Wilmar Silva - Sendo um rebelde por natureza, como foi o menino Luiz de Aquino Alves Neto, em Caldas Novas, GO?

 

Luiz de Aquino Alves Neto - Não era rebelde, ainda; nem traquinas (puxa, que palavra distante, no tempo...). Era inquieto, sim. Muito curioso, perguntava demais, aguardava respostas e, tal como ainda hoje, se não me satisfaziam, eu sonhava.

 

 

WS -  E a moradia de passagem ao Rio de Janeiro, o que ainda guarda da maravilha de São Sebastião?

 

LA - Ah, tudo! Imagino que a minha Caldas Novas, naquele começo de 1956, era restrita a pouco mais de um mil habitantes, na dita zona urbana. Urbana? Não tínhamos nada de urbano além do alinhamento das casas e da fiação de energia elétrica, que nos chegava a horas certas. O Rio de Janeiro começou a me chegar no campo de aviação de Caldas Novas, pelo avião militar em que viajei, de carona, até São Paulo. De lá, e no dia seguinte, segui pela Viação Cometa, sempre escoltado por duas tias, até o Rio. A Via Dutra só tinha uma pista, mas era asfaltada; Na Central do Brasil, o trem elétrico até Marechal Hermes... Tudo era novo! Novas eram, também, a emoção de estar na Capital da República (a cidade dos livros de História e da revista O Cruzeiro) e a sensação de vazio ante a primeira grande perda: naquele 10 de março, ao sair de casa, eu perdia as presenças de meus pais e irmãos. Mas, depois, vieram a escola primária onde me preparei para o Admissão, o grupo de escoteiros e, o mais importante, o Colégio Pedro II: começava a minha adolescência.

 

 

WS -  Como foi a estréia de O Cerco e Outros Casos, morando em definitivo na Goiânia de Goiás?

 

LA - O Cerco (1978) foi uma decorrência. Ele começou a ser concebido, penso eu, nos bancos do ginásio, nas aulas de redação da professora Maria Helena Silveira, do Colégio Pedro II. Em 1967, publiquei, no jornal O Anápolis, meu primeiro artigo. Ingênuo e assustado, aquele primeiro texto, saudando a cidade (morei em Anápolis por pouco mais de um ano) em seu aniversário de emancipação política. De volta a Goiânia, passei a colaborar com os jornais Folha de Goiás, O Popular e Cinco de Março. Artigos, crônicas, contos... A poesia, eu a produzia como vazão das emoções e experimentos de textos, sem coragem de expô-la, receoso de um julgamento crítico severo. Mas O Cerco demorou a sair, porque não era fácil publicar um livro: havia os custos (quase proibitivos) e a censura (ah, a censura era implicada com a forma poética: lembrava letra de música e aqueles censores (gente que lê, mas não entende) agiam por impulso, exibindo autoridade, mas experimentando um medo maior que o nosso). Em suma, O Cerco teve excelente aceitação, na época: esgotei os dois mil exemplares em menos de seis meses. Tal como hoje, não havia distribuição e o livro ficou praticamente restrito à região de Goiânia.

 

 

WS - A propósito, Luiz de Aquino, que diferenças entre Goiás do interior e Goiânia de Goiás?

 

LA - Imensas! Dizem que Goiânia é a caixa de ressonância de Goiás (interior); isso, em parte, é verdadeiro (aliás, nem todas as verdades são inteiras; só as sagradas). Mas Goiás do interior ainda se identifica pelo ambiente e comportamento humano das décadas passadas, e Goiânia reflete o intenso fluxo migratório gerado por sua fundação, primeiro; por Brasília, depois (e mais intensamente) e, hoje, pelos negócios de magnitude resultantes da expressiva produção do campo. Costumo dizer que Goiânia não é propriamente de goianos, mas de brasileiros vários.

 

 

WS - Mais que o nome, "Goiás", qual a importância da cultura de Goiás frente ao Brasil?

