E sendo no infinito o
transitório
Que ao fim se alça finito no começo
Não quis a
lauda muda sem rumor
Se não cantasse o fogo das estrelas
E nem
tocasse as solas das pegadas
viageiras de impulso em meu
trajeto.
Meu canto é facho aceso
de cometa
Numa viagem cheia de regressos
Em que juntando
sobras devastadas
Colhe do mar os ossos do desterro
Banhado
pelo tempo que me esplende
Certo fulgor perene nessas
águas.
O tempo que inda tenho
pensa o tempo
E no entanto me flagro duradouro.
Nas cinzas das
desoras ainda há fogo
Aquece a pedra leve em brasa
pouca
Riscando seu grafite pelos becos
Nos brancos muros cravo
meu enigma.
Essa pedra se assoma na leveza
À procura
do verbo da distância
Suavizado frágil som de pluma
Nada que
pese habita esse silêncio:
Porão vazio sombra e brisa
escassa
Fraco arrepio no poço estagnado.
O limo dessa pedra é
meu avesso
Ora musgoso seda de serpente
Um filtro transmudando
muitos ventos
Mas sempre alimentando na fatura
Um pé de verso
antigo sem assombros
Uma pá revolvendo caligramas.
Sem esquecer a cifra do
meu tempo:
Humor o chiste a gíria tudo conta
No canto do falar
cotidiano.
O sol do preconceito não me abraça
Desde Quintana
sei do céu singelo
De jaula aberta sei-me
passarinho.
Importa na gaiola o bom
alpiste
Que regurgito estrelas semeando
Se no chão vicejar
cristal se funde.
Minha meta é a linguagem derramada
Líquida
cantaria em tom de várzea
Que o solo em se plantando tudo
dá.
E assim me assumo pedra
diferente
Calcinado de múltiplas facetas:
Concreto fui na
práxis da sintaxe
Viajei linossignos e haicais
Namoro o
instinto que Breton me deu
E junto o sonho ao barro das
metáforas.
Das cinzas trago a cal
da duração
Para envolver no linho da memória
Os fatos dessas
múmias testemunhas
Personagens presentes de um passado
Novelo
que a nascente desenrola
O fio que se desfaz e afunda a
foz.
Um velho espelho d’água
se arrepia
Minhas águas se enrugam vincos crespos
Sopro
incontido inventa nervos curvos.
Mano Narciso empurra-me a
beleza
A sinuosa elipse em traços plácidos
E sabe que o diário
olhar me afoga.
O rio que sou eu mesmo
a se afogar
Na fala fluvial forte afluente
Pelos desvãos
escuros dos peraus
Pelas corcovas de ondas e banzeiros
Pelas
margens lambidas na passagem
Desliza musical por muitos
ventres.
E vai e segue doce rumo
ao sal
Nesse tempero de águas que se encontram
Amolecendo o
barro adormecido
Alimentando ventos ruminantes
Para servir a
crua refeição
Do vero humano fero assinalado.
Nessa cumplicidade
também rega
O fruto suculento da alegria
Manso manjar de calma
apetecida
Que se revela em pasto indignado
Diluindo alguns
nacos dissonantes
De melodia turva em seu chorume.
Eis o curso da vida e
sua costura
Num viés de mentira e de verdade
Vestindo
consistente no seu traje
Ultrajes desesperos agonias
Um rol de
horrores preso na lapela
Enfeite que envergonha a fina
grife.
Vestir um rio é como se
despir
Na entrega despojada da paixão:
Nada se esconde e tudo
se oferece
Pelo instante do sonho revelado
No mistério gozoso
desmedido
Onde só há lugar para a palavra.
Dois ciclos a reger
quatro estações
Comandam esse rio de vida e morte
Porque não
só do humano reza o reino
Refém da natureza e seus
fenômenos:
Terras caídas águas na vazante
Marés crescentes
várzeas alagadas.
O que aparece em dor
tão aparente
Nem sempre é o componente que maltrata.
Por vezes
muita perda não se enxerga
Porque nem o que a guarda sabe
olhar
Embora sinta os pássaros cinzentos
Bicando lá no fundo
algas viscosas.
Ah, mágoas do silêncio
com seus gumes!
Peixes das sombras de escamas
afiadas
Quedam-se cegos diante dos rochedos
E mesmo assim não
soltam-se dos signos
Mas prendem-se em tarrafas
solitárias
Como se únicas presas dessas malhas.
O rio que mora em mim
tem caudatários
Braços pequenos riachos soluçantes
De água
escura ocultando insegurança
Dessa frágil fronteira
limitada
Que não se quer sabida pelos outros:
Temores e
fraquezas densas dúvidas.
Fui aos longes da
infância atrás de ausentes
Levado pela paz de uma
saudade
Vivida no circuito da família
Em muito igual há muitas
por aí
Que ensinam na primeira convivência
A crença do homem
múltiplo de si.
E multifacetário mostra
máscaras
Tatuagens tomadas ao acaso
Em cena aberta sem
qualquer decoro
Não sabendo o papel em seu disfarce
De
apresentar a dúvida vestindo
As várias personagens nesse
enredo.
Ah densa dubiedade tão
presente!
Anúncio previsível e olvidado
Porque fracassos de
outros não se somam
Aos nossos de vivência não
havida
Porquanto a dor é única ao senti-la
E cada corpo hospeda um
terno algoz.
Águas serenas hoje me socorrem
Na fala desse
afago que me lava
Nessa ablução sem culpa em que preparo
A
presta travessia inevitável
Sem antes convocar minhas
lembranças
Filtradas num decurso em claridade.
Agora só me resta a
calma espera
Nos ossos do silêncio se atritando
Porque ouvir é
preciso mais que a fala
Da surda voz marinha adormecida:
Ondas
de folhas — verde cemitério
Em que menor me afogo em mar
maiúsculo.