Cena de "Electra", de Sófocles
 
 
 
 
 

 

Luiz Alberto Machado — Ana, você é jornalista, atriz, escritora e tradutora, mas gostaria de começar pela pergunta de praxe: como se deu o seu primeiro encontro com a arte?

 

Ana Lúcia Vasconcelos — Olha, Luiz Alberto, quero esclarecer, para começar, que não me considero uma tradutora de jeito nenhum — traduzi apenas um livro, do francês, Eu Vejo a Virgem, que é uma entrevista do frei croata, já falecido, Yanko Bubalo, com uma das videntes, a Vicka Ivankovic, sobre as aparições da Virgem em Medjugorje, ex-Iugoslávia (hoje, Bósnia Herzegovina), que saiu pelas Edições Loyola (São Paulo, 1990) e está esgotado. Acredito que ser tradutor é bem mais que isso. Bem, posto isso, vamos à resposta: meu primeiro encontro com a arte posso dizer que se deu na infância. Meu pai era um comerciante bem sucedido de arroz e cereais, com ascendência portuguesa: Teixeira Vasconcelos, que adorava música erudita e, especialmente, ópera italiana. Daí que cresci — eu e meus sete irmãos, já que éramos oito — ouvindo música clássica. Eu não me lembro quando comecei a gostar, acho que já nasci gostando. E fora isso, lia muito e também gostava de artes plásticas, cinema, música. Na juventude, comecei a freqüentar cinema, já gostava de filmes de arte — no cinema na década de 60, acontecia a nouvelle vague francesa — e eu via todos os filmes dos grandes cineastas franceses da época, hoje clássicos: Truffaut, Godard, Resnais, entre outros. E também amava o cinema italiano: Fellini, Rosselini, Antonioni, Visconti, Bertolucci, o sueco Ingmar Bergman, o russo Eisenstein, enfim, sempre vi filmes escolhidos, só os bons, os que hoje são os cults. Gostava muito de artes plásticas também, e já convivia desde a adolescência com amigos artistas plásticos, ou seja, convivia com várias artes desde muito jovem. Aos 19 anos, comecei a fazer teatro em Campinas e lecionei História do Teatro Universal e Brasileiro no curso colegial de dois colégios: um em Jundiaí e outro, em Campinas no qual, aliás, eu estudara o Culto à Ciência. Na verdade, nunca pensara em dar aulas, mas novamente aqui o destino decidiu as coisas. A Tereza Aguiar, diretora do grupo onde comecei, lecionava em Jundiaí, além de exercer sua profissão e fazer teatro, mas de repente ficou superocupada e resolveu me indicar. Eu fui, ganhava uma coisa irrisória, mas estudava à beça para dar as aulas, o que foi ótimo. Aí, então, aos 19 eu comecei a ler Brecht, Ionesco, Beckett, Strindberg, Tchecov, enfim, os mestres do teatro universal e mais os autores brasileiros a começar lá dos começos até hoje. Enfim, o que quero dizer é que sempre li e estudei muito: ficção, teatro, filosofia, economia, política, etc., porque afinal a gente tem que saber tudo isso para escrever sobre cultura, porque tudo isso é cultura.

 


LA — Mas você é atriz também. Gostaria de saber como se deu a experiência com o teatro.

 

AL — A coisa foi assim: eu estava fazendo o curso de Ciências Políticas e Sociais na PUCAMP (Pontifícia Universidade Católica de Campinas), num prédio que atualmente é chamado de PUCC Central porque hoje há dois Campus, o Campus I e o II, que ficam em um bairro mais afastado da cidade, aliás, para ser mais exata, ficam próximos da Unicamp. Mas naqueles tempos — década de 60 — só havia este prédio que, inclusive, é tombado pelo Patrimônio Histórico do Município, porque foi residência do Barão de Itapura, que fica justamente na esquina da Rua Marechal Deodoro com uma avenida bem central: a Francisco Glicério. Como meu curso era à noite, tínhamos aulas aos sábados à tarde. E eis que, numa certa tarde eu fui buscar minha irmã, Maria Luiza Vasconcelos, que estava ensaiando com um grupo de teatro, o TEC (Teatro do Estudante de Campinas), num prédio a duas quadras da PUCC, que era justamente a sede da Associação Campineira de Imprensa. A diretora do grupo, a Tereza Aguiar, que é advogada, também escrevia num dos jornais da cidade, o Diário do Povo e tinha uma coluna de teatro, e daí que conseguiu o sótão da referida associação para ser a sede do grupo.  Então eu entrei, subi umas escadinhas e me vi diante de uma cena que até hoje está na minha memória: uma menina muito bonita, com um rosto quadrado e com umas covinhas no queixo, rodeada por dois rapazes. Pensei: "mas que rosto moderno ela tem". Eu cumprimentei o pessoal, minha irmã fez as apresentações, sentei-me num banco e fiquei observando a coisa toda. A menina bonita a que me referi era a Regina Duarte. Mas naquele momento preciso eu fui, digamos, picada pelo vírus do teatro.