 

LA - Goiás é um nome bonito e misterioso. Como Sergipe, ou Acre, ou ainda Paraíba... Mas Goiás me sugere muitas dúvidas: a palavra é singular ou plural? É que encontramos as formas "o índio goiá", e por isso Goiás seria plural; e temos também registro de "os índios goiazes", o que nos sugere que o singular era goiaz. Houve um tempo em que se grafava o nome "Goyaz". Fica, então, a questão para ser (ainda) estudada, discutida, defendida, exposta e... não se chegar a lugar algum. Mas a nossa importância cultural frente ao país é igual à do Rio Grande do Sul, a da Bahia e de Pernambuco ou ainda Rio de Janeiro: tudo é muito importante. Entendemos, e isso não é novidade (nem favor), que Minas Gerais reúne em si uma das maiores riquezas culturais do país: Minas se simboliza pela literatura diversificada e rica de autores; Minas se simboliza pelo caipira lento e esperto, inteligente; Minas é o trem de ferro em movimento, a estação quase que estática, a fala mansa e abreviada de sílabas, de comida cheirosa e inesquecível; nós, os de Goiás, somos uma grande herança mineira, sem prejuízo de outras influências culturais. Quase que sem querer, temos como símbolos fortes o pequi, a guariroba e o cerrado, embora o pequi e a guariroba existam onde houver cerrado, e o cerrado se espalhe por todo o Centro-Oeste, significativa parte do Sudeste e do Nordeste. Mas é a Goiás que se referem o cerrado e o pequi. O Brasil enxerga Goiás nas músicas fáceis e de comercialização rápida das duplas sertanejas (que são uma invenção paulista, creio eu), porque as grandes gravadoras resolveram nos rotular assim; mas aqui se exerce toda a gama dos gêneros musicais, e com riquíssima intensidade, desde a MPB até a Música Contemporânea, passando pelo rock, pelas modinhas e até pelo riperrope (os do riperrope não gostam que eu escreva assim, mas tenho dificuldade em grafar ortografia estrangeira). Nossa literatura é rica de contistas e poetas; as atividades cênicas, seja em palcos ou no audiovisual, estão em notória expansão e as artes plásticas de Goiás têm também nomes de projeção internacional. Em suma, somos apenas 4 a 5% do Brasil, tanto em território quando em economia e população, mas nossa importância é igual a de qualquer Estado ou Região.

 

 

WS - Por que "Goiano só traz pepino", a exemplo de uma fala em seu livro Nossa gente, nossa história?

 

LA - A gíria está em desuso. Por "pepino" entenda-se "problema". Era a expressão preferida de um colega bancário (já falecido), carioca, gerente de negócios na agência do Banco do Estado de Goiás no Rio de Janeiro. Naturalmente, goianos em viagem ao Rio enviavam dinheiro a seu próprio favor, a ser sacado na única agência do banco na Cidade Maravilhosa; e o Botelho, esse colega, tinha prazer em pronunciar a frase, que se tornou uma referência constante: "Goiano só traz pepino".

 

 

WS – Deu no Jornal revela um humanista sensível ao mundo político. Como foi a experiência do escritor enquanto jornalista?

 

LA - Moço! Você agora tocou um ponto incômodo (rindo): não consigo assimilar a palavra "enquanto" no sentido que você a usa, aqui. Sou tão jornalista quanto escritor, mas a palavra "enquanto" atribui-me uma transição por essa atividade, da qual me orgulho tanto quanto da de professor, que exerci por pouco tempo, mas que vem a ser a minha formação acadêmica. Mas o importante é falarmos de Deu no jornal, não é? Vamos lá: o livro reúne dezessete entrevistas que realizei com personalidades goianas que, lá por 1993 e 94, andavam fora da mídia. Eram artistas, políticos, intelectuais e vultos populares. Listamos mais de quarenta nomes, eu e meu editor no Diário da Manhã, na época, o jornalista Jairo Rodrigues, mas só realizamos essas, porque a série foi bruscamente interrompida, por mudanças estruturais na empresa. Inspirei-me em Fernando Sabino e Pedro Bloch, dois entrevistadores geniais que, em lugar de publicar textos pasteurizados ou entrevistas pingue-pongue (perguntas e respostas), escreviam crônicas de excelente leitura. Eu quis fazer o mesmo, e fiz; e o fiz com a consciência de que, ao repeti-los, imprimiria o meu estilo, ou seja, não cometeria uma cópia ou plágio. Senti-me feliz em produzir aquela série, que, depois, reproduzi em livro. A propósito, recebi do poeta e jornalista Lau Siqueira um texto analítico desse livro, dando-o como de excelente técnica jornalística. Atribuo a isso a junção dos ofícios de escritor (especialmente de poeta) e de repórter para chegar ao ponto alcançado.

