com a neta Gabi
 
 
 
 
 
 
 
 

RL - Lau, o que deve ser feito na esfera pública para incentivar a literatura? Quais políticas públicas devem ser adotadas?

 

LS - Penso que o Poder Público precisa estabelecer políticas que aproximem — principalmente — a juventude da leitura, dos livros e dos autores. Em todos os setores, os governos precisam discutir e absorver as ações da sociedade e não impor suas ações, tantas vezes, desconectadas da realidade. Por exemplo, aqui em João Pessoa, em Mandacaru (um bairro popular), o grupo Cactus mantém uma biblioteca com uma política permanente de incentivo à leitura. A Fundação Cultural na qual estou trabalhando está buscando firmar uma parceria para aumentar o espectro de atuação desse grupo. O Poder Público, prioritariamente, deve ser parceiro e não produtor. É mais democrático isso, penso eu.

 

Eu somente acredito em políticas públicas cuja atividade-fim seja a formação cidadã e cujas ações sejam discutidas com as comunidades nas quais são implantadas. Se as comunidades estiverem produzindo, tanto melhor.

 

 

RL - O que pensa a respeito do Movimento Literatura Urgente?

 

LS - Eu sou meio suspeito, porque assinei o manifesto e me considero um militante do MLU. Este movimento nasceu propondo políticas públicas para o setor. Propostas que podem e devem ser discutidas em nível municipal, estadual e, principalmente, nas universidades públicas e privadas que podem ser parceiras. O MLU é uma ação que depende muito da mobilização dos escritores e dos amantes da boa leitura. Somente assim os cofres públicos (e/ou privados) serão sensibilizados. A iniciativa privada sempre acorda mais tarde, porque seu único interesse é o lucro. Mas até a iniciativa privada poderá ver nisso uma política de fomento ao mercado do livro e um marketing poderoso. Na verdade, o MLU trouxe para o debate uma pauta de reivindicações dos escritores e espera ter uma resposta, pelo menos uma perspectiva de negociação que aponte caminhos. Muitas questões desta pauta devem der  discutidas, aprimoradas e o que pode ser viabilizado de imediato deve entrar na agenda do MinC, das Secretarias e Fundações de Cultura, das Universidades. Eu acho que o MLU abriu caminhos para esse debate nas administrações públicas da cultura, nas universidades, nos meios literários, enfim... Acho que, neste caso, ainda estamos aprendendo a caminhar e o primeiro passo deve ser muito seguro para que não aconteçam recuos. O Movimento ganhou uma credibilidade imensa com as críticas da revista Veja. Eu ficaria extremamente preocupado se a Veja e outros ícones da máquina reacionária do poder em nosso País, estivessem aplaudindo-o. O Movimento está incomodando os acomodados. Está fazendo com que escritores e governos se obriguem a pensar políticas públicas para a Literatura. Se não se concorda com as propostas colocadas, pois bem, que se apresente outras. O nada pelo nada é que não pode.

 

 

RL - Como é ser um escritor num estado do Nordeste como a Paraíba? 

 

LS - Acho que é como ser escritor em qualquer lugar do mundo. Talvez seja  muito mais difícil ser escritor em São Paulo, por exemplo, onde os círculos da vaidade são mais fechados e as distâncias (físicas, inclusive) são maiores. Alguns, aqui e alhures, reclamam da falta de reconhecimento da mídia nacional e até dos cânones. Isso, absolutamente, não me incomoda. A mídia e os cânones, sempre excludentes e preconceituosos, não me interessam. A formação de um público leitor depende, fundamentalmente, da postura e da qualidade dos escritores. Eu não carrego como um fardo essa coisa de ser escritor, ser poeta. É a minha identidade no mundo! Penso que um jardineiro que diagrama um roseiral é, também, tão poeta quanto. Eu sou um brincante das palavras. Não vejo nada de especial em estar aqui, na Jamaica  ou em Jaguarão. Isso não influi na qualidade dos textos. A grande tarefa de um escritor é ser visceral e não ser reconhecido pelos cânones, ou desfrutar de facilidades editoriais e de mídia. Neste sentido, tanto faz o lugar. O que importa é a densidade, o dente do tigre na sangria de cada verso, na nudez de cada frase...

 

 

RL - Por que escreve?

