©manabu mabe

sina


à noite
sonha-se tigre
e mata

de dia
sabe-se homem
e cala

sagaz
evita eclipses
solares

perdido
por trás de espelhos
sem faces

de si
eternamente
refém

agora
e para sempre
amém.

sem meias palavras


Na tarde de inverno
sou folha sem vento
arrastada na enxurrada

rumo ao nada que se esconde
no outro lado dos esgotos
que atravessam, silenciosos, as cidades.

Fosse em Paris, seria charme.

Mas, aqui, às dezoito horas
de um dia chuvoso de agosto
no nordeste brasileiro

: sou puro desespero.


©manabu mabe

Toma-me as mãos
e inventa-me cabelos verdes,
que aqueçam
o teu alvor frio de ausência.
Toma-me o corpo
e descobre-me estrelas
em cascatas de vento
e moinhos de mar,
que te refresquem a fronte,
inundando de amarelo
o cinza-escuro do teu medo.

Deixa que eu te tome
as mãos
e desperte borboletas
em gramados lilás,
que se derramem em fontes
sobre a aridez
do teu peito
deserto.
Deixa que eu te tome
o corpo
e liberte o sol
numa explosão de azuis
e azuis
..........e azuis
.....................e azuis.

metáforas


pássaros são os suicidas
que partem, voam
embora se esborrachem igualmente
na calçada
os suicidas, não os pássaros,
e morram

— sem metáforas —


©manabu mabe
Márcia Maia (Recife/PE) é médica. Tem poemas publicados na Revista Poesia Sempre nº 15, da Fundação Biblioteca Nacional (novembro de 2001). Em 2002, seu livro Espelhos foi premiado no 3º Concurso Blocos de Poesia. Participou da Antologia Poetrix (2002), da Antologia Escritas (2004), do Livro da Tribo (2004 e 2005), da antologia Poesia do Nascer, editada em Lisboa, Portugal (2005). Foi incluída na antologia Pernambuco, terra da poesia: um painel da poesia pernambucana dos séculos XVI ao XXI (2005). Publicou Espelhos (2003), Um tolo desejo de azul (2003), Olhares/Miradas (2004) e Em queda livre (2005). Escreve em revistas e sites da internet. Edita os blogues Mudança de Ventos e Tábua de Marés.

©manabu mabe
última página do diário


às vezes, ele me amava
depois, quase sempre, matava
eu fingia que nada sentia, não chorava
nem morria.

ontem,
me achei tão cansada
parei de fingir, baixinho chorei e morri
sem me despedir.

sazonal


um sentir de outono
meio ao verão que não termina

em mim, todas as folhas caíram
mesmo não estando mortas.
bucólica


o riso da menina jogando amarelinha na calçada
o cheiro de bolo saindo do forno
um quê de preguiça
o vai-e-vem ritmado da rede na varanda

e
o caminhão
— desgovernado —
tingindo de ausência a tarde bucólica do subúrbio.
tejipió



as cigarras, tontas do sol de outono,
pensam que ainda é verão
e cantam sem cessar.

distraem o poema que quase já se escrevia

e trazem de volta as tardes da infância
pés descalços, mãos sujas, latas vazias de talco
repletas de cigarras, como vivos maracás.