 

Mas vale registrar: o alvo que eu gostaria de ter atingido ignorou solenemente o meu livro: os cursos de jornalismo ou os interessados em História e Política de Goiás. Coisas que só se explicam pelo ciúme e pela rejeição do que nos é próximo, porque tenho consciência de que o material é bem escrito e interessante para se conhecer a realidade de Goiânia e, por extensão, de Goiás.

 

 

WA - Meus Poemas do Século XX apresenta uma antologia de Luiz de Aquino, contendo todos os poemas dos livros de poesia publicados entre 1983 e 1996. Falando por linguagem, em que língua Luiz de Aquino Alves Neto escreve?

 

LA - Sim, é uma coletânea, concebida para suprir a falta dos meus livros de poemas já esgotados. Gostei de tê-la feito, tanto quanto o que se refere a Deu no jornal. Mas você me pergunta em que língua escrevo? Ah... Escrevo em Língua Portuguesa, versão brasileira, segmento goianês. Ou, pelo menos, imagino que seja isso. Trato mesmo é de uma linguagem coloquial na versão escrita; ou de pitadas literárias no texto jornalístico; ou de praticidade jornalística na ficção da prosa em crônica ou conto (ainda não me atrevi a produzir romance), mas tenho consciência de que aplico uma linguagem íntima e sensual na poesia de amor. Com o tempo, isto é, a idade e a memória caminhando de mãos dadas, despi-me do rigor moral que me impedia de falar abertamente das sensações de pele e paixão na intimidade do ato sexual e das fantasias passionais.

 

 

WS - A exemplo do verso "Trouxe as mãos de plantar um pinho", que poesia há em Sarau (Edição do Autor: Goiânia, 2003), pensando na estréia do poeta com Sinais da Madrugada, 1983?

 

LA - Ah... Isso não vale! Você me pede para ser crítico de mim? Prefiro recorrer a Herondes Cezar, que me presenteou com um texto crítico, uma analogia dos meus livros Sinais da Madrugada e Razões da Semente e que usei como prefácio de Meus poemas do Século XX (a coletânea a que você se referiu, linha acima). Herondes escreveu: "O leitor do primeiro livro de Luiz de Aquino, Sinais da Madrugada (1983), que não acompanhou a evolução da obra do poeta certamente se surpreenderá com Razões da Semente (1996) (...). Treze anos depois e quatro trabalhos publicados no entremeio, houve grandes transformações", etc. Ele chega a afirmar que a minha sensibilidade, em 1996, era outra, e não a de 1983. Sarau, porém, só foi concebido depois (publiquei-o em 2003) e divide-se em três partes, como se fossem três livros, ou seja, três momentos distintos, entre si: "Passagens" traz efemeridades biográficas; "À mulher e seu feitiço" se faz de expressões de admiração e devoção, prazeres e dores; e, por fim, "Canto de véspera", um (quase) desabafo intimista, o afloramento de sensações, boas ou doridas, que mostram um poeta humano (há quem imagine que somos sonhadores fugazes, alheios ao quotidiano).

 

 

WS - Andando no Brasil para divulgar sua poesia, como foi participar do projeto Terças Poéticas nos jardins internos do Palácio das Artes em Belo Horizonte, Minas Gerais?