 


LA — E daí? O que aconteceu depois?

 

AL — Então, fiquei olhando a cena e consegui depreender que a Regina estava saindo para uma aula de declamação e estava se despedindo. Lembro-me que ficamos ainda um tempo ali e em seguida todos saímos. Mas depois eu comecei a freqüentar os ensaios com minha irmã e num certo dia, ou numa certa noite, uma das atrizes resolveu que não ia mais, enfim, bateu em retirada e a Tereza me olhou e disse: "Ana é você mesmo, vem aqui fazer o papel da Joan". Eu fui e fiquei, a peça era O Tempo e os Conways, de J. B. Priestley, minha irmã fazia o papel central, a Kay, a irmã mais velha da família e a Regina fazia a caçula. Eu fazia a mulher de um dos irmãos delas. Enfim, foi assim, e era maravilhoso conviver com aquela turma, vivíamos juntos mesmo. Depois do ensaio, íamos para uns bares campineiros comer alguma coisa, beber pouquíssimo, falar de teatro, cantávamos, dançávamos. Na época havia um restaurante dirigido por um casal de franceses — o Armorial — com música ao vivo, um piano, e uma pequena pista de dança. Íamos muito lá, era uma delícia, nada a ver com os bares ruidosos da atualidade. Era um típico restaurante francês, inclusive, com um bar, com aquelas mesas redondinhas e quem não ia comer, só beber e conversar, ficava ali. Bons tempos aqueles, pena que não voltam mais.

 


 LA — E como foi a continuação disso? Você seguiu fazendo teatro? E o jornalismo: onde entra nesta história? 

 

AL — Bem, eu fiz outras peças com o grupo, A Via Sacra, de Henri Gheon, depois fiz uma peça infantil de uma jornalista e musicista campineira que até hoje é minha amiga, a Lea Ziggiati, que tem Conservatório de Música, e onde acontece, há coisa de quinze anos, um curso de teatro: Rapunzel, com a Regina fazendo Rapunzel; uma peça de Adamov, Somos como Éramos, e um quadro de Terrores e Misérias do Terceiro Reich, de Bertold Brecht: O Delator. Em 1966, terminei o curso de Ciências Sociais e começamos a ensaiar uma tragédia grega, Electra, de Sófocles, e juntamente com a Tereza Aguiar, José de Oliveira, Sérgio Paulo Teixeira Pombo, Vicente Conti (mais tarde, entrou minha irmã Maria Luiza Vasconcelos) fundei o "Grupo Rotunda", que foi o primeiro grupo semiprofissional de teatro de Campinas. Por falar nisso, o "Rotunda", que prosseguiu com novos atores e diretores, sempre com a supervisão da Tereza Aguiar, está comemorando justamente em setembro de 2007, quarenta anos de vida. Participei, semana passada no Teatro de Arte e Oficio em Campinas, de uma reunião com alguns dos fundadores: Tereza Aguiar, Sérgio Paulo Teixeira Pombo, José de Oliveira, Lucy Mistura e Elza Hadad de Oliveira, entre outros atores, que atualmente pertencem ao grupo, para elaborar um roteiro de um evento que vai ocorrer em Campinas e São Paulo, agora, no final do mês. Mas voltando ao passado: estreamos a peça, em que eu fazia o papel-título, em setembro de 1967, no Teatro Municipal de São Carlos, já que o teatro de Campinas havia sido demolido por um prefeito avesso à cultura. E aqui entra o jornalismo, porque, na verdade, tenho que esclarecer que essas duas carreiras estiveram sempre entrelaçadas na minha vida. Aliás, escrevi uma matéria justamente intitulada "Entre o teatro e o jornalismo", que está no meu blogue (atualmente desativado), onde me apresento. Comecei a publicar no Diário do Povo, de Campinas, uma série de artigos sobre "Tragédia Grega", além de uma coluna onde fazia campanha contra a demolição do teatro, e ainda: fazia releases sobre as peças que o grupo montava. Ou seja, desde o começo eu fiquei entre o teatro e o jornalismo, porque como eu, além da Tereza Aguiar, era a que mais gostava de escrever do grupo, era designada para fazer esta assessoria de imprensa.

 


LA — Você teve também uma atuação marcante no jornalismo, conta para a gente sobre essa experiência.

