©stuart redler

 

 

 

Partindo das seguintes perguntas, que também são pressupostos:

 

» por que o poeta não tem lugar na sociedade atual, a não ser como coadjuvante anônimo?

 

» por que os poemas perderam a capacidade de estabelecer qualquer tipo de  comunicação com essa sociedade?

 

» quem teria tomado esse lugar, e por que os poetas inventaram um "outro lugar", que na verdade é "lugar nenhum"?

 

 

***

 

 

Poesia não é diálogo, é apresentação.

 

Filosofia é diálogo, romance é diálogo.

 

Na poesia interessa o olhar primordial para as coisas, como o olhar da criança que olha com o espanto da primeira vez.

 

Poetas que dizem dialogar com a tradição (a "influência") já ultrapassaram a idade do espanto, e a partir daí perderam a capacidade de "apresentar".

 

Poesia é a apresentação do olhar primordial usando a linguagem no limite da escritura, pois ao chegar à escritura a linguagem se fechou.

 

 

***

 

 

O homem busca colocar ordem no mundo. Como animal social busca adaptar a natureza ao seu jeito, e tem medo da natureza quando ela não se ajusta. Tudo o que faz tem a finalidade de organizar, ou de tentar compreender. A poesia é uma dessas ferramentas de compreensão.

 

Poetas que dizem que a poesia foge a essa regra, que dizem que a poesia escapa a essa função, mistificam e fazem com que ela pareça mais [ou menos] do que é.

 

Não aceitar o poema no que ele tem de humano e terreno é um erro da modernidade. O poema nada tem de elevado, nada de supremo, nada de supra-sensível.

 

 

***

 

 

O poeta não é um marginal, mesmo que os românticos gostem de assumir essa imagem, sugerindo que seja muito elegante. Tornou-se apenas um esquizofrênico, que pensa que é melhor do que os outros homens.

 

Como um esquizofrênico, imagina sinceramente que é melhor do que os outros. Essa doença começa com os românticos, e a partir daí a imagem de maldito ficou pop.

 

O poeta de hoje não tem lugar na sociedade dos homens porque essa sociedade o reconhece como um fraco intelectual, um incapaz, cujo maior talento é publicar livros e revistas para ele mesmo e seu pequeno grupo.

 

Menos do que um bufão, menos do que um mendigo, representa seu papel num teatro obscuro dentro de uma rua sem saída. Representando para outros atores, a cada ato esteriliza ainda mais suas poucas forças.

 

 

***

 

 

O poeta não fala nem a linguagem dos homens nem a dos anjos. Quando usa as palavras do homem, fala sem amor.

 

A poesia não é para ler em voz alta em saraus e festas literárias. Isso é enganação. É mais fácil enganar os ouvidos do que os olhos. A voz interior é mais inteligente.

 

Isso explica o sucesso dos 'poetas do rock', bem como a tentativa atual dos "recitais".

 

 

***

 

 

Porém a poesia não perdeu seu lugar na sociedade dos homens.

 

O problema é que está sem representantes.

 

 

 

 

E um poema  inédito

 

 

A Cave Sagrada de Zeus Lykaios

 

Mauro Faccioni Filho

 

 

discutia com meus amigos que os poemas estão acabados

ou pelo menos é o que parece quando lemos os novos

divididos em contemplações românticas de si mesmos

ou de países e lugares com religiões distantes

ou ainda nessa busca inócua de parecerem prédios de aço e vidro

e tudo isso é muito bom para animar uma conversa

depois de uma boa festa e umas boas pingas

a caminho da estação do trem subterrâneo

 

e descemos as escadas e passamos as catracas

e fomos cheios de eco encontrar os túneis

vastos de luz de anúncios e de aço bruto

 

mas a espera foi longa demais para uma noite como aquela

 

e do fundo escuro de um túnel infindo

ouvimos o assovio do vento uivando longe

e reparamos que estávamos sozinhos e no silêncio

luzes por todo lado mas não tínhamos sombras

e apenas um anúncio repetido em todas as placas

chamando aquela a "Estação Sagrada de Zeus Lykaios

donde ninguém parte para viver mais do que um ano"

 

 

 

 

agosto, 2006

 

 

 

 

Mauro Faccioni Filho é autor dos livros de poemas Helenos (1998) e Duplo Dublê (2002), ambos pela Editora Letras Contemporâneas. Dirigiu e produziu os filmes Bruxas (1989) e Loba (1987). Tem publicados diversos artigos e palestras em congressos e revistas nacionais e internacionais. Foi um dos fundadores da revista de poesia Babel.

 

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