©fred matos | ouro preto
 
 
 

Uma Ouro Preto

 

Há várias ouro preto

de fora e dentro.

 

De fora são as carnes

que deixaram de ser anjos.

 

De dentro são os anjos

que deixaram de ser carnes.

 

Das rochas conspirando águas e falas

uma luz voluptuosa anuncia tarde

 

o que começa pelos becos

torneando frontais e laterais

 

— em curvas de pedras ouro e carne

ouro preto (toda) se abruma.

 

 

 

II

 

Desfilando os olhos

como a mão que a toca

 

os modos da construção

que construindo constrói-se

 

em ruelas, memórias, metais

tudo dela se extrai.

 

No volume de suas curvas

enovelando-se como as minas são fundas.

 

Ou na boca dos chafarizes

anunciando o cio de todo dia.

 

 

 

III

 

Pois sendo nela pedra

repousa o véu sagrado.

 

Circunspecta em volutas

histórias avolumam-se.

 

Mas sob as tuas vestimentas

num abrir e fechar de fendas

 

outras fontes conspiram-se

vindas das tuas coxias íntimas.

 

Habitar por fora o que é de centro

ouro preto (toda) se abre por dentro.

 

 

 

 

 

 

A praça

 

"Toda história é remorso"

Carlos Drummond de Andrade

 

 

A metafísica das ruas dessa Vila

é que todas se debruçam na praça.

 

Fincada no centro

de pedra granito quadriláteros

forca.

 

Vigiada por olhares frontais

do palácio em severas torres

dorme ruínas de forças.

 

Do imponente derramam

memórias de um museu de tudo

removendo nossos remorsos.

 

De viés entre as laterais espiam

alguns fantasmas, outros desfazem

olhares armados.

 

A praça, alma caiada,

sela nosso passado.

 

 

 

 

 

 

Vila Rica

 

Serena

   Vila Rica

 Nublado

     Por aqui

 Acabo.

 

 

 

 

 

 

DOIS ENIGMAS

 

DE BARRO EM BARRO

SE FEZ O HOMEM

 

(SEGUNDO A LEI DE DEUS)

 

DE BARRO EM BARRO

O HOMEM SE FEZ

BARROCO

 

(SEGUNDO A LEI DE MINAS)

 

 

 

 

 

 

Uma diamantina

 

DE DIA

LAPIDA SEUS DIAMANTES.

 

DE NOITE

AMA SEUS AMANTES.

 

 

 

 

 

 

São João Del Rei

 

via sacra de mim

via crucis de mim

via meu pai em mim

vivo enterrado em ti.

 

 

©fred matos | ouro preto
 
 
 
 

Serra da Mantiqueira

 

Daqui

as montanhas

fundem belezas desesperadas

em volta delas poucos saem.

 

Daqui

as montanhas

fixam estranhos silêncios

de dentro delas saem poucos.

 

Daqui

as montanhas

acordam dormem

entre elas

mas levam consigo

os que saem

delas.

 

 

 

 

 

 

Travessa d'el Rei

 

a cidade não dorme

não acorda

atravessa tempos

desce uma rua

aqui ruídos de usuras

outra um amor possível

ranhuras em míseras comparações

de um verso, uma pegada

no ar rarefeito — meras anotações

no leito tarde da noite voltando

sempre voltando em volta de si mesma

à memória daquela cidade cerrada

entre tantos atos severos e amados.

 

 

 

 

 

 

*

 

Assim mesmo meio estrangeiro

recolhe olhando um muro de canga

ou conversas desvaindo-se

na cerração, talvez na mente

imaginária entre a vigília do olhar

de puro afeto e a melancolia dos desafetos.

 

 

 

 

 

 

*

 

Suturas do tempo

convém não saber — travessa

de volta para a casa

e as ausências estarão nos mesmos lugares

enquanto a cidade recompõe-se.

 

©fred matos | ouro preto
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Olhando montanhas

 

Tomado pela volta caminha

olhando montanhas

sempre a sua volta

a cidade adotada

escondia em silêncio

o orgulho dos passantes.

 

Impregnada de tumultos

revestida a cidade de pouca luz

parecia respirar

estâncias do passado próximo

de histórias gravemente

pairando no ar

a solução das almas

a dissolução dos corpos.

 

Retraido circuvava

desconfiado pelo destino

que parecia prenunciar

diante de uma neblina

aos poucos cobrindo

a atmosfera espessa

do musgo das pedras

ao alcance dos pés.

 

Pedregosa e severa

a espera de um caminho

ante a pátina das palavras

prosseguia retomando a chegada

quando de uma distância com fronteiras

um longe muito longe ouvia um sino anunciando

uma cerimônia cabisbaixa.

 

Era tempo de minérios

a cidade de luto vestia a glória

dos seus passantes em noite longa

mãos cerradas, pé por pé vagarosos seguiam

em suas próprias vigílias à espera do perdão.

 

 

 
 
 
 
 
 
 
Mário Alex Rosa (São João del Rei-MG, 14/01/1966). Formado em História, mestre e doutorando em Literatura Brasileira na USP. É professor de Literatura Brasileira no Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH). Tem poemas publicados nas revistas Dimensão, Inimigo Rumor, Cacto, Teresa e no Suplemento Literário de Minas Gerais. Participa da antologia O achamento de Portugal (Org. Wilmar Silva. Belo Horizonte: Anomelivros/Fundação Camões, 2005), que reúne 40 poetas mineiros e portugueses contemporâneos. Prepara seu primeiro livro de poemas infantis.