Rodrigo Leão – Gabriela
Marcondes, para que serve a poesia?
Gabriela Marcondes
- A
poesia serve para ir além, encantar, transcender. Ela é capaz de fundir
sons, imagens, sensações, realidades, permitir tornar real o que
sonhamos sem precisar que estes sonhos aconteçam. Aliás, eles acontecem
poeticamente. Pela característica de concentrar, condensar, vejo a
poesia como uma espécie de cápsula de encantamento. Quem não precisa
disso? Rimbaud tem uma definição linda que diz: "...poesia é fixar
vertigens".
RL - Que influência você
tem da poesia concreta?
GM - A poesia concreta no
Brasil surgiu nos anos 50 como uma nova estrutura, uma nova condição de
realidade visual, rítmica, sonora. Antes disso Mallarmé já tinha
apontado o caminho e lançado seus dados. A poesia concreta chega unindo
elementos do cotidiano, do cinema, da música e de certo modo
"populariza" a poesia. Nela a palavra não é apenas a forma, o veículo, o
poeta concreto vai ao cerne de cada letra para torná-la viva, dinâmica,
a palavra torna-se o centro e cetro do poema. Penso que grande parte dos
poetas de hoje em dia tem alguma influência, seja maior ou menor, desse
movimento que modificou o caminho da poesia brasileira. No meu trabalho
ela tem uma grande importância, basta ver o meu livro, metade dele é
composto de poemas de grande apelo imagético. Acho que isso talvez venha
da imensa exposição visual da minha geração e de um certo hibridismo e
fusão entre as artes que acontece atualmente e, particularmente, dentro
da minha história.
RL - Qual a diferença
entre poesia visual e poesia concreta?
GM – Há uma confusão entre as
duas, porque ambas têm um apelo à imagem muito forte. Mas a poesia
visual nem sempre se utiliza da palavra, ela passa sua mensagem pela
imagem, tendo ela caracteres tipográficos ou não. Na poesia concreta a
palavra está sempre presente, fragmentada, fundida, reinventada, mas
está lá. No entanto, acho que cada vez mais a poesia vem ganhando outros
espaços e ainda é prematuro dizer se necessariamente essas
classificações em alguns pontos vão confluir ou
não.
RL - Existe poesia
pós-moderna ou o modernismo é eterno e abrange a
pós-modernidade?
GM - Acho essa questão de
dividir e enquadrar as épocas, complicada. Na verdade, às vezes,
acredito que a pós-modernidade não existe e em outros momentos ela se
faz extremamente presente. Por vezes chego a me identificar com essa
possível pos-modernidade, que se existe, com certeza tem na fusão e na
confusão um pilar. Como disse Gilberto Telles de Mendonça: "Se existe
poesia pós-moderna ela é misturar, remixar e dar origem a
algo".
RL - Com quantas metáforas
se faz um poema?
GM - Uma, cinco, trinta,
nenhuma, não existe número certo. Poema se faz por poetas e não por
metáforas.
RL - Você é angustiada por
alguma influência à moda Harold Bloom?
GM - Harold bloom fala de uma
angústia, de uma dificuldade de criar um novo estilo, quando já se está
impregnado de outros poetas ou escritores. Acho que muitas vezes sou
acometida dessa angústia, mas é ela também que me impulsiona na busca de
novos caminhos poéticos. Por falar em influências, elas são muitas:
Haroldo Campos, Pignatari, Ana Cristina César, Pessoa, Cecília,
Drummond, Leminski e me meto a falar também em não poetas como Guimarães
Rosa, Cortázar, Borges. Recentemente, ando lendo Horácio Costa, Herberto
Helder e Claudia Roquette-Pinto.
RL - É possível se viver
de literatura no Brasil? Quem é o escritor
brasileiro?
GM - Acho que viver de
literatura no Brasil ainda é para poucos. O escritor brasileiro é
múltiplo, assim como o Brasil, mas antes de tudo é um guerreiro, porque
não é fácil. A internet chegou para facilitar um pouco, permitindo a
possível divulgação da obra, acesso ao público e contatos entre
escritores que há tempos seriam quase impossíveis.
RL - Você considera a sua
poesia uma poesia de invenção?
GM - Acredito que toda poesia
deva ser de invenção. Concordo com e.e. cummings quando ele diz que o
poeta é "alguém que é obcecado pelo fazer". Poesia é se reinventar
sempre, a cada poema. A procura por novos caminhos é sempre constante, a
ânsia por um novo olhar sobre as coisas na busca do lado ainda não
visto. Ou nas palavras de Décio Pignatari: "Todo poema autêntico é uma
aventura (...) Agora o poeta é um turista exilado, que atirou ao mar o
seu último Baedeker. Algo assim como — salve-se quem puder. Como
sempre foi". Para mim poesia é make it new, nos mil e um desdobramentos
que isso possa ter.
RL - Tem algum
mote?
GM - Mote é tudo que
move.
RL - Qual o papel do
escritor na sociedade?
GM - O papel do escritor é
escrever. "Somente renovando a língua, podemos renovar o mundo",
Guimarães Rosa. Para mim, a função principal do escritor é permitir que
possamos viver não só no presente, mas também no passado e no futuro. O
escritor é um transversal, viajante do tempo. Ele tem a possibilidade de
manter vivos outros tempos e espaços através da palavra. A arte é capaz
de oferecer outros tempos, de levar para outros lugares, libertar de uma
vida, de uma realidade, abrir os tempos e as possibilidades.
Escrever também tem muito de guardar, registrar realidades ou sonhos.
Lembro agora do filme do Truffaut, Farenheit 451, onde todos os
livros são queimados e cada pessoa é designada a ler e decorar um livro,
para que este não acabe, cada pessoa se torna um livro, para que este
não morra. Essa necessidade de perpetuar, de eternizar uma história, é
também função do escritor. Acho esse filme uma grande declaração de amor
do cinema à literatura, mostrando uma preocupação com os caminhos dos
dois, que eu particularmente acho que poderiam estar mais
interligados.