 

AL — Não sei se foi marcante, mas posso dizer que fiz certo sucesso no jornalismo em São Paulo, acho que também em função deste curso de Ciências Sociais que tem, digamos, um largo espectro, quer dizer, nós tínhamos matérias como sociologia, lógico, mas economia, economia política, política internacional, psicologia social, antropologia, entre outras. Ou seja, acredito que por causa dessa minha formação e também pelo meu interesse, desde muito jovem, por diversas artes, teatro, cinema, música popular brasileira que, na época, naquela, aliás, época áurea da década de 60, quando se começava a ter a bossa nova com aquela turma maravilhosa, Tom, Vinicius, João Gilberto, Nara, Chico Buarque de Hollanda e todos os outros. Enfim, acho que tive o privilégio de viver numa década maravilhosa, onde havia toda uma efervescência cultural aqui no Brasil e isso tudo, acredito, tenha sido fundamental na minha formação e posterior carreira. Comecei escrevendo, aí por 1963, e minha primeira matéria foi sobre a Aldeia de Arcozelo, fundada pelo já falecido ex-embaixador e amante do teatro e das artes em geral, Paschoal Carlos Magno, que está na história do teatro brasileiro por vários motivos, inclusive, por ter criado os famosos Teatros de Estudantes no Brasil inteiro.

 


LA — O começo foi na Veja, da Editora Abril, como você me disse. Fale sobre isso.

 

AL — Eu tinha uma intuição neste tempo todo aí, da adolescência à juventude, enquanto fazia meu curso e fazia teatro, que eu ia trabalhar numa editora, daí que um dia — você vê que coisa interessante, como as coisas da minha vida foram acontecendo de uma maneira quase mágica e fluida, aparentemente sem esforço — meu namorado na época, depois meu marido e hoje ex-marido, pai dos meus filhos, Vicente de Paula Conti, trouxe-me um recorte da revista Claudia, que foi uma das primeiras da Abril, com a notícia de um concurso que estava sendo realizado pela editora, para o lançamento de uma nova revista, que era justamente a Veja, a primeira revista semanal importante brasileira. A Editora Abril estava recrutando jovens e eu me inscrevi, lógico, e comecei a participar do processo de seleção. Primeiro veio um questionário enorme pelo correio mesmo, onde havia perguntas de conhecimentos gerais, em que, acredito, os entrevistadores ficavam sabendo um pouco da pessoa, suas idéias. E, evidente, havia pedidos de resumos de livros, com um número determinado de linhas, enfim, escrevi duas ou três redações, pequenos resumos sobre os últimos livros que estava lendo no momento. Passei nesta primeira fase e aí veio a segunda: uma entrevista, em São Paulo, já com os selecionados desta primeira "prova". Foram dois mil os inscritos e acabaram ficando apenas cem. Eu fiquei entre esses cem. Houve depois outro corte e ficaram sessenta e eu lá. Havia gente do Brasil inteiro. Afinal, ficou decidido o número de jovens deste curso que ficaria na Veja e eu, com grande dor no coração, não fiquei. Fui trabalhar num fascículo da Abril: Grandes Personagens da Nossa História, que foi o primeiro feito integralmente no Brasil. O detalhe é significativo para dizer que participei, como todo aquele pessoal, de algumas coisas importantes da Abril, já que lá estavam os cobras do jornalismo brasileiro. Foi uma época maravilhosa, aprendi muito, convivi com pessoas inteligentíssimas, talentosos jornalistas, maravilhosos fotógrafos, artistas gráficos de alto nível, enfim, a Abril era um Butantã, só tinha cobras.

 


LA — Mas segundo me disse, você voltou para o teatro. Como foi isso? Você fazia teatro e trabalhava na Editora Abril?

 

