Olga Olga
é personagem cristalizado. Faz parte da mitologia teuto-brasileira. O
William Waack e outros reacionários tentaram desmitificar a heroína, mas
não tiveram sucesso. Na ópera, enalteço a mulher líder, idealista e
guerreira. Em 26 de setembro, deste ano [2006], estarão se
completando 70 anos da cruel e injusta deportação de Olga que, grávida,
foi entregue à Gestapo pelo governo Getúlio Vargas. Hoje, Olga é exemplo
seguido por outras mulheres também líderes, idealistas e guerreiras que
estão por aí ganhando espaços.(...)2
Não
existe uma única história oficial de Olga: existem várias histórias
oficiais. Existe a história falsificada, montada pelo DIP do Getúlio
Vargas e pelos espiões norte-americanos, que está guardada nos arquivos do
STM, em Brasília. Existe a história escrita por Ruth Werner, em livro
publicado na Alemanha em 1962. Existe a história de Fernando Morais, em
seu livro de 1985. Existe a história de William Waack de 1993. Existe a
história novelesca da Globo Filmes. Esta é a pior de todas, porque
apresenta uma Olga arrogante, mandona e masculinizada, e um Prestes que,
além de virgem, parece uma bichona. (...)3
O
tema tabu e subversivo que eu abracei em 1987 acabou sendo banalizado 16
anos depois pelo poder global. Parece que o sistema resolveu decretar o
ineditismo decenal de minha ópera, para que antes, através de estratégia
político-novelesca, o Brasil passasse por um processo de banalização de
Olga, de Prestes e da história brasileira recente. Em minha ópera,
Olga é mais revolucionária, generosa e verdadeira do que no filme.
(...)4
Na
minha ópera, eu uso a minha história oficial. É a história com
detalhes importantes e riquíssimos, sob o ponto de vista humano e de ideal
socialista, que encontrei durante a pesquisa que fiz na Alemanha, em
Israel e em Paris durante todo o ano de 1992. Com bolsa de pós-doutorado
do CNPq, estive nos campos de concentração de Ravensbruck e de Bernburg.
Com o status de pesquisador do CNPq e com o aval do consulado brasileiro
em Berlim, tive acesso aos arquivos secretos do Institut für
Marxismus-Leninismus, da prisão de Moabit e do Berlin Document
Center, que em 92 ainda era dirigido pelos
norte-americanos. A minha motivação para escrever a ópera era grande e bem antiga. Conheci a história de Olga na minha infância. Ou seja, há quase sessenta anos. Minha mãe sempre contava que quando solteira morava em uma casa no bairro de Caxambi, no Rio. Em março de 1936 a polícia de Filinto Müller invadiu várias casas daquele bairro à procura do casal Prestes e Olga. A casa de minha mãe foi uma das invadidas. Apaixonado pela figura de Olga, sempre acalentei o sonho de escrever uma ópera sobre ela. Mas até o início dos anos 80 a história era considerada secreta e perigosa. Só comecei a alinhavar a obra quando a idéia de uma Assembléia Constituinte, marcando o fim da ditadura, começou a fortalecer-se em 1987. Convidei o poeta e amigo Gerson Valle a escrever o libreto. Visitamos Prestes em seu apartamento da Rua das Acácias, para lhe mostrar o primeiro rascunho da sinopse da ópera. Ele gostou e nos incentivou. Depois fiz visitas e consultas constantes a Anita Leocádia, que me assessorou permanentemente durante o trabalho de composição. (...)5
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Obra
e compositor Ela
[a intentona] é tratada de modo não fantasioso, como uma revolução popular
fracassada. O povo tinha esperanças no Cavaleiro da Esperança, mas as
ordens enviadas aos militares revoltosos foram desencontradas e feitas no
momento errado. O governo e a repressão estavam muito atentos. Na ópera
Olga, focalizo cênica e musicalmente o episódio, mas sem dar grande
realce. Ele foi apenas um detalhe na bela e dramática história de Olga.
Utilizo cenas com grandes tiroteios, mas tudo acaba com a
censura da própria notícia sobre a derrota dos revoltosos. Filinto Müller
persegue, nas ruas, pequenos jornaleiros que gritam as manchetes.
(...)
Minha
linguagem musical, desde 1984, vem ficando cada vez mais eclética. Já fui
um experimentalista extremado. Hoje prego a coabitação da tradição
com a vanguarda. Na ópera Olga, assim como nas obras que compus em
seguida, estive sempre preocupado com a comunicação com o público. Isso,
entretanto, é sempre feito sem concessões. Minha linguagem mescla os
grandes achados musicais do vanguardismo com as grandes conquistas da
tradição. Em Olga o público se deleitará com belas melodias quase
tonais emolduradas de orquestrações e sonoridades vanguardísticas. (...)
