Fratura
exposta (anomelivros, 2005) é um diálogo fecundo e de longa duração
com a poesia do decano Affonso Ávila. Mineiro de Formiga, morador da
Torre dos Azulejos, em Belo Horizonte, Jovino Machado "enfrenta
o silêncio se machucando com idéias" e, desassossegado, oferece aos
leitores um labirinto de metáforas (des)articuladas, sob o efeito da
intertextualidade e da paródia. Realiza fruições líricas num exercício
de confrontação sofisticado com o autor do Discurso da Difamação do
Poeta (Antologia, Coleção Palavra Poética, Summus Editorial,
1978).
A
técnica da iteração — muito comum nos discursos orais — santifica a
opção por um estado de espírito que preserva o grau de possibilidades e
ambigüidades ao mesmo tempo extremamente rico de sugestões e um
verdadeiro laboratório de experimentos sobre a construção de uma poesia.
É sintomático o apelo e a presença de verbos e substantivos expressivos
nas 50 estrofes de quatro versos por página.
Sem
pontos finais no seu conjunto, a sensibilidade diabólica realiza um
percurso de bem-aventurança somente alcançável no mundo dos lúcidos
loucos loquazes. Numa linguagem visceral, venenosa, vingativa e toda
sorte maculada — uma coleção de exclamações —, que sorve até a última
gota metafórica disponível e inebriante para conseguir exprimir em
palavras a sede enorme para estancar o sangue e a procura incessante do
autor em seu diálogo maior com ela, e não ele, A POESIA em pessoa. Que
nasce, "a poeta voava pelos telhados / sonhando com a capital da solidão
/ a primavera assassinava o inverno / no céu surgia um pedaço de lua
suja". E, "morre na quarta-feira de cinzas /a dançarina da ópera limpa
as feridas do sambista / que abraça a cuíca fatigada de chorar na pista
/ inventando uma nova estação chamada melancolia".
A
intempestiva criatividade desaloja o tempo do seu lugar. Em fluxo
contínuo, realiza um parto presente/passado com fórceps e incisões de
antíteses sutis. Inflamadas, permeiam imagens que faz lembrar "O Grito"
do norueguês Edvard Munch, e uma constatação na trajetória de Jovino
Machado, embevecido pelo verso de Affonso Ávila: "O POETA É UM
TERRORISTA".
Terrorista da linguagem. Difamador.
Detonador. Digladiador. Ruminante de palavras, preso ao umbigo da
mulher. Sua arma é o desmedido território, onde deus dança com o diabo.
Seu discurso, um desejo sem fim de pontos de vistas compartilhados por
alegorias carnavalescas e montagens cinematográficas, sendo ela, A
POESIA, a personagem principal, na praça da apoteose de significações
múltiplas.
Chama
a atenção uma outra constatação: o poeta também dialoga em deslocamentos
e passos de sambista com a sublime poesia expressionista alemã das
décadas de 1910/20. Esperança das esperanças, mergulhada em sonhos de
uma noite de verão, de modo ferino e delirante, o livro: "é uma pancada
na cabeça de um dinossauro / é um arranhão distraído no breu das horas".
Em
mais de 25 anos de vida literária, impaciente em suas palavras, elegante
em suas roupas e cor predileta — o preto, a cor da anarquia —, em
contraponto com a faca ao fundo vermelho da capa do livro (de Joca
Reiners Terron), Jovino Machado mistura lâminas e cortes em ecos
profundos e lateja em Fratura exposta aquilo que é a sua força, o
transtorno do revide que se deixa invadir, bagunçar e atordoar ossos
explícitos pela procura fértil que no seu discurso de espanto é a sua
assinatura.