Wilmar Silva - Começo: pode falar sobre a sua infância em João Pessoa ao lado da mãe?

 

Babilak Bah - Minha infância se deu de forma simples, permeado de muitas carências, qual a maioria das crianças nordestinas, sou filho de mãe solteira, doméstica e analfabeta. Do seio desta mulher bebi o leite que me fez poeta; de sua boca ouvi os valores que nortearam minha vida: desejo de justiça, respeito ao ser humano e poder caminhar pela vida com dignidade.

 

 

WS -  Como descobriu a poesia em sua vida?

 

BB - Desde pequeno, gostava das palavras que escrevia nas paredes, assim foi ouvindo minha mãe que despertei para os versos. Ao passear pelas feiras nordestinas, quando menino, ficava enlouquecido com os emboladores de coco e os repentistas, então o meu primeiro contato foi com a dicção regional e a oralidade. na adolescência, tive a experiência de entrar numa biblioteca numa das casas que minha mãe trabalhava como empregada doméstica e me deparei com muitos livros, parecia um mundo encantado, de fantasias e loucuras, foi quando cometi o primeiro delito: me apropriei de maneira indébita de um livro da estante, na capa era escrito com letras garrafais em vermelho 'EU' de Augusto dos Anjos — esta experiência marcou profundamente minha vida, neste mesmo lugar conheci, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, outros modernistas e filósofos.

 

 

WS - E a experiência de viagens a Brasília, declamando ao ar livre em palanques nos anos 80?

 

BB - Nos anos 80 tive uma experiência com a poesia marginal bastante significativa para minha vida artística. Produzi dois livretos e viajei boa parte do Brasil declamando poemas e conhecendo meu país, foi uma experiência muito rica, uma época de desbravador, de persistência e de afirmação em busca da dignidade, descoberta de minha linguagem e de mim.

 

 

WS - Nordestino de origem: como desceu a Minas Gerais?

 

BB - NORDESTINO SIM, MAS O BRASIL É MINHA CIDADE. Cheguei aqui devido à inquietude, pelo desejo de conhecer novos lugares, porque o horizonte me pertence e o mundo é meu sonho de consumo.

 

 

WS - Mesmo poeta, a música e as experiências da voz definem seu trabalho em busca de que linguagem?

 

BB – Percorro querendo abraçar a vida, tenho sede de pessoas, de trocar experiências, de aprender sempre mais. A música e a poesia são suportes que me proporcionam viver e a interagir com o mundo, meu propósito é traduzir angústias.

 

 

WS - Também um artista de encontro a projetos de reflexão humana na periferia de Belo Horizonte: que é "Trem Tan Tan"?

 

BB - Um trabalho musical com pessoas portadoras de sofrimento psíquico, pessoas talentosas, humanamente ricas e muitas histórias e sofrimento para dar e vender, estas histórias estão no cd "Trem Tan Tan", um belo trabalho musical cheio de emoção e significação.

 

 

WS - Em busca de uma linguagem própria, "Enxadário" mistura invenção a uma herança erudita: fale sobre esses códigos práticos.

 

BB - O "Enxadário" é uma experiência rica, é um processo híbrido de teimosia e risco, seu funcionamento dá-se de forma aberta, querendo dialogar com as mais diferentes formas de conteúdos em matéria de música e expressões.

 

 

WS – "A cor da pele" é um problema ou um poema?

 

BB - Sou um artista e falo por signos, significo o que as pessoas menos dão valor. Sou do Brasil, um país multirracial, tenho origem afrodescente e todo cidadão bem informado sabe que vida de negro neste país não é nenhuma poesia.

 

 

WS: Há angústia de influência em Vôomiragem, seu livro de poemas de estréia em 2003?

 

BB - O Vôomiragem é fruto de uma percepção que anuncia uma ruptura com a forma romântica de um eu poético no mundo, este eu poético é minha própria percepção de mundo que desmorona, que cai por terra, que se esvai em vôo interiores, as angústias que você percebe, talvez aconteçam por motivos outros. Minha angústia é por este livro não ter causado nenhum impacto na cidade, nem uma crítica que dissesse que é uma poesia pelo menos de MEEEEEEEEEEEEERDA.

 

 

WS - E o inédito Corpografias, que margens se expandem do livro de estréia?

 

BB - Neste novo livro, debruço-me de outra forma, vamos dizer assim: profissional, busco outros resultados, vamos ver o que vai acontecer com as corpografias.

 

 

WS - A exemplo de Paul Valéry ao dizer que a poesia é "permanente hesitação entre som e sentido", que paralelos aproximam ou expandem os poemas em letras de música?

 

BB - Como disse anteriormente, meu contato com a palavra se deu com a cultura popular, com o repente e os emboladores de coco. No primeiro, a palavra vem pontilhada por uma viola, e no segundo, por pandeiros, causando excitação nos sentidos e embalando o corpo, meus textos provêm deste permanente encontro da palavra e sonoridades.

 

 

WS - Que poetas realmente foram os mentores de Babilak Bah?