 

LA - Uma surpresa e tanto! Eu freqüentava, esporadicamente, Belo Horizonte, desde 1998. Centrava minha atenção numa relação de amizade das mais belas e saudáveis com Dênia Diniz de Freitas, bibliotecária e professora, coração grande e fértil. Mas não tinha contato com os escritores daí, e, confesso, ainda há em mim uma timidez goianíssima, um defeito crônico de estar oculto (Bernardo Élis referia-se sempre a esta timidez goiana). Mas em função das minhas ocorrências na Internet, como escriba, a jornalista e excelente poeta Ariadne Lima (anote: essa moça promete!) entrevistou-me para uma matéria veiculada na PQN, a revista de Robson Abreu. Por ela, tive contato com você e o poeta José Aloise Bahia. Vocês abriram-me a oportunidade de participar do Terças Poéticas. E isso, para minha maior alegria, ao lado do poeta Bruno Cattoni, carioca com os pés em Minas. Ora, sou goiano de nascimento, mas tenho fortes raízes em Minas (minha mãe é de Conquista, no Triângulo Mineiro; e um bisavô paterno, deslocou-se de seu berço, Bom Despacho, para a atual Pirenópolis, no Século XIX). Minas é o epicentro da boa literatura brasileira, que tem raízes espalhadas por todo o rincão pátrio; mas é de Minas que vêm o ouro e as letras de lei. Portanto, senti-me rico, feliz, agraciado... Foi um excelente momento para conhecer poetas das alterosas e estabelecer laços que, para maior alegria, já rendem novos frutos: vem aí Paranahyba... Ah, depois falamos nisso!

 

 

WS - As uvas, teus mamilos tenros (Edição do Autor: Goiânia, 2005), apresenta um autor na elegia do amor, o que pensa sobre a ecologia entre a árvore e o corpo?

 

LA - Ah, a árvore e o corpo! Isso me lembra um conto de Aidenor Aires, poeta e contista de Goiás, nascido em terras da Bahia: "A árvore do energúmeno". Mas não diria que há uma ecologia entre a árvore e o corpo, e sim uma simbiose, além da inevitável analogia: pernas que são caules; pés que são raízes (ainda que veículos) e braços galhos, mãos ramos e dedos folhas... Pode-se, bem, ir além, e ter a seiva vegetal por sangue, etc. Antes, eu escrevi um livro chamado Razões da Semente (já citado) que era para se chamar Motivos do Sêmen. Os pruridos de moralidade, os cuidados com a hipotética rejeição levaram-me à simbologia vegetal. Porque ainda há quem se choque quando se fala em esperma, mas todos ficam à vontade com a flor. Ora: a flor é o sexo das plantas; e o sexo, a flor da gente...

 

 

WS - Que miséria realmente incomoda a pessoa Luiz de Aquino Alves Neto a ponto de pensar que mesmo a poesia é um manjar para ninguém?

 

LA - Será que penso assim? Penso, sim; às vezes. Ou restringindo parte da sociedade; ou ainda fazendo chantagem emocional ante a força dos incautos, os que não sabem que poesia é essência de vida racional e sensível (aliás, só é humana a racionalidade que se une ao sensível; ou isso, ou o bicho sapiens se torna formiga, que é racional sem ser sensível). A miséria dos sentimentos incomoda-me, demais! A insensibilidade ante as angústias, a omissão ante as ânsias, o egoísmo ante o social; e, lamentavelmente, essa tem sido a tônica dominante entre os que detém o poder de política e economia. Triste! Essa miséria reflete a pobreza de espírito; e a pobreza é um mal galopante, se o "pobre" não se conscientizar de que é pobre em algo. Compete aos desprovidos da sorte a luta pela melhoria material; ao ignorante, a busca da luz do saber. Não agir nesse sentido é negar-se como criatura humana. Essa miséria me maltrata, sim!

