*
 
tarde de olhos frugais
demoras intrépidas
e febris
 
presenças aéreas
crias imperceptíveis
cinismo
 
performance acima da média:
volteia-se em delicadezas
mantêm-se somente
as semelhanças
e as aparências
 
ao longe
a dor doce
da amiga
dá-se
como anjo
 
perfídia:
estampa um céu cor-de-rosa
tecendo
em asas rubras
os arranjos da tarde
 
 
 

*
 
felicidade (seus olhos fúnebres
inundavam o mundo) : nas dores
promessas ouvidas
continuadas intenções:
 
dois
então
 
belas e esquálidas
rainhas (
desperdício de vertigens
virgens : pensamentos férteis
de enigmáticas meninas)
 
 
 

GENDER ESSAY
 
a linfática ninfeta
elabora voz:
maquinal-manequim(arlequim)
maniqueísta
 
mártir materialista
mini-vestido
miniatura sinistra
 
o olho bile-brilha
balé de olhos
globos de iluminada impaciência
 
mímica: crayon cinza
mão suave
 
neurônios fendidos
o torso curvado
no arco correto:
 
Cupido:
cheiros que não dizem
a que vêm

 

 

 
 
*
 
                    "Os acontecimentos de água
            põem-se a se repetir na memória".
                                            João Cabral

 
geração de caracteres:
brilho de olhos que
oscilam pelas mesas
 
o medo não trava suas faces
(macera os olhos
calmos
desvãos opressores
 
impotente maneira
de provar
liberdade)
 
silêncio meio-diário
de uma intensidade
minuta
 
de não acontecer
nem nada
nem muito menos
sentir 
        frio
 
 
finalmente
os olhos chispam:
monolíticos
seios elípticos
 
brasa: vibram brios
promenásticos
 
 
 

*
 
na noite terna
esquece
o coração velho
 
(também
volveu
antes de morrer
e enterrou suas
anêmicas vontades)
 
o anjo
morto
sobra na vastidão do mundo
 
 
 

SWEET MUSIC (listen with love)
 
no calmo incômodo
a cabeça pendula
 
envolvidos nas asas
roçam-se peito e coração
(embalados pelas
penas eriçadas)
 
(...)
(...)
(...)
 
nos suspiros
tocam-se peles
e púbis an
               gulosas
 
silêncio absoluto:
deus
       os anjos
                     e ela
 
uns feitos
à semelhança
dos outros
 
 
 

CANTIGA
 
me ame
que te amo
quando você
me ama
 
te amo
quando você
me ama
pr'eu poder
te amar
 
amemo-nos
leves
como (sempre
como) anêmonas:
 
acéfalos
com mil braços
disfarçados
de pétalas
 

 

 

 
 
HAIKAIS MINIMAIS RADICAIS
 
                            Par'o Bith
 
debelo
azul:
degenero
 
sincero
como Homero:
exaspero

quisera
matéria etérea:
o aço da idéia

 
traço dominado
compasso:
poeta de verso escasso


avesso
delicado:
veludo vago
 
 
 

GEOGRAFIA
 
travessia continental
passos largos atravessam
a ilha central
 
as calçadas
mal se divisam
mesmo amanhecidas
 
não guardam o sol
(são linhas anônimas
assaltando a cidade
(Faketown)
são linhas bilíngües
sinais de mais
 
cálculos futuros
de infernos astrais)
 
oblongos
e informais
cá estamos nós
óbvios e pascóvios
 
serenos animais
 
 
(imagens©vasilij kandinski)

 

 

Orlando Lopes vem de Perocão, que fica em Guarapari, que fica no Espírito Santo. Tem mais ou menos trinta e dois anos. Publicou Hardcore blues — apocalyptic songs (1993), participou de algumas antologias e mantém um blogue poético, o Indústria Têxtil.