 

LS - Simplesmente porque não consigo não escrever. Já disse isso e repito, porque decorei e porque não saberia responder jamais esta pergunta de outra forma. Achei a minha resposta pronta e não durmo sem ela. Já tentei parar, mas não consegui. Também não vi sentido em não escrever. Até porque, descobri que teclar poemas em meu computador ou rabiscá-los em uma agenda é mais saudável ao bolso que pagar um psiquiatra.

 

 

RL - Toda metáfora é surrealista?

 

LS - Boa pergunta! Não costumo fazer qualquer afirmação sobre Poesia. Poesia é interrogação, é dúvida e em alguns casos, dívida. Toda metáfora é surrealista? Como diz a compositora paraibana Patrícia Moreyra, "as árvores gorjeiam". E ponto.

 

 

RL - Quais são os escritores que fizeram a sua cabeça?

 

LS - Muitos. Os que fizeram minha cabeça, ainda fazem. Vamos lá: Maiakovski, Castro Alves, Gregório de Matos, Pignatari, Amador Ribeiro Neto, Quintana, Cacaso, Haroldo, Augusto, Micheliny Verunschk, Drummond, Bandeira, Rubén Dario, Leminski, Greta Benitez, Vallejo, Borges, Fred Barbosa, Rilke, Mário Faustino, Guillén, Eliot, Kafka, Leila Míccolis, Chacal, Ezra, Proust, Camões, Homero, Safo, Chico Doido do Caicó-Cirne, Wally Salomão, Sérgio de Castro Pinto, Pessoa, Risério, João Filho e uns outros tantos, injustiçados pelo sistema imunológico da minha memória.

 

 

RL - Sua poesia é muito rica e logopeica. É uma característica da sua geração?

 

LS - Eu não penso muito a minha poesia. Não faço aquela musculação mental que alguns, com orgulho, dizem fazer. No máximo faço uns cortes nas "gorduras", nas pelancas, dou uma lixada nos ossos do poema. Mas eu estaria mentindo se dissesse que gasto muito tempo elaborando, pescando formas & conteúdos. Não primo pela elaboração. Poesia é, sobretudo, prazer! O poema somente vale quando promove o encontro da linguagem com a vida. E a linguagem pode ser visual, sonora, verbal... Acho que a marca mais rica da nossa geração é a diversidade. Ainda bem! Tem gente fazendo poema épico e soneto, por exemplo, com qualidade pós-concretista. No mais, fujo dos rótulos... logopeica, minimalista, neobarroca? Não interessa. A Poesia é sempre mais que isso tudo.

 

 

RL - Qual a importância de estar na antologia feita por Claudio Daniel e Frederico Barbosa, Na Virada do século, Poesia de Invenção no Brasil?

 

LS - Foi tudo de bom, Rodrigo. Foi uma lição para a minha própria rebeldia. Eu sou meio arredio. No entanto, fui "apresentado" para Frederico Barbosa, um dos organizadores, pelos alunos dele que liam meus poemas em sala de aula, em São Paulo. Eles colhiam esses poemas nas agendas da Editora Tribo e na Internet. Eu nem conhecia o Fred. O mais importante de tudo isso, pra mim, foi ter recebido um presente da vida: a amizade do Fred Barbosa e o contato generoso e amável com alguns desses alunos e alunas, muitos dos quais se tornaram amigos virtuais. No entanto, fui surpreendido também neste sentido. Nunca tive preocupação alguma em fazer Poesia de invenção. Escrevo poemas e ponto. É uma necessidade natural da minha existência.

 

 

RL - Mario Quintana continua sendo uma influência sua? O que está lendo no momento?

 

LS - Leio Mario Quintana desde menino. Gosto de muitos dos seus poemas. Gosto dos versos humorados do poeta. Tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente e fiquei encantado. Sempre será uma grande influência, embora minha poesia pouco tenha a ver com a dele. Mas as influências nem sempre resultam em semelhanças, não é mesmo? Eu sou aberto a todas as influências, inclusive dos poetas que ainda não li. Inclusive dos jovens, como Carlos Besen, Gustavo Limeira, Daniel Sampaio e outros.

 

Atualmente, estou lendo O livro dos afetos, de Marília Arnaud (7Letras) e relendo Guarda-chuvas esquecidos, de Antônio Mariano (Ed. Lamparina). Dois excelentes escritores da Paraíba, que agora se lançam para o mundo. Na verdade, minhas obrigações cotidianas têm me afastado muito da leitura. Estou lendo cada vez menos. Por isso, cada vez com maior critério.

