Vem
morrer comigo.
|
Estou
maduro e embolorado. Descido, apeado de uma nuvem, trago o coração partido, a perna quebrada, foi-se a corrente do relógio n'alguma enxurrada, fiquei de repente muito sóbrio. Não é, no entanto, hora de velório. Nem de riso. Expõe-se o sol, azulam-se calmas sob ele as moscas do dia mau, é tudo tão normal que me ofende antes de me dar o ar de que preciso. Fiquei de repente muito lúcido. O ar é fino, não me sustenta, não me segura. Qualquer vento me derruba, como se eu fosse uma criança morta. Sou feito de ossos só, branco por fora, duro de doer em nós de dedos piedosos. Fiquei de repente muito tranqüilo. Uma vez caído, acomodo-me, deito-me de comprido. Fiquei de repente muito morto, de amante virei marido e de marido virei espanto, e de tranco em tranco ao meu canto devolvido. Fiquei de repente muito anjo. Mas anjo mau, que dá língua e banana. |
Ó
Inês de Castro: sai do sossego, minha nêga, e vem vadiar. Imagino tua carona vermelha e saloia me dando tapas nas mãos enquanto, falando do lobo e do carneiro, vou levantando a tua saia. Eu sou carneiro, Inês; lá pro fundo da tua barriga eu me vou com toda a minha descendência. É a lua que faz isso contigo? Aí, já sem fleuma nenhuma, despenteada e com olhos deste tamanho ai, Inês, que agora sabes tantas coisas novas e com os peitos em terremoto, lá estás: teus dias devastados, telefonemas, filmes, a aurora de rosa vestida. É, Inês, é assim mesmo. Vim te ensinar. Desce daí, malvada, e vem vadiar. Deixa eu colher o doce fruto dos teus anos. É teu o nome que no peito escrito tenho, por agora. Não chega? Vem, nêga, vem que a tarde anda cheia de pêssegos no céu, e que é hora da gente se manchar de sal. Vem cá que está calor e esse monte de roupa te faz suar. Na beira do Mondego este teu nêgo te dirá mentiras boas e muito necessárias, Inês; e tu também mentirás. E assim vai a coisa. Anda, Inês, vem que somos gente, que falta meia hora para a morte, e que pro céu ou pro inferno só se leva o que a gente pode lembrar. Aliás, o céu agora está pertinho. Vem aqui, Inês, pra eu te mostrar. |
Orlando
Tosetto Júnior tem 36 anos de idade, é paulistano,
palmeirense e pai da Clarice. Não tem formação,
nem profissão; escreve por diletantismo, teimosia e desespero
(depende do dia).
Além daqui, pode ser encontrado no SpamZine, no Consumo Interno, ou em alguma
sala das Letras na USP. Ele mata o tempo, enquanto o tempo não o
mata. |