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Promessas de Campanha ......Não poderia começar esta coluna, ou isso seria de qualquer forma
desonroso, se não mencionasse uma observação muito importante:
"Existe uma inversão de valores muito difundida segundo
a qual a introdução, o instrumental crítico, a bibliografia
são usados como cortina de fumaça para esconder aquilo que
o texto tem a dizer e que só pode dizer se o deixarmos falar
sem intermediários que pretendam saber mais do que ele".
Italo Calvino, num texto chamado "Por que ler os clássicos?".
......(1) A nossa história
(a desta coluna nova em folha e a de nós, leitores do século
XXI) poderia começar em algum estranho momento bem próximo
do século XIX na cabeça de um alemão que, diante do frio
e do tédio inescapáveis, tivesse a idéia de disciplinar
um método analítico para a literatura, uma arte nobre. Desse
dia fantasioso — mas não de todo inexistente — poderíamos
datar o início da medicina legal para um cadáver em particular:
a literatura.
..........Poesia não é senão ficção retórica posta em música. DANTE ALIGHIERI ..........Poesia é um tipo de matemática inspirada. EZRA POUND ..........Poesia é uma arte, porque tem leis. ISIDORO DE SEVILHA ..........Poesia é o que se perde na tradução. ROBERT FROST ..........Poesia: Criação Rítmica de Beleza. EDGAR ALLAN POE ..........Prosa — palavras em sua melhor ordem; ......Talvez ninguém possa ser poeta, ou sequer apreciar poesia, sem que seja meio demente. THOMAS BABINGTON, LORD MACAULAY ......Definições. Talvez Lord Macaulay estivesse certo
a respeito do "meio demente": o que faz com que alguém desista
da comunicação pura e simples para adotar estranhos padrões
em compor grupos de palavras? E o que diremos de quem lê
essas coisas? Vejamos.
......Posso exemplificar de um modo mui agradável,
com uma pequena história ilustrativa à maneira de "era uma
vez". ......— Trabalho? Você acha que se eu gostasse de trabalho estaria escrevendo poesia? ......Ela era famosa por esse tipo de dureza. Digamos
que a maneira de escrever de Nabokov, por exemplo, permitia
aproximações com algum tipo de coisa regular, pois ele acordava
e tinha o dia esquematizado à frente de uma máquina de escrever:
às seis, café da manhã; às sete e meia começamos a escrever;
meio-dia, pausa para o almoço, etc.
FALA Falo de agrestes de sangue Falo do que impede (de Teia, Geração Editorial)
......Muito maliciosamente, se diz que há mais críticos do que poetas e mais poetas do que leitores de poesia; além disso, se diz também que um dia chegaremos ao ponto de ter mais editores do que livros. Mas isso, como eu afirmei, é o que diz a malícia. Vejam, mais ou menos, o que consta no Registrum, de Hugo de Trimberg, (1280):
......A poesia provavelmente foi uma coisa importante
para sociedades do passado. Nós sabemos que moleques gregos
de doze anos que se considerassem bem educados tinham que
conhecer um bom punhado de versos da Odisséia de
cor; na corte espanhola do século dezessete seria uma vergonha
não entender um intrincado poema de Góngora; e Confúcio,
sobre as Odes: "Por que você não estuda as Odes?
Elas vão fazê-lo crescer, vão alimentar seu pensamento,
ensinar como fazer amigos, mostrar como se indignar, e vão
ajudar a lembrar os nomes de muitos pássaros, animais, plantas
e árvores".
......Título edificante. Significa o seguinte: decreta-se
a morte do verso, alguém faz um livro inteiro de versos
vivos. Decreta-se a morte da métrica regular, ela ressurge
num belo livro. Decreta-se que a poesia épica acabou no
século dezesseis, Derek Walcott escreve Omeros
no fim do século vinte. Define-se o que é o verso, alguém
faz o contrário, e é verso.
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