AL — Ah sim, uns meses depois deste concurso e curso e quando eu já estava na Abril, contratada e tudo mais, a Tereza Aguiar articulou a montagem de Electra,  no Teatro Anchieta de São Paulo e então, já estávamos em 1968, remontamos a peça com grande parte do elenco de Campinas e algumas substituições. Eu ganhei o Prêmio Revelação de Atriz, da Associação de Críticos do Estado de São Paulo, tendo sido ainda indicada para o Prêmio Molière de Teatro. Por isso, em seguida, saí da Editora Abril e fui fazer teatro. Fui convidada para fazer Cemitério de Automóveis, de Fernando Arrabal, com direção do argentino Victor García e produção de Ruth Escobar, que havia arrebatado todos os prêmios daquele ano como melhor espetáculo, melhor direção, melhor cenário, figurino, etc., substituindo a atriz Assunta Perez, que havia ido para a Rússia. Daí, pedi demissão da Abril e fiquei no teatro. Em seguida, fui convidada para fazer Ato Sem Perdão, adaptação de duas Antígonas, de Sófocles e de Anouilh, por Millôr Fernandes e direção de José Renato, com o Grupo União. A temporada foi no Teatro Itália. Nos intervalos das montagens, eu fazia freelances para revistas e fascículos da Editora Abril e para outros veículos, como a Revista Senhor, segunda fase, Revista Fatos e Fotos. E voltava para o teatro: desta vez, para fazer outra tragédia grega: Medéa, de Eurípedes, com Cleide Yáconis no papel principal, também no Teatro Anchieta e temporadas em Curitiba, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Brasília, onde, me lembro, pedi substituição e parei a minha carreira de atriz. Fiquei só no jornalismo. O pessoal de teatro me perguntou durante dez anos, quando eu voltaria. Eu não voltei, aliás, fiz bem mais tarde, em 1990, uma participação numa peça que fez parte do Primeiro Festival Internacional de Teatro de Campinas, como vou falar a seguir. Voltei na década de 70, para a Editora Abril, agora na Revista Escola que ajudei a formatar — ou seja, mais uma vez, estava participando da criação de um novo veículo. Aliás, diga-se, fiz isso outras vezes e adoro criar coisas novas. Na seqüência, trabalhei como freelancer em Mestres da Música Universal, Suplemento Cultura de O Estado de S.Paulo, Folha de São Paulo, Leia Livros, DO Leitura, Revista Senhor, Fatos e Fotos, Revista Círculo do Livro, Gazeta Mercantil, Jornal da Tarde, Última Hora,  IstoÉ, Ele e Ela, Manchete, Etiqueta Moda Profissional, Revista Artes, Revista Visão, inclusive, uma matéria de capa — "A Família Está na Moda" —, que foi reproduzida pela Seleções do Reader's Digest e publicada em 19 países da Europa e Estados Unidos. Foi a minha primeira matéria publicada no exterior. Eu fazia, portanto, matérias de capa como freelance, o que não é muito comum: editores só permitem isso, quando têm muita confiança na pessoa em questão.

 

Recebendo o Prêmio Revelação de Atriz, da Associação de Críticos do Estado de São Paulo  

 

 

LA — Sei que você trabalhou na TV Cultura, no início dela. O que fez lá?

 

AL — Trabalhei no começo da TV Cultura, como jornalista e atriz. Como atriz, fiz dois programas: Ator na Arena, dirigido pelo grande Ziembinski e um teleteatro: Natal na Praça, de Henry Gheon. Como jornalista, fui assistente de produção e apresentadora do programa Semanário das Artes, que depois se chamou Em Cartaz e é o atual Metrópolis. Na Rede Globo, fui pesquisadora de arte da novela Os Gigantes, de Lauro César Muniz. Voltei a morar em Campinas, em 1978, mas continuei trabalhando em São Paulo, até que em 1980/1981, fui convidada para ser Editora de Lazer e Cultura de um jornal recém-lançado, chamado Jornal de Hoje, atualmente extinto. O diretor era um daqueles "cobras" citados acima: José Hamilton Ribeiro, com quem, aliás, eu me encontrava, às vezes, nos elevadores da Abril: eu começando a carreira, e ele já o grande Zé Hamilton, um dos fundadores da maravilhosa Realidade, que fez aquela famosa matéria no Vietnã, onde perdeu uma perna numa mina. E para não dizer que abandonei totalmente o teatro, em 1990, participei da peça Courage, baseada na Mãe Coragem, de Brecht, um work in progress, dirigido pelo Mauricio Paroni, do Piccollo Teatro de Millano, no 1º Festival Internacional de Teatro realizado em Campinas, e produzido pelo ator e produtor cultural Marcos Kaloi e Rafael Vasconcellos, meu irmão, que à época era Diretor dos Teatros de Campinas, e mais uma equipe maravilhosa de atores da Unicamp. Pena que tudo que é bom dura pouco, especialmente em Campinas, e o Festival parou por aí por falta de verba.

 


LA — Você disse que suas matérias sempre foram longas reportagens. Você considera que já fazia jornalismo literário, naquela época?