 

 

WS - Pensando na origem dos deuses de Hesíodo, é possível ao poeta uma convergência rumo ao Olimpo?

 

LA -  Ah, eu também me perguntaria... Onde é o nosso Olimpo? Aquele, o de Hesíodo, perdeu-se como Pasárgada, ou Nínive, ou a Atlântida. Evocamos deuses e ninfas, falamos em musas... E estas, que eram apenas nove, hoje se multiplicam tanto que mesmo um só poeta costuma beber da fonte de dezenas de modernas deusas, carnais e olorosas, capazes de não só despertar a luxúria, mas a lira,a pena, o teclado dos vates hodiernos. Há esta sempre busca do verso perfeito, que, há alguns lustros, revestiam-se de uma forma de rigor, com métrica e tonicidade pré-estabelecidas em regras de estatuto. Hoje, voltamos à liberdade da essência de poesia. E poesia, penso eu, não é apenas um amontoado de palavras ordenadas e ornadas, com harmonia e beletrismo: poesia é, antes, a alma das artes. E aí, concluo que o nosso Olimpo, ainda que seja o mesmo, há de ter outro nome, igualmente escrito com inicial maiúscula: Poesia.

 

 

WS - Se pudesse salvar a humanidade dos pecados capitais, o que Luiz de Aquino faria, por exemplo, com o Brasil que assassina, impiedosamente, a árvore dos índios?

 

LA - Não diria que é o Brasil que assassina a árvores dos índios: a Humanidade assassinou as árvores dos bárbaros de Europa e Ásia (lembra Átila, o rei dos Hunos? Diziam que onde seu cavalo pisasse a grama não mais crescia). Os brancos colonos norte-americanos assassinaram, também, as árvores e rios dos índios; os espanhóis fizeram o mesmo... Enfim, colonizador é colonizador, e colonizador não rima com grandeza humanística, mas, sim, com conquista e dor. É a bandeira do ouro, da prata e das pedras a servir de mortalha aos povos incautos, os que permitem a invasão colonialista.

 

Mas sou brasileiro. E poeta, e jornalista, e educador e estudioso (ainda que, ultimamente, muito relapso) da Geografia. O que fazer com o Brasil? A primeira medida seria de cunho econômico, reorganizando a relação do homem (não falo do macho da espécie, mas do bicho sapiens) com o ambiente. Isso implicaria conter os fazendeiros do sul em seus pagos de origem, pois são eles os gafanhotos bípedes que destruíram o cerrado brasileiro e, agora, não se constrangem ao destruir a Amazônia. A Natureza está aí para ser usada, mas é do próprio conceito econômico, no conceito original (etimológico) da palavra, que não se explora sem se conter, sem preservar para o futuro. Mas é importantíssimo, também, preservamos a dignidade nacional: manter afastados os especuladores internacionais, ainda que por aqui aportem disfarçados de religiosos. Boa parte desses “missionários” de fala enrolada, católicos ou protestantes, não vêm ao Brasil para doutrinar as almas, mas para exercer a biopirataria e a pesquisa clandestina sobre nossos recursos minerais. Corrigir o Brasil antiecológico implica reorganizar os orçamentos públicos, erradicar a roubalheira e investir pesadamente em Educação e Cultura; o resto é conseqüência.

 

 

WS - O que pensa sobre a experiência de escrever em língua portuguesa no Brasil sem leituras?

 

