Partindo das seguintes perguntas, que também são pressupostos:
» por que o poeta não tem lugar na sociedade atual, a não ser como coadjuvante anônimo?
» por que os poemas perderam a capacidade de estabelecer qualquer tipo de comunicação com essa sociedade?
» quem teria tomado esse lugar, e por que os poetas inventaram um "outro lugar", que na verdade é "lugar nenhum"?
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Poesia não é diálogo, é apresentação.
Filosofia é diálogo, romance é diálogo.
Na poesia interessa o olhar primordial para as coisas, como o olhar da criança que olha com o espanto da primeira vez.
Poetas que dizem dialogar com a tradição (a "influência") já ultrapassaram a idade do espanto, e a partir daí perderam a capacidade de "apresentar".
Poesia é a apresentação do olhar primordial usando a linguagem no limite da escritura, pois ao chegar à escritura a linguagem se fechou.
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O homem busca colocar ordem no mundo. Como animal social busca adaptar a natureza ao seu jeito, e tem medo da natureza quando ela não se ajusta. Tudo o que faz tem a finalidade de organizar, ou de tentar compreender. A poesia é uma dessas ferramentas de compreensão.
Poetas que dizem que a poesia foge a essa regra, que dizem que a poesia escapa a essa função, mistificam e fazem com que ela pareça mais [ou menos] do que é.
Não aceitar o poema no que ele tem de humano e terreno é um erro da modernidade. O poema nada tem de elevado, nada de supremo, nada de supra-sensível.
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O poeta não é um marginal, mesmo que os românticos gostem de assumir essa imagem, sugerindo que seja muito elegante. Tornou-se apenas um esquizofrênico, que pensa que é melhor do que os outros homens.
Como um esquizofrênico, imagina sinceramente que é melhor do que os outros. Essa doença começa com os românticos, e a partir daí a imagem de maldito ficou pop.
O poeta de hoje não tem lugar na sociedade dos homens porque essa sociedade o reconhece como um fraco intelectual, um incapaz, cujo maior talento é publicar livros e revistas para ele mesmo e seu pequeno grupo.
Menos do que um bufão, menos do que um mendigo, representa seu papel num teatro obscuro dentro de uma rua sem saída. Representando para outros atores, a cada ato esteriliza ainda mais suas poucas forças.
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O poeta não fala nem a linguagem dos homens nem a dos anjos. Quando usa as palavras do homem, fala sem amor.
A poesia não é para ler em voz alta em saraus e festas literárias. Isso é enganação. É mais fácil enganar os ouvidos do que os olhos. A voz interior é mais inteligente.
Isso explica o sucesso dos 'poetas do rock', bem como a tentativa atual dos "recitais".
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Porém a poesia não perdeu seu lugar na sociedade dos homens.
O problema é que está sem representantes.
E um poema inédito
A Cave Sagrada de Zeus Lykaios
Mauro Faccioni Filho
discutia com meus amigos que os poemas estão acabados
ou pelo menos é o que parece quando lemos os novos
divididos em contemplações românticas de si mesmos
ou de países e lugares com religiões distantes
ou ainda nessa busca inócua de parecerem prédios de aço e vidro
e tudo isso é muito bom para animar uma conversa
depois de uma boa festa e umas boas pingas
a caminho da estação do trem subterrâneo
e descemos as escadas e passamos as catracas
e fomos cheios de eco encontrar os túneis
vastos de luz de anúncios e de aço bruto
mas a espera foi longa demais para uma noite como aquela
e do fundo escuro de um túnel infindo
ouvimos o assovio do vento uivando longe
e reparamos que estávamos sozinhos e no silêncio
luzes por todo lado mas não tínhamos sombras
e apenas um anúncio repetido em todas as placas
chamando aquela a "Estação Sagrada de Zeus Lykaios
donde ninguém parte para viver mais do que um ano"
agosto, 2006
Mauro Faccioni Filho é autor dos livros de poemas Helenos (1998) e Duplo Dublê (2002), ambos pela Editora Letras Contemporâneas. Dirigiu e produziu os filmes Bruxas (1989) e Loba (1987). Tem publicados diversos artigos e palestras em congressos e revistas nacionais e internacionais. Foi um dos fundadores da revista de poesia Babel.
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