1 canção — sendo 39 textos oriundos do francês, 4 do inglês, 3 do alemão, 1 texto cada do italiano e do espanhol — de autores, entre outros, como Lamartine, Dante Alighieri, Alexandre Dumas Filho, Chateaubriand, Racine, La Fontaine, Alfred de Musset, Molière, Victor Hugo, Beaumarchais, Shakespeare, Charles Dickens, Edgar Allan Poe, Schiller e Heine (ambos a partir de versões francesas) — por exemplo, o Canto XX do "Inferno", da Divina Comédia, de Dante; monólogo de Hamlet "To be or not to be", de William Shakespeare; Os Trabalhadores do Mar, de Victor Hugo; parte de Oliver Twist, de Charles Dickens; Suplício de uma Mulher, de Alexandre Dumas Filho e Emile de Girardin; Prólogo do Intermezzo, de Heinrich Heine; O Corvo, de  Edgar Allan Poe.

 

Há de se considerar que, no contexto cultural do Rio de Janeiro, durante as décadas de 1850-70, a atividade tradutória era quase que exclusivamente praticada para o teatro, porquanto a esmagadora maioria das peças levadas a cena eram de origem estrangeira — o teatro traduzido ocupando tanto os espaços públicos das casas de espetáculos, quanto os saraus literários privados. Ao mesmo tempo, também os denominados romances-folhetim, oriundos, sobretudo, da França, nos primórdios do Romantismo entre nós, requeresse o tradutor.

 

Na "Advertência" da coletânea de peças teatrais de Machado de Assis16, anota Mário de Alencar que entre 1860 e 1870 deu-se "a época da mais fervorosa e duradoura fase da literatura dramática que já houve no Brasil, quando a influência dos escritores franceses dominava como sempre em primeira mão a literatura brasileira e o êxito da nova escola de teatro em França estimulava os ensaios dramáticos entre nós, tanto que quase não houve escritor brasileiro que não experimentasse a sua vocação para o gênero. E quem não podia compor obra original contentava-se com traduzir as recentes produções chegadas da Europa". Ao mesmo tempo, Alencar explica não ter incluído na coletânea, por darem-se como perdidas, as traduções machadianas de Os descontentes, de Racine — da qual "falava com muito louvor Arthur Azevedo" — Pipelet, O Anjo da Meia-Noite, O Barbeiro de Sevilha, A Família Benoiton, Montjoye e, em especial, O Suplício de Uma Mulher, de Alexandre Dumas Filho e Emile de Gerardin — que trata "da questão do adultério com traços mais vigorosos e novos", em inusitado 'avanço' temático para a época (já denotando o quanto o tema atraía Machado) — esta "atendendo à circunstância de estar riscado da cópia, doada com outros papéis à Academia Brasileira [de Letras], o nome do tradutor, o que pareceu indicar a intenção de Machado de Assis de não dar a obra à publicidade em livro, ou talvez a sua opinião de não a ter literariamente acabado". Aí está outro plausível subterfúgio machadiano, similar ao supostamente praticado em Queda que as mulheres têm para os tolos: nesta, omitiu o nome do autor original, naquela omitiu o nome do tradutor (no caso, ele próprio).

 

Machado, porém, escreveu dois artigos sobre a peça no Diário do Rio de Janeiro, a 28 de setembro e a 3 de outubro de 1865, no primeiro, inclusive, narrando a celeuma entre Dumas Filho e Gerardin em torno da autoria da obra e o decorrente escândalo suscitado em Paris, e no segundo fazendo a crítica da encenação realizada no Teatro Ginásio, do Rio de Janeiro,em que cita en passant sua condição de tradutor da peça ("...sabem que eu não me faria tradutor de uma obra de cuja deformidade moral e poética estivesse convencido...", refutando as críticas dirigidas, mesmo em Paris, a "esse libelo contra o casamento e a moral).

 

Machado, em sua  ação tradutória, não compartilhava com seus contemporâneos "o entendimento de cor local, no sentido dado pelo Romantismo — o etnocentrismo, o indigenismo, a paisagem natal como elementos essenciais para se criar uma literatura nacional genuína" — colocando-o em discordância com o momento cultural do País no século XIX. E ia além, criando e praticando um conceito da tradução — na verdade, um processo criador — que, entre outros aspectos, incorporava em maior ou menor grau sua célebre "teoria do molho" — segundo a qual "pode ir buscar a especiaria alheia, mas há de ser para temperá-la com o molho de sua fábrica": vale dizer, embora bebesse nas fontes européias utilizadas como 'comida para seus pensamentos', ruminava os diversos alimentos e os transformava em pratos tipicamente machadianos, pois tirava de cada coisa uma parte e fazia o seu ideal de arte, que praticava pioneiramente como ninguém — reaplicada e reutilizada numa perspectiva das teorias do comparatismo elaboradas por ele próprio, em muitos aspectos antecipadora da vertente atual dos estudos de Literatura Comparada.

 

Faz-se mister ressaltar que como tradutor e crítico-teórico do traduzir, Machado, desde o início de sua carreira literária, percebeu como nenhum de seus contemporâneos a importância do papel da tradução como geradora e incentivadora do 'diálogo' entre textos, ou 'diálogo entre literaturas',como propiciadora da hoje extremamente citada e difundida intertextualidade — na qual, como em muitos outros campos e searas, foi ele também um precursor.

 

Uma citação do próprio Machado de Assis serve para demonstrar o quanto seus pressupostos teóricos para o exercício da tradução, formulados na época,aproximam-se de muitos dos conceitos atuais da Teoria Literária — não fosse ele "criador avançado em seu tempo", "o escritor mais moderno do oitocentos": "A literatura, como Proteu, troca de formas, e nisso está a condição de sua vitalidade".

 

Tenha sido tradução ou não — em ambos os casos, manifesto eloqüente de criatividade de Machado — dando início e alavancando a evolução literária de Machado, desenrolada esta num processo consistente de amadurecimento intelectual típico dos grandes autores, Queda que as mulheres têm para os tolos ultrapassa os limites de seu próprio significado histórico, como obra debutante e reveladora para — estabelecendo elos e decorrências na atividade tradutória, na criação ficcional, na inspiração teatral, até mesmo no exercício ensaístico machadiano, abrindo e fechando ciclos temáticos, oferecendo todas as possibilidades de análise, interpretação e reflexão —, contextualizar-se na fértil e enorme seara da genialidade de Machado de Assis como uma das expressões mais proeminentes de verdadeira transcendência literária.

 

Notas

 

março/2007

 

Mauro Rosso. Pesquisador de literatura brasileira, ensaísta e escritor, autor de São Paulo 450 anos: a cidade literária, organizador da coletânea Lá no sertão...: contos regionais brasileiros; Cinco minutos/A Viuvinha, de José de Alencar: edição comentada (a publicar); Trilogia Lima Barreto: Lima Barreto e o futebol, Lima Barreto e a mulher, Lima Barreto e a política (em preparo). Prepara ainda uma edição comentada de Contos femininos de Machado de Assis.

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