LA - Pois é! Mais de 180 milhões de brasileiros, e ainda tiramos mil exemplares de livros... Nos anos de 1970 e 80, eu tirava sempre dois mil exemplares, e um dos meus livros, Menina dos Olhos, teve tiragem de três mil; hoje, os poetas tiram cem ou duzentos exemplares para testar o mercado e sempre se decepcionam; os livreiros fecharam questão contra nós: não se publica mais livro de poesia, a não ser de uns dez ou doze "eleitos" em todo o país! E, o que é pior: não aceitam distribuir os livros "independentes", publicados pelos poetas às suas próprias custas. A política de lista de livros para o vestibular estragou o ensino de literatura pela prática nas escolas de base e no ensino médio: antes, os alunos eram estimulados a ler pelo prazer de conhecer uma história ou compreender um poema; hoje, ninguém lê nada, e quando o faz é por obrigação. As listas de vestibular conduzem o estudante a ler, em um ano, doze livros que ele jamais viu antes; se passar, ele nunca mais quer ver um livro; se não passar, aí é que não lerá mais mesmo! Se isso não bastasse, o estudante de 10 anos de idade, esse que chega ao que antes chamávamos de ginasial, é obrigado a carregar nas costas uma mochila que pesa entre cinco e dez quilos de... livro! São livros que ele não abre em sala de aula, ou abre com enfado. Como se vê, a escola de base, no Brasil, está ensinando o estudante a odiar livros. Em suma: não é o texto que não agrada; é o objeto livro que repudia o aluno (entenda aí, por sujeito, tanto "objeto livro" quanto "aluno").

 

 

WS - E o espaço cibernético, Luiz, é uma terra de ninguém para ninguém ou um planeta de mesmo idioma?

 

LA - A Internet está para a transição do milênio como a prensa de Gutenberg para a virada do Século XV. Alguns escritores conservadores já me acusaram de modismo, por usar a Net. Respondo-lhes que, se vivessem no tempo de Gutenberg, continuariam a escrever com penas, em papiros. Existe muito lixo na Net, sim; e há uma nova geração, mais abusada e ignorante que os que já têm 30 anos (ou 61, como eu), a exercer uma escrita burra, omitindo vogais e inventando uma fonética totalmente sem nexo, em que a letra W, por exemplo, vale pelo som "ou"; assim, escrevem "flw" e querem que entendamos "falou". O terrível é que há professores de Língua e Literatura que defendem isso aí. Mas a rede internacional de computadores é mais um veículo de comunicação. A Internet estreita a relação geográfica, a baixo custo e de modo instantâneo. Nos anos de 1960 e 70, o telefone, que era o grande veículo de conversação à distância em tempo real, ainda operava linhas físicas de longa distância, mas já havia a transmissão por microondas; naquele tempo, um interurbano de Belo Horizonte para o Rio, por exemplo, tinha de ser agendado com a telefonista, que intermediava o contato.

 

 

WS - Adélia Prado em Minas Gerais, Cora Coralina em Goiás: poetas ou poetisas, Luiz de Aquino?

 

LA - Ambos. Os filólogos conservadores entendem que a forma correta do feminino é "poetisa", mas não só a atividade feminista, mas a liberdade poética e a adaptação à cadência fizeram com que Cecília Meireles se dissesse "poeta". Não vou contestá-la. As atividades feministas gostaram também de transformar a palavra "poeta" em "comum de dois". Acho que soa bem, não radicalizo. Radicalizo, sim, em me opor a "presidenta". No mais, e voltando ao termo, já há quem chame uma mulher que faz versos de "poetisa" com o sentido pejorativo. Não vejo sentido nisso.

 

 

WS - Que álibi expandiu Goiás em Tocantins?

 

LA - Não há um álibi, mas uma injustiça histórica cometida pela divisão territorial desde os tempos do Império. A parte norte, que hoje é Tocantins, teve a sua ocupação anterior à da parte sul, que se restringe a Goiás tal como o temos, hoje. As expedições do Padre Vieira chegaram ao antigo território goiano pelo norte (vale do Rio Tocantins); e as bandeiras do Anhangüera, pelo sul. Assim, historicamente somos diferentes, nunca houve aquela propalada união que nos dava num mesmo mapa. Mas a história, por uns tempos, se escreveu assim, dando Tocantins como o grande norte goiano. Por isso, é de justiça não só reconhecermos a necessidade da divisão (e olhe que lutei contra, hem; era apenas uma ação de defesa territorial). Os tocantinenses, agora, têm de volta seu território e exercem a plenitude de sua história; somos tão irmãos de Tocantins quanto de Minas (mais especialmente, do Triângulo Mineiro, que já foi Goiás); mas não há diferenças entre Goiás e o Triângulo.