 

AL — Na verdade, minhas matérias sempre foram uma espécie de ensaio-reportagem. Mas sabe que nunca usei também o termo "jornalismo literário" e nunca ouvi isso de nenhum daqueles jornalistas com quem trabalhei na Editora Abril e em outros jornais e revistas? Hoje em dia o pessoal usa muito este conceito, mas eu não uso, eu falo que faço matérias de arte e cultura. Aliás, agora há cursos de especialização em Jornalismo Literário, iniciado pelo Truman Capote e Gay Talese, os dois norte-americanos que ficaram famosos justamente por inaugurar o chamado new journalism (Clique aqui e leia mais sobre o assunto). Enfim, o jornalismo literário hoje parece que está na crista da onda, mas nós já o fazíamos há muito tempo.

 

LA — Você escreveu no seu blogue, que está preparando um pré-roteiro de uma História do Teatro Brasileiro. Em que consiste este projeto?

 

AL — Sabe, Luiz Alberto, este projeto está devidamente parado há anos. Mas é verdade que ele está esboçado e já tem um pré-roteiro e um belo material escrito. Ele pretende ser uma panorâmica do teatro brasileiro e é mesmo, reconheço, um projeto temerário, que envolve uma equipe e uma verba considerável, já que meu objetivo é fazer um mapeamento de tudo o que se escreveu até agora sobre o assunto. Na verdade, este projeto foi uma idéia minha para o Sérgio Viotti, quando ele era diretor da Rádio Cultura e eu trabalhava na TV Cultura. Inicialmente, pensei numa história do teatro brasileiro, evidentemente, baseada nos livros que tínhamos até então dos historiadores e críticos do teatro nacional, como Sábato Magaldi e Décio de Almeida Prado, entre outros críticos de literatura, com o seguinte esquema: localizaríamos o período histórico, começando por Anchieta e encenaríamos cenas das peças dos autores mais importantes de cada época. Comecei a escrever o projeto, ele me deu carta branca, mas logo foi arquivado por falta de verba. Depois de muitos anos, retomei a idéia e, a essa altura, já havia muita gente escrevendo história de grupos de teatro pelo Brasil, o Sábato Magaldi e o Décio de Almeida Prado haviam lançado outros textos, havia livros de atores e diretores de teatro, contando suas vivências em grupos famosos como o Oficina; havia textos sobre o teatro de Antunes Filho, Flavio Rangel, etc., enfim, o panorama já era mais promissor em termos de material. E continuei escrevendo, agora pensando em CDs com cenas de peças representadas, para ilustrar a história de cada período. Bem, agora com a internet, acho que este projeto, se houver mais gente interessada, lógico, fica muito mais viável, já que os recursos ficaram infinitos em termos de pesquisa e possibilidade de variadas técnicas — vídeo, recuperação de arquivos danificados, etc. Enfim, quem estiver interessado e for um especialista em teatro, se quiser, pode se comunicar comigo.

 

LA — Você acabou de concluir um livro sobre a Hilda Hilst. Fale um pouco a respeito desta obra.

 

AL — Por incrível que pareça não fui eu quem teve a idéia do livro, meu terapeuta foi quem a sugeriu, já que ele é uma pessoa muito culta, lê muito e é também muito sensitivo. Ele me disse: "Ana, você tem que escrever um livro sobre a Hilda. Campinas deve isso a ela". Eu levei um choque, porque mesmo tendo sido amiga dela — convivi com a Hilda no auge da sua vida, carreira — e tendo entrevistado-a várias vezes ao longo deste tempo, sentia que a responsabilidade era muito grande. E, digamos, se não fosse esse empurrão, eu acho que não teria ousado. De qualquer modo, quando aceitei a sugestão, não comecei a escrever do nada, mas a partir de trinta páginas que eu já tinha e que era um longo perfil, que eu ia atualizando. Este perfil, que afinal virou um ensaio, está publicado no Cronópios — Literatura e Arte no Plural, e pode ser lido aqui. Veja que interessante: de todos os perfis que escrevi, este era o único que eu atualizava com o passar do tempo. Aliás, vejo nisso aí a mão de Deus, porque eu conheci a Hilda em 1967/1968, quando o "Grupo Rotunda" ia montar uma peça dela, As Aves da Noite, que não aconteceu por vários motivos. Na seqüência eu continuei a freqüentar a Casa do Sol, pelas afinidades que tinha com a Hilda e com sua obra, que acho deslumbrante: lia tudo o que ela escrevia, às vezes, em primeira mão.

 

LA — Por favor, fale-me mais especificamente sobre o quê o livro vai tratar.