 

BB - Posso dizer que não morro de amores por nenhum poeta ou escritor em especial, no entanto recebo influência de muitos artistas; me considero bastante promíscuo no meu fazer artístico... Tudo que chega às mãos é importante quando estou produzindo algo, não tenho critério ou sou guiado por ideologias. Faço de maneira compulsória. Agora, em relação a sua pergunta sobre os mentores, considero que as pessoas anônimas, loucas, me emocionam e humanizam, depositando um pouco mais de sangue na máquina de escrever.

 

 

WS - E os sujeitos da música que entram em suas linhas de vivência sonora?

 

BB - Sou influenciado por muitos universos sonoros e personalidades do mundo da música que é impossível enumerar. Mas considero primordiais os primeiros contatos que obtive durante a minha infância, por exemplo, dançando quadrilha, vivenciei um sanfoneiro, uma zabumba e um triângulo, dentro desta triangulação sonora e sincrética há muita riqueza de sentidos e peculiaridades, depois com o passar do tempo vieram os acréscimos.

 

 

WS - Pode falar sobre Tom no cenário da música popular brasileira, a propósito de uma fotografia exposta em sua casa em que aparecem vocês dois juntos?

 

BB - Creio que qualquer fala minha sobre Tom não acrescenta em nada, vejo um provocador, uma outra corrente do tropicalismo.

 

 

WS - A exemplo do controverso e polêmico músico africano Fela Kuti, ao fazer de sua música um manifesto em defesa de sua origem e raça, o que diz sobre essas experiências que colocam a pessoa no centro de suas condições enquanto sujeito e artista?

 

BB - Fela Kuti, o mais importante músico africano dos anos 70, visionário, contestador e militante dos direitos dos negros, sua arte é atual, fortíssima e verdadeira. VIVA FELA KUTI.

 

 

WS - Como foi realizar a performance Desmarcado com poemas de João da Cruz e Sousa?

 

BB - Uma bela iniciativa do poeta Anelito de Oliveira, para a qual fui convidado junto com o poeta Wilmar Silva, foi riquíssimo adentrar no universo poético do poeta desterro.

 

 

WS - Como será a sua apresentação no projeto Terças Poéticas?

 

BB - Será uma performance, acompanhado do músico paraibano Valdo Lima do Vale, na qual privilegiarei a narrativa, ou seja, farei uma leitura de textos do livro Vôomiragem e anunciarei meu novo projeto poético que é o Corpografias sem transcorrer pelo universo percussivo ou enxadas.

 

 

WS - E a homenagem que prepara, ao lado de Dona Jandira, a Carolina Maria de Jesus?

 

BB - Uma homenagem para Carolina Maria de Jesus é mais que justa no tempo corrente; o propósito é provocar reflexão, levar o Brasil dos desvalidos para dentro do Palácio, tornar mais políticas as terças poéticas. Dona Jandira faz homenagem, ela é uma guerreira, uma diva deste Brasil que tem sede de justiça.

 

 

WS - Quando diz "o que sai da boca é o que se cria", o que pensa sobre a música performance dos rappers que nasce em confronto a uma oralidade que tanto pode revelar uma cultura como realizar uma denúncia de "ordem e progresso" político?

 

BB - Vejo o trabalho dos rappers de suma importância num país de muitas desigualdades, trabalho conscientizador e de criatividades, recentemente assistimos o trabalho belíssimo MV Bil, poético, jornalístico, multidisciplinar, que nos ensina a olhar para as nossas crianças da periferia brasileira.

 

 

WS - É possível ainda construir uma alquimia poética original ou original é praticar uma cola de bricolagens?

 

BB - Creio que para ser criador é necessário ser fiel às suas angústias, se é com brincos ou com colar de ametista não sei, não sei dar receitas para a criação, sei que o mundo e as relações humanas estão para serem revelados.

 

 

WS - O que falta para o artista Babilak Bah encontrar os ouvidos de que precisa para a sua música e os olhos de que precisa para a sua poesia e os sentidos de que precisa para a sua arte?

 

BB - Tenho mostrado meu trabalho para um bom número de pessoas, hoje circulo com mais facilidade pela cidade, percebo quemuito o que conquistar, portanto, trabalho com paciência e esmero.

 

 

WS - Paraibano como Augusto dos Anjos, "o que será da nação que suicida seus poetas"?

 

BB - Acumular, acumular e assistir ao mundo pegar fogo.

 

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Babilak Bah: Eu, Babilak Bah, iniciei minha trajetória artística com o teatro de rua, em 1985. Tive influência dos emboladores de coco, dos repentistas, do cenário musical nordestino, em particular o paraibano, com as intervenções do "Jaguaribe Carne". Desde então, venho realizando pesquisas pelo Brasil em busca do conhecimento da sua diversidade rítmica, tendo escolhido a cidade de Belo Horizonte para morar e consolidar meu trabalho. Em 1998, iniciei um trabalho de pesquisa percussiva e timbrística denominado "Enxadário: Orquestra de Enxadas", no qual, hoje, agrego minhas letras e composições. Entre outras conquistas, fui selecionado com duas composições na coletânea Rumos Itaú Cultural de 2005. Também coordeno oficinas de música com público diversos, em destaque na saúde mental com o grupo Trem Tan Tan, e já lancei três livros de poesia. Site: www.babilakbah.mus.br