 

 

WS - Quais os vinte melhores poetas vivos do Brasil?

 

LA - Olha, não conseguirei responder. E por uma razão básica: não conheço poetas brasileiros o bastante para selecionar vinte. Veja só, siô: somos 27 unidades federativas, todas com uma gama farta de bons poetas. Não tenho relações, por exemplo, no Nordeste, senão na Paraíba, e todos sabemos que o Nordeste é de poesia riquíssima. Do Norte, conheço apenas três ou quatro; do Sul, alguns poucos (mas conheço mais do que, por exemplo, do Rio de Janeiro e até mesmo de Belo Horizonte; dos Estados de Mato Grosso, conheço não mais que três...). Este país é um continente; eu teria dificuldades para enumerar os vinte de minha preferência em Goiânia, imagina no Brasil!

 

 

WS - Qual a melhor poeta brasileira de todos os tempos?

 

LA - Não gosto de "o mais" ou "o melhor". Gosto de muitas poet(is)as nacionais e, das contemporâneas, Hilda Hilst, Lya Luft, Ieda Schmaltz, Martha Medeiros, Marilda Confortim, Lílian Maial, Adélia Prado (apesar do pouco caso com que trata os que moram a Oeste de Minas, risos)... Veja: de Goiás, citei apenas a pernambucana Ieda porque já faleceu; se for citar as mulheres poetas de minha terra, as vivas, seria injusto por omissão.

 

 

WS - Por que Luiz de Aquino escreve poesia?

 

LA - Por prazer. Pelo desafio da síntese. Pela procura da forma mais bonita. Por acreditar que, num verso, pomos a nossa essência e nossos hormônios (como, de resto, pomos nossas crenças e nosso sangue nas demais formas da escrita). E por acreditar que a poesia é a forma dos que diferem dos comuns pelas características da poesia, ou seja: o poeta enxerga a alma das artes e das coisas; os "racionais" não conseguem escrever nada senão relatórios e atas. Por falar em atas: acredita que exista poeta incapaz de redigir uma ata? Eu conheço uma...

 

 

WS - Poesia é palavra, Luiz de Aquino?

 

LA - É, também. A poesia, como digo, é a alma das artes. Muitos poemas que se mostram ruins ao serem lidos tornam-se razoáveis, e até bons poemas, quando lidos com a capacidade interpretativa de bons atores, e algumas vezes até mesmo de locutores (ser locutor também implica arte, com uma admirável proximidade com os atores e cantores). E não é raro encontrarmos boa poesia diluída ou evidenciada em textos de prosa.

 

 

WS -  Quem é Luiz de Aquino Alves Neto?

 

LA - Apenas este sujeito que, ao lhe responder, definiu-se. 

 

___________________________________

Luiz de Aquino Alves Neto (Caldas Novas-GO, 15/09/45). Professor, jornalista, escritor de poemas, contos, crônicas e, ainda, autor de alguns milhares de ofícios comerciais e memorandos, dezendas de relatórios de balanços em banco, matérias jornalísticas de vários temas. Preguiçoso o bastante para ainda não ter escrito um romance (diz que temas não lhe faltam; o que falta é a ocasião de publicar). Gostou de tudo o que já fez a título de trabalho, mas não resiste a um convite para viagens (o que o contém mais em Goiânia, a crise financeira crônica, interminável). Casou-se algumas vezes, tem quatro filhos e um neto. Tem amigos, vários, de várias graduações. Escreve crônicas para o Diário da Manhã, de Goiânia, e para várias páginas da Internet. Tem um prazer enorme em conversar sem compromissos, mas com conteúdo; e de relacionar-se, pessoalmente ou pelos recursos da Internet, com escribas e leitores, nacionais ou não. Escreve o blogue Pena & Poesia.