 

AL — No livro, estou contando a minha vivência com ela na Casa do Sol, e com os amigos que a freqüentavam, enfim, começo na primeira pessoa e vou contando desde que a conheci, até a sua morte, conduzindo o leitor para dentro da Casa e para dentro da obra da Hilda, citando muitos críticos, os antigos e os atuais, e também citando-a bastante, não apenas em entrevistas concedidas a mim, mas a outros  jornalistas, ao longo desses 40 anos. A idéia dessa história de conduzir o leitor para dentro da casa do Sol e da sua obra foi inspirada numa matéria minha mesmo — um perfil que fiz dela para o DO Leitura, o Suplemento de Cultura do Diário Oficial, que foi em certa época dirigido por um editor amigo, com quem eu trabalhara na Revista Escola e que adora a Hilda: o Wladimir Araújo. Também cito-a, falando do seu processo criativo inovador e inédito, já que nas minhas entrevistas e perfis eu fazia e faço isso: trabalho os processos criativos. Assim eu falo na primeira pessoa, mas faço uma panorâmica da obra dela, com muitas citações também dos seus livros, tanto os poemas quanto a prosa, que é teatral e que faz as delícias de diretores e atores. Daí, que entrevistei também diretores e atores que fizeram espetáculos sobre seus livros de prosa. Enfim, acho que o livro vai ser uma referência para quem não a conhece, e também para os que amam sua obra esplendorosa, porque há coisas ali inéditas e é mesmo uma amostra do seu trabalho. Na verdade, faço uma tentativa de ajudar o leitor a lê-la, decodificando, digamos assim, seu processo criativo, falando como ela criava seus livros considerados difíceis, intrincados, herméticos. Porque a Hilda é um oceano, e a cada dia surgem novos artigos sobre ela. Agora ela virou moda e há dezenas de pessoas interessadas na sua obra, graças a Deus.

 

LA — Você começou a escrever quando? E como foi o processo? Imagino que tenha sido difícil, sendo a Hilda Hilst uma escritora nada fácil.

 

AL — Comecei o livro no dia 5 de fevereiro de 2005, ou seja, um dia depois da missa de um ano que ajudei a articular na Casa do Sol e como te disse, parti de trinta páginas, que foram a base das minhas palestras sobre ela, logo depois da sua morte. Como estava mergulhada em outro tipo de literatura — em livros sobre espiritualidade —, tive que ler obras dela que não havia lido, sem contar dezenas de artigos escritos nos últimos dez anos e ajudar a organizar exposições, emprestando material para elas, inclusive, os originais do famoso e controvertido O Caderno Rosa de Lori Lamby, que ela me deu. Na verdade, depois de ter convivido durante anos com ela e todo o pessoal maravilhoso que freqüentava a Casa do Sol, em 1986, fui para o Rio, morei um tempo lá, voltei para São Paulo, mas não perdia o contato com alguns amigos nossos, que viviam em São Paulo: José Luis Mora Fuentes, escritor e artista plástico, e sua mulher, Olga Bilenki. Ou seja, perdi um pouco o contato com a Hilda, mas em 1990, voltei a freqüentar a sua casa com o compositor de música erudita contemporânea, seu primo, José Antônio de Almeida Prado, que foi a pessoa que teve influência nesta minha volta a Deus, que começara em São Paulo, em 1986. Foi ele quem me emprestou o livro que trouxera da Europa, Je Vois La Vierge, que comecei a traduzir, já inspirada pela Virgem. Comecei a me afastar de algumas coisas, já estava entrando noutro canal. Mas esta história conto depois, se quiser.

 


LA — Você está engajada num projeto de manutenção da Casa do Sol. Afinal, o que é este projeto?

 

AL — Digamos que estou ligada de coração, já que meu nome consta dentre os fundadores da Instituição Casa do Sol Viva, e pelo fato de ter participado, logo depois da morte de Hilda, de alguns eventos como palestras, depoimentos, ajudando a articular a missa de um ano, que foi maravilhosa, mágica, debaixo da figueira que ela tanto amava, enfim, como te disse, emprestando material dos meus arquivos pessoais, para exposições que foram realizadas depois. Posso citar, entre elas, uma que aconteceu no CEDAE (Centro de Documentação Alexandre Eulálio), onde está todo seu acervo e que se chamou justamente O Caderno Rosa de Hilda Hilst, para a qual, emprestei matérias importantes e o famoso original de O Caderno Rosa de Lori Lamby, que ganhei da Hilda. Ajudei ainda a orientar uma atriz que ia fazer um conto dela, para um evento realizado no Centro Cultural da CPFL/Campinas, entre outras coisas, como fornecer material e dar muitas entrevistas para estudantes de Jornalismo, Letras, fazendo seus TCCs ou teses de mestrado mesmo. Atualmente, estou mais ocupada em editar o livro, que é uma empreitada nada fácil. Mas sei que o Mora Fuentes e a Olga Bilenki estão mandando projetos para várias entidades, enfim, buscando recursos para reformar a Casa do Sol, para começar a tocar os projetos que se pretende desenvolver lá, que são cursos, palestras, e a construção de um pequeno teatro, para encenações de obras da Hilda, entre outras atividades.