Pela
sua monumentalidade, pelo contexto histórico de sua temática, pela riqueza
composicional, considero que essa minha ópera é um pico na curva de minha
produção. Comecei a escrever Olga em 1987. Concluí o trabalho em 1997, ou
seja, há 9 anos. Foi um processo difícil e até certo ponto doloroso,
porque eu, a cada novo dia, sou um outro. Vivo me reinventando,
oxigenando-me, transgredindo minhas transgressões anteriores. Então (veja
só!), durante dez anos acorrentei-me a um projeto
musical-dramático-estrutural, para que Olga resultasse uma grande ópera
com extraordinária unidade. Isso foi possível porque logo no início, em 87
e 88, eu compus cada leitmotiv: Olga, Prestes, Filinto, a Tortura, o
Estado, a Justiça, etc. Naquele início, também elaborei gráficos
estruturais, aos quais tratei de obedecer durante os dez anos de
composição.
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Montagem
de Olga
Comecei
a pensar em enterrar as partituras, na área verde da Universidade de
Brasília, em ato solene, quando se esgotaram minhas energias e esperanças
na luta para estrear a ópera. Com o aval do MinC, na lei do mecenato,
colecionei cartas respostas de mais de sessenta empresas negando apoio.
Várias das empresas que se negaram a destinar recursos à produção de
Olga, com as vantagens da lei do mecenato, são as mesmas que em
2002 despejaram, sem qualquer isenção fiscal, milhões de reais nas
campanhas dos candidatos à presidência, no primeiro
turno.
Bati
em muitas portas, até mesmo nas do Theatro Municipal de São Paulo. Bati
nas portas do TM no tempo em que por ali havia ira. Parei essa longa luta
no final de 2004. Frustrei-me e desisti. Acontece que o Jamil Maluf já
conhecia a partitura e sonhava em montá-la. Ao assumir o Teatro, ele bateu
em minha porta. (...)
O
grande abaixo-assinado está agora dando resultados: várias pessoas em
Brasília estão se mobilizando para formar caravanas que virão a São Paulo
para assistir a estréia de Olga. Uma empresa de turismo do DF vai
organizar pacotes. O Reitor da Universidade de Brasília vai disponibilizar
três ônibus interestaduais para estudantes de música e artes cênicas da
UnB. (...)10
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Ópera, hoje A
ópera é, e sempre será, a ópera: espetáculo de arte total, sempre se
enriquecendo com novas linguagens musicais e cênicas, e com novas
tecnologias. Em 1983, escrevi outra grande ópera que foi estreada no mesmo
ano em Brasília: Qorpo Santo. Na época chamei a obra de
"neo-ópera", tentando me livrar de pecha de operista tradicional. Pura
bobagem! Qorpo Santo, tal como Olga, é ópera: abertura, atos, cenas,
interlúdios, drama, canto, árias, arietas, teatro, cinema, imagens, falas,
cantado-falado, etc.
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Vanguarda
A
reavaliação da vanguarda tem sido feita por gente que não sabe exatamente
o que encerra essa expressão. Muitas vezes, a vanguarda não aponta para
novos paradigmas. Muitas vezes, o vanguardista terá que trilhar o
renascimento de alguma maravilhosa retaguarda esquecida. A palavra
"vanguarda" vem da área militar. Vanguarda se refere à ação que está à
frente, de peito aberto, enfrentando o inimigo que, em artes, é
personificado pelo conservadorismo. Vanguarda é a ação de coragem e de
risco para a qual eu sempre me apresento como voluntário. No final do ano
passado eu apresentei nos CCBBs de Brasília e do Rio uma série de
concertos em que fiz a fusão de música eletroacústica com bumba-meu-boi e
outras manifestações de raiz. Um compositor, meu colega e amigo, me
escreveu dizendo que admirava a minha audácia. Ele me disse que já tinha
pensado em projeto do mesmo tipo, mas que nunca teve coragem de
realizá-lo.
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Arte
com função social Tenho
convicção de que a vida imita a arte. Estou interessado na boa arte que,
impregnada de técnicas retóricas persuasivas, há de induzir bons
comportamentos humanos ou, no mínimo, boas reflexões pessoais. Claro, isso
também pode servir para o mal. A TV Globo sabe disso. O cinemão
hollywoodiano também sabe.
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Mais
óperas Minha outra grande ópera, intitulada Qorpo Santo, foi estreada em Brasília, em 1983. Tenho duas mini-óperas para crianças que também foram estreadas em Brasília, que foram lançadas em CD comercial e que, em 2007, vão virar filmes. Agora, sonho em compor minha ópera Chico Mendes. Este é apenas um projeto, para o qual busco apoio. Não quero mais escrever obras monumentais sem a certeza de suas montagens a curto prazo. (...)15
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