©mark blumenstein
 
 
 
 
 
 
 

        Violência é o carrão parar no pé da gente e fechar a janela de vidro fumê e a gente nem ter oportunidade de ver a cara do palhaço de gravata para não perder a hora ele olha o tempo perdido no rolex dourado.

Violência é a gente naquele sol e o cara dentro do ar-condicionado uma duas três horas quatro esperando uma melhor oportunidade de a gente enfiar o revólver na cara do cara plac.

Violência é ele ficar assustado porque a gente é negro ou porque a gente chega assim nervoso a ponto de bala bufando cuspindo gritando que ele passe a carteira e passe o relógio enquanto as buzinas bufam desesperadas.

Violência são essas buzinadas e essa fumaça e o trânsito parado e o outro carro que não entende que se dependesse da gente o roubo não demoraria essa eternidade atrapalhando o movimento da cidade.

Violência é você pensar que tudo deu certo e nada deu certo porque quando você vê tem um policial ali perto e outro policial ali perto querendo salvar o patrimônio do bacana apontando para a nossa cabeça um 38 e outro 38 à paisana.

Violência é acabarem com a nossa esperança de chegar lá no barraco e beijar as crianças e ligar a televisão e vê aquela mesma discussão ladrão que rouba ladrão a aprovação do mínimo ficou para a próxima semana.

Violência é a gente ficar com a mão levantada cabeça baixa em frente à multidão e depois entrar no camburão roxo de humilhação e pancada e chegar na delegacia e o cara puxar a nossa ficha corrida e dizer que vai acabar outra vez com a nossa vida.

Violência é a gente receber tapa na cara e na bunda quando socam a gente naquela cela imunda cheia de gente e mais gente e mais gente e mais gente pensando como seria bom ter um carrão do ano e aquele relógio rolex mas isso fica para um outro dia.

Esquece.

 

Marcelino Freire nasceu em Sertânia, PE, em 1967. Vive em São Paulo desde 1991. É autor, entre outros, dos livros de contos Angu de Sangue (2000) e BaléRalé (2003), lançados pela Ateliê Editorial. Também organizou a antologia Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século. O conto "Esquece" faz parte da antologia Contos Cruéis, organizada por Rinaldo Fernandes, a ser lançada, em 2005, pela Geração Editorial. Mais aqui e aqui.