 

LA — Você teve uma estreita amizade com Hilda Hilst. Como está a receptividade e a expectativa acerca do seu livro sobre ela?

 

AL — Bem grande, posso dizer, pelo menos entre os aficionados da obra da Hilda, que a cada ano cresce e isso, muito em função da net. Há, graças a Deus, centenas de jovens hoje, que estão se identificando muito com seus poemas, sua prosa, que era já inovadora, mas algo restrita a um grupo de iniciados, não por vontade dela nem de ninguém — apenas isso ocorria, lamentavelmente. Sei de muita gente que está esperando ansiosamente a saída do livro, eu, inclusive. Só preciso de uma editora.

   Em sua casa, setembro de 2007 

 

 

LA — Nota-se que você é inquieta e estou sabendo que está escrevendo vários livros na área de espiritualidade. Fale um pouco desse trabalho.

 

AL — Na verdade, vejo assim: Deus me deu muitos dons e eu vou tentando administrá-los. Não sei se consigo a contento (risadas), mas estou tentando. Daí, que estou escrevendo dois livros na área de espiritualidade: um sobre as aparições da Virgem Maria, ao longo da história da humanidade e outro, que é, na verdade, uma compilação de três grandes revelações de Jesus e Maria, dadas a três modernas profetas: Madalena Aumont, Vassula Ryden e Je Ne Sui Rien. Já estou publicando o livro sobre as aparições da Virgem, em série, no portal da Maytê, que pode ser lido aqui. Pretendo começar a publicar o livro das Revelações logo, mas se os leitores quiserem saber algo sobre o assunto, podem acessar os links de algumas matérias que escrevi sobre o Primeiro Encontro de A Verdadeira Vida em Deus, ocorrido em Joinville, em 2001, um pouco depois da queda das duas torres gêmeas, que está publicado no site da Vassula Ryden e pode ser lido aqui.

 

LA — Você possui um blogue — o Sal da Terra Luz do Mundo —, que está desativado. Qual a proposta deste blogue?

 

AL — Na verdade, minha idéia, há anos, era fazer uma revista no papel, para cobrir arte e cultura em Campinas, mas enquanto isso não acontecia, eu, no meio tempo, fiz mestrado na Unicamp, comecei a trabalhar naquele roteiro de uma história do teatro brasileiro, sobre o qual falei, que precisa de uma equipe de especialistas para ser viabilizado e uma verba considerável. E sempre que tinha disponibilidade e a coisa, digamos, me interessava, eu escrevia matérias e assim, fui ficando com um acervo de artigos importantes de arte e cultura. Daí, que agora, comecei a entrar neste mundo novo que é a net. Com a ajuda de pessoas que nem conheço, comecei a colocar no ar um blogue chamado "Sal da Terra Luz do Mundo" e adorei trabalhar neste novo veículo. Fiz isso para desovar minhas matérias, já que elas não podiam ficar aqui no meu computador, precisavam ser dadas a luz, certo? Atualmente, continuo publicando matérias inéditas e outras já publicadas em diferentes veículos de São Paulo, devidamente atualizados, em três sites importantes: Agulha, Cronópios — Literatura e Arte no Plural, e Germina — Revista de Literatura e Arte. Além disso, tenho uma página no Jornal de Poesia, do Soares Feitosa.

 


LA — A Internet tem contribuído para a difusão das artes, tem contribuído para o seu trabalho?

 

AL — Eu acredito que a internet tem um papel muitíssimo importante na divulgação das artes e de tudo o que se relaciona à cultura, apesar dos pesares. Vejo mesmo a net como a nova mídia que veio para ficar e onde textos de todas as áreas do conhecimento humano podem ser publicados com uma rapidez jamais vista. Vejo que há, a cada fração de segundos, uma nova ferramenta, um novo software, que permite a divulgação de todas as artes: as plásticas, a música, o teatro, cinema, literatura, de forma maravilhosa. E tem sido mesmo o lugar, só para usar o termo em português, onde poetas, escritores, jornalistas, que estavam, digamos, fora do mercado, podem divulgar e tornar conhecidos seus trabalhos, e isso em nível planetário, o que é superimportante. E ainda: vejo a cada dia surgirem novos sites com colaboradores maravilhosos, poetas, escritores, designers, músicos, como nunca talvez tenha visto em toda a minha vida e que, graças à internet, podem ficar visíveis para all the world. Tenho conhecido artistas maravilhosos nesses últimos anos.