 

 

RL - Você é um poeta que cresceu muito com a vinda da Internet. Como vê a Internet hoje?

 

LS - Veja bem, Rodrigo, eu não sou mais o poeta marginal que penso ter sido, mas certamente sou um poeta de origem marginal (Poesia é sempre marginal). Os meios alternativos sempre me interessaram. A negação da engrenagem moedora de ossos que é o sistema literário ainda é o meu inimigo público número 1. No caso da Net, o e-mail é um mimeógrafo futurista, necessário aos poetas do Século XXI. A Net é um meio muito poderoso, porque você clica numa tecla, na sua casa, no seu computador, no seu quarto... e o seu poema vai parar em Barcelona, em Calcutá e, talvez, até mesmo na pampeana Jaguarão, onde nasci, ou quem sabe, na casa da vizinha do lado. É uma mídia que caiu como uma luva para os poetas, porque o mercado da poesia ainda é um mistério a ser desvendado e o preço de uma edição exclui muita gente boa. Apesar da exclusão digital, se a Internet não domesticou a mídia, pelo menos democratizou um pouco mais os meios. No entanto, é uma arma poderosa e muito perigosa. De repente, um poema ruim se espalha, como um vírus. De repente, um atentado terrorista contra os direitos autorais, troca nomes de autores e  se reproduz... enfim, é como tudo na vida. Tem um lado pluma e um lado bruma.

 

 

RL - Para que serve a poesia?

 

LS - Eu nunca descobri o que é poesia. Quintana me deu a reposta mais sensata. Ele disse que "a poesia é a procura da poesia". Mas eu não sei para que serve o que eu, absolutamente, não conheço, apenas intuo. Nunca tive certeza alguma a esse respeito. Da mesma forma que nunca tive certeza sobre Deus, sobre a vida ou sobre a minha própria existência. Eu duvido muito de tudo isso! Um amigo de BH, o poeta Rogério Salgado, publicava poemas em saquinhos de pão. Acho, poesia serve para ensacar pão — ou não.

 

 

RL - Algum livro novo sendo preparado?

 

LS - Sim. Estou burilando ainda, mas desde o ano passado tenho um livro pronto, armado, esperando o momento de transbordar. "Texto Sentido" é o título. Como estou sempre escrevendo algum poema, vivo em compasso de espera. Tenho publicado de quatro em quatro anos. Portanto, seguindo essa lógica, é bem provável que o livro saia no próximo ano, já que o último foi em 2002. Novamente, devo publicar por uma editora local e fazer boa divulgação na net. Meu último vendeu tudo em 3 meses apenas, nas livrarias daqui e na Net. Os que não vendi, dei aos amigos. Foi uma edição simples, de 500 exemplares. E o próximo deve ser assim, também. 

 

 

RL - Tem algum mote novo, algum poema pequeno que o acompanhe pela vida?

 

LS - "Nós polimos as almas com a lixa do verso", de Maiakovski, em O poeta operário. É um velho mote que todo dia se renova e me dá forças para seguir em frente. O poema pequeno é de Leminski: "en la lucha de clases / todas las armas son buenas / piedras / moches / poemas".

 

 

 

 

 

Lau Siqueira nasceu em Jaguarão-RS e reside atualmente em João Pessoa-PB. Publicou os livros O comício das veias (Ed. Idéia-PB, 1993), O guardador de sorrisos (Ed. Trema, 1998) e Sem meias palavras (Ed. Idéia-PB, 2002). Teve poemas incluídos na antologia Na virada do século — poesia de invenção no Brasil, organizada por Frederico Barbosa e Claudio Daniel (Ed. Landy-SP, 2002) e na antologia Nordestes, da Fundação Joaquim Nabuco e SESC/Pompéia. Publica seus poemas no Livro da Tribo (Ed. Tribo-SP) e no blogue Poesia Sim. Mais aqui.

 

 

agosto, 2005
 
 

 

Rodrigo de Souza Leão (Rio de Janeiro, 1965), jornalista. É autor do livro de poemas Há Flores na Pele, entre outros. Participou da antologia Na Virada do Século — Poesia de Invenção no Brasil (Landy, 2002). Co-editor da Zunái — Revista de Poesia & Debates. Edita os blogues Lowcura e Pesa-Nervos. Mais na Germina.