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A idéia de literatura feminina carrega o mesmo peso que fez a escritora inglesa Virginia Woolf se matar em 1941. O sofrimento está entranhado, faz com que termos como depressão, tristeza e melancolia sejam constantemente usados para caracterizar esse tipo de escrita. Para fugir desses estereótipos, 19 escritoras (nem sempre do sexo feminino) do Sul e Sudeste do país resolveram se unir para promover um suicídio literário e coletivo via web. Criaram o site Escritoras Suicidas onde a cada mês escolhem um tema específico e escrevem sobre ele. Na estréia, em outubro deste ano, foi escritoras suicidas, depois fúria (em razão do Dia Mundial da Não Violência Contra a Mulher) e para a terceira edição, que entra no ar dia 22 deste mês, o tema solidão já foi eleito. A equipe é formada por autoras que vem aproveitando a internet para difundir e aperfeiçoar seus trabalhos, tendo algumas, ou já publicado em livros próprios, ou participado de coletâneas. Para falar sobre o site, literatura e internet, o Diário de Pernambuco entrevistou Silvana Guimarães, uma das editoras-suicidas da página.

 

 

 

 

 

 

Thiago Corrêa - Por que o nome Escritoras Suicidas? Tem alguma relação com o abandono aos estereótipos que cercam a literatura feminina?

 

Silvana Guimarães - Tem. Um belo nome que ironiza com leveza e bom-humor a chamada "literatura feminina" = drama + depressão + suicídio. Uma brincadeira que levamos a sério. Nada de discussões vazias sobre gênero. Aliás, nem sobre número e grau. Ninguém vai nos ouvir dizer que o escritor José Saramago, por exemplo, é um valoroso representante da literatura masculina. Somos apenas mulheres e homens que todo mês escrevem sobre temas pré-estabelecidos, sugeridos por uma de nós. É aí que está a nossa sutileza. Você ouviu bem: eu disse "apenas mulheres e homens". Somos mulheres e homens travestidos. No site, todo mundo é mulher.

 

 

TC - Existe algum estilo que possa definir os textos do site?

 

SG - Não. Os estilos são variados: Contemporâneo Casual, Neonaturalista Moderno, Pós-Moderno, Neobarroco, Minimalista Clássico, tem até Parnasiano, pasme! Reflexos tumultuados da época em que escrevemos. Um fuzuê de estilos, creio eu, que não entendo muito bem do assunto: escrevo de ouvido. Sou uma escritora de banheiro.

 

 

TC- Desde quando o site existe? De onde surgiu a idéia?

 

SG - O site começou a ser planejado em agosto e entrou no ar em outubro de 2005. A idéia do nome foi da Eliana Pougy, que chegou a participar da primeira edição e desistiu, logo depois, por razões pessoais e técnicas. Como ela, desistiu também o ilustrador de então, que se foi, levando as ilustrações. Em dois dias o site foi refeito com novas imagens. Sobrevivemos, felizes. A Eliana foi a mãe biológica das Escritoras Suicidas. Nós, as que ficamos, estamos criando-as. Isso é muito gostoso.

 

 

TC - Qual o processo de escolha da equipe?

 

SG - Somos 19 escritoras fixas, as que aderiram à idéia antes de o site ir ao ar, menos a Santamaria, que substituiu a Eliana. Há mais quatro escritoras, que aceitaram participar de início, mas com estréia marcada pro ano que vem. As editoras são Mara Coradello, Silvia Devereaux e eu, com o apoio indispensável da Ana de Celorico. A Mariza Lourenço é nossa editora de arte. Além das escritoras, temos autoras convidadas. Na primeira edição foi uma. Na segunda, 13. Para a terceira edição, já recebemos pedidos de colaboração de 8 escritoras e contos de outras 6. O tema de dezembro é Solidão, vamos ao ar no dia 22 e as convidadas têm até o dia 12 para enviar seus textos (conto, crônica, poema), sujeitos à aprovação da editoria.

 

 

TC - Como você vê a relação entre internet e literatura? Você acha que existe literatura de internet?

 

SG - Com bons olhos verdes e muita esperança. A internet é um buraco rico e sem fundo para a literatura. A rapidez, a facilidade de comunicação e os instrumentos tecnológicos que permitem a utilização de recursos audiovisuais fazem dela o ambiente ideal para a divulgação da literatura. Quem dera, somente da boa. A internet iguala, é democrática, mas tem seu lado trágico: ela divulga a literatura que não é. Existe sim, a literatura de internet, de excelente qualidade, divulgada em bons e bem cuidados sites. Mas o que se convencionou chamar de "literatura de internet", assim, entre aspas, é aquela confessional, repleta de mesmices, de auto-ajuda, em que poemas de amor e sensuais são cheios de reticências feitas de 1 dúzia de pontos. Ou aquela que espalha algo como "sorria, mesmo que seu sorriso seja triste, porque mais triste que um sorriso triste é a tristeza de não saber sorrir", assinado por Drummond, Quintana, ou Clarice Lispector. De amargar.

 

 

TC - O site é exclusivo para autoras do sexo feminino?

 

SG - Não, embora pareça que sim. Como disse, há homens entre nós. Que aceitaram a condição de escrever sob pseudônimo feminino e com biografia fictícia. São de quilates variados. Alguns inéditos; outros, experientes. Alguns mais conhecidos; outros, menos. Autores teatrais, roteiristas de tevê, poetas com muitos livros publicados. Dentre eles há uma flor sertaneja, rude, escritor-revelação dos últimos tempos, inclusive. Tão machos e valentes, que conseguem passar sem arranhões pelo transe que é ser uma escritora suicida e escondida, numa época de vaidades excessivamente afloradas. (Entre as convidadas é a mesma coisa. Na última edição, 7 das 13 autoras publicadas são do sexo masculino.) Os nomes deles, você quer saber? Se eles mesmos não o disserem, vão comigo pro além, quando eu passar desta pra melhor. Ou seja: nem morta.

 

 

www.escritorassuicidas.com.br

 

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Publicada originalmente, como matéria de capa do caderno cultural Viver,
do Diário de Pernambuco, em 09 de dezembro de 2005.
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Silvana Guimarães é co-editora da Germina — Revista de Literatura e Arte. Outra entrevista sobre as Escritoras Suicidas pode ser lida no Portal Literal.

 

 

 

 

dezembro, 2005
 
 

Thiago Corrêa (São Bernardo do Campo/SP, 1981). Jornalista, escritor, cidadão recifense, freqüentou a Oficina de Literatura do escritor Raimundo Carrero por dois anos. É um dos editores do zine Vacatussa, publicado em papel, inaugurando endereço na web: www.vacatussa.com.