 

LA — Quais os projetos, além dos que já conversamos aqui, você ainda tem por realizar? Você poderia falar agora do seu lado religioso. Sempre foi religiosa? Você falou em conversão, em volta à sua igreja de origem. Poderia contar isso? 

 

AL — Olha, Luiz Alberto, pretendo terminar minhas peças, encenar as prontas, e continuar escrevendo minhas matérias. Adoro fazer entrevistas e não descartei ainda a idéia de publicar meus perfis e entrevistas em livros, em vários volumes. E sobre a questão da espiritualidade é o seguinte: sempre fui super-religiosa, nasci na Igreja Católica, afastei-me dela aos 15 anos, muito precoce, contestei a Igreja, já estudava política e outras religiões, mas continuava sendo uma pessoa ligada em filosofia, mística mesmo. Aos 40 anos, depois de ter passado por Teosofia, Rosa Cruz, e outras, e estudado um pouco as religiões orientais, voltei para a Igreja Católica e então mergulhei fundo, já começando a estudar as aparições da Virgem, e entrando pela porta da renovação carismática, porque sou daquelas que tem moções espirituais. Na verdade, por que você acha que tive tanta afinidade com a Hilda? Porque ela era ligadíssima em Deus, estudava religiões, experiências fora do corpo, etc. Enfim, desde que voltei, meus dons se revelaram, sendo que sou uma chamada "intercessora" — aquela pessoa que reza pelas outras —, e hoje em dia, rezo pela humanidade. Porque você vai num crescendo, e Deus vai te dando tarefas cada vez mais difíceis, ou seja, estou — estamos, não é? todos os que foram chamados para esta tarefa nesses tempos —, rezando pela conversão das pessoas que estão, segundo Jesus fala nas revelações, que estou estudando, às portas do inferno ou no pré-inferno. Isso pode parecer muito terrível e trágico, mas infelizmente trágica está a situação brasileira e mundial, não é mesmo? Há, no momento, uma visível perda da dignidade humana, uma deformação dos costumes, uma falta de respeito dos políticos pelo povo, tão absurda e tenebrosa, como jamais podíamos imaginar que ocorresse. E tudo isso é sinal dos tempos. Ou seja, tudo isso pode ser revertido, se a humanidade voltar-se para o seu Criador. Aí sim, teríamos o paraíso na Terra.

 

 

 
 
setembro, 2007
 
 
 
 
 
 

Ana Lúcia Vasconcelos é licenciada em Ciências Políticas e Sociais pela PUC de Campinas, com mestrado em Filosofia de Educação pela Unicamp. Como atriz e jornalista, atuou em Campinas e São Paulo, tendo trabalhado em vários veículos da Editora Abril: Grandes Personagens da Nossa História, Música Popular, Mestres da Música Universal, Revista Escola, Enciclopédia Abril, Revista Nova, Cláudia Moda, Revista Pop. Como free-lancer trabalhou em dezenas de jornais e revistas: Suplemento Cultura de O Estado de S.Paulo, IstoÉ, Shopping News, Revista Artes, Leia Livros, Folha de São Paulo, DO Leitura, Etiqueta Moda Profissional, Revista Visão (inclusive, uma capa que foi reproduzida na  Seleções do Reader's Digest em 19 países da Europa e Estados Unidos) e vários house organs. Foi editora de um jornal de Campinas que já não existe: Jornal de Hoje. Escreveu no Diário do Povo e Correio Popular, Revista Vívere, Jornal de Domingo, City News, entre outros desta cidade. Na televisão, foi assistente de produção e apresentadora do programa Semanário das Artes, que depois passou a se chamar Em Cartaz e é o atual Metrópolis, da TV Cultura. Participou como atriz do programa Ator na Arena, dirigido por Ziembinski, e da peça Natal na Praça, de Henry Ghèon, na TV Cultura de São Paulo. Foi pesquisadora de Arte da novela Os Gigantes, de Lauro César Muniz, na Rede Globo de Televisão. Atuou ainda como produtora e apresentadora do programa Ponto de Vista, da TV Thathi, da Rede Manchete de Campinas, em 1995.

 

 
 

Luiz Alberto Machado. Poeta, escritor, compositor musical e autor teatral pernambucano. Editor do Guia de Poesia do Projeto SobreSites, escreve regularmente para jornais, revistas, alternativos, além de blogues, sites e portais da internet. Já publicou 6 livros de poesias, 5 infantis, 2 de crônicas e tem vários textos publicados em veículos impressos e virtuais do Brasil e exterior. Parte de seu trabalho está reunido em seu site: www.luizalbertomachado.com.br.

Mais Luiz Alberto Machado em Germina
>
Poemas