Cores

 

Teu azul,

Muito mais azul que o meu,

Sem pedir licença,

Entrou por minha janela branca

E azulou

Toda a minha sala

 

Mas teu azul

Em nada combina

Com meus móveis vermelhos

Então eis a dúvida:

Pintar as paredes ou trocar meus móveis?

 






La Luna

 

Vermelha

No céu de março

Deixa teus livros, teus jornais,

Vem pro terraço

E abre teu melhor vinho,

Que, cúmplice,

Ela nos brinda do espaço

 

Corre, que é curto o tempo,

A lua de sangue, meu amor,

Dura apenas um momento

E, em breve, muito breve,

Será só pensamento






Pitangueira

 

Durante muitos anos,

A pitangueira proveu-nos

Frutos, flores, sombra

E boas lembranças

De quando éramos crianças

E nos balançávamos nela

 

Durante muitos anos,

A pitangueira abrigou-nos

Com nossos sonhos, suspiros,

Beijos roubados e escondidos

 

Mas a casa, um dia,

Pareceu-nos pequena

Para tanta coisa

Era preciso reformá-la,

Ampliá-la

 

O erro da pitangueira

Foi estar no meio do caminho











Fé

 

Foi num dia de muita chuva

E pouco lugar pra me esconder,

Que o amigo olhou-me e disse:

Sigamos com calma e fé

A chuva não passou,

Tampouco se abrandou,

Mas, a partir dali,

Perdi o medo de me molhar






Pós-moderno

 

Incensar-te-ei

Num altar contemporâneo

Mas o que é ser pós-moderno,

Quando sequer nos descobrimos?






Vovô

 

Vovô me lembra um abacateiro

Que tínhamos no fundo do quintal

Cada vez que vinha um vento mais forte

Ou uma tempestade

Todo mundo pensava que o abacateiro ia cair

 

Passava o vento, passava a chuva,

E ele continuava lá,

Firme há tantas gerações,

E, vez por outra,

Ainda nos presenteava com algum abacate,

Embora dissessem que seu tronco estava oco

 

Foi num dia quente, sem vento algum,

E nem uma nuvem no céu

Que encontramos o abacateiro tombado

Como alguém que, muito cansado,

Já não conseguisse mais ficar de pé






A Montanha

 

Quando compramos aquele pedaço de chão pedregoso

E levamos anos na construção de uma casa modesta

Com tantos bons terrenos à nossa volta,

Ninguém entendeu muito bem.

O que não perceberam, meu Deus,

É que estávamos comprando

A montanha em frente











Reflexos

 

O vidro do meu carro,

Ora translúcido, ora embaçado,

Nada mais é, creia-me,

Que um espelho improvisado

 

Nesse espelho tortuoso

Há sempre tanta coisa refletida

Que, veja bem, já não mais sei

O que é sonho, o que é delírio, o que é vida






Perfume

 

Teu perfume doce,

Mistura de cravo e flor,

Nesta noite de lua preguiçosa

E ventos atrevidos,

Fez-me lembrar Barcelona

Pena que teu perfume

Venha de umas poucas gotas

No fundo de um frasco esquecido sobre a cômoda.






Travessura

 

No azul profundo de teus pensamentos

Plantei, faz anos, que travessura,

Pequena muda de tormentos

Que agora lança galhos nas alturas

 

Disseram-me que tuas rugas adquiridas,

Esse teu jeito curvado de andar

E tua cabeleira embranquecida

São fruto da árvore que fui plantar






Dúvida

 

Queria poder dizer-te,

Agora que vives imóvel em teu leito,

Quão bonito está o dia aqui fora

E então levar-te a passear

Por entre as serras

Que nos cercam, verdes neste tempo

 

Estamos na primavera

E por mais sutil que seja

A primavera aqui nestes trópicos

Há flores no caminho

Que leva à cachoeira

 

Mas perdeste a melhor parte de tua vida

Numa casa grande

Aonde as cortinas pesadas

Nunca deixavam entrar o sol

 

Se te acostumaste à penumbra,

Talvez já não sintas falta do sol

Mas também pode ser que lamentes

Tê-lo perdido por tanto tempo

 

Assim vislumbro, também imóvel, teu penar

Daqui de minha horta ensolarada,

Na cruel dúvida de que ao tentar fazer-te o bem

Possa dar-te uma última apunhalada.






(imagens ©megumi takamura)

 

 

 

 

Renata Pereira, mineira de Ouro Preto-MG, começou a escrever cedo, inspirada pela própria cidade, que tem atraído, ao longo dos séculos, tantos poetas. Jornalista pela Puc Minas e especialista em Comunicação Corporativa, vive hoje em Belo Horizonte, onde trabalha como redatora e finaliza seu primeiro livro, que reúne poemas escritos nos últimos dois anos e será lançado, em 2008, por editora independente.