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Sobre o livro inédito de Regina Benitez, Mulher com Avestruz
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A escrita não tem sexo. Ainda mais quando o escritor em questão domina todos os meandros da criação artística. Regina Benitez é uma espécie de escritor, cuja escritura não se fundamenta no feminino e sim, no belo. Lidar com a beleza em textos tão claros de significação é o que ela faz de melhor. Por isso — se uma escrita funciona tão bem — pouco importa se quem escreve é homem ou mulher. Aí podem me perguntar: não existe escritura feminina nos contos de Mulher com avestruz?

 

Não acredito em escritura feminina, muito menos, no caso de Regina. Quem escreve bem, transcende o seu sexo. É claro que há coisas e assuntos em que o olhar feminino é muito mais arguto do que o masculino. Mas tal fato não fundamenta um texto. Não diz muito sobre um conto dizê-lo feminino. Diz menos ainda e, mais preconceituosamente, falar que Regina Benitez escreve como um homem, de tão bem que o faz. Por isso, quero dinamitar de vez esta idéia de que existe a tal da tão propalada escritura feminina. O que existe é o bom escritor, que atinge os projetos pelos quais tenta convencer o leitor de sua possível veracidade.

 

Por isso, há nele datilógrafas que se invejam, há encontros que terminam em desencontros e há, também, a busca de uma religiosidade rasteira: aquela em que a fé é reduzida à milagrosa presença de magos. Há o encanto de uma filha que é menosprezada pelo pai e toda a tristeza que é ser preterida pela família.

 

Regina nos leva por mares onde a ficção faz um jogo de sedução com a vida. Ora ela vê o mundo de uma maneira tão intensa, que quebra as barreiras da realidade e ficção. Ora, nos mostra como a ficção pode ser uma supra-realidade.

 

Os contos que constam do livro Mulher com avestruz tecem um mostruário da humanidade, do ponto de vista mais meticuloso possível. É incrível como a escritora não se repete e vai, de conto em conto, destrinchando a manta de poesia que constrói: às vezes, com crueldade e às vezes, com singeleza.

 

As narrativas que constam do opúsculo estão presentes em cada um de nós. É difícil não se enxergar no lugar da narradora. Num momento, ela nos guia — de forma magistral — para o reino da mais completa fantasia. No outro, a realidade vem em conta-gotas: sem deixar de ser poética a forma com a qual nos leva por caminhos fantásticos. Tudo como uma regente precisa, pondo ordem no caos das existências. Cada personagem é alguém que conhecemos. Cada lugar é o local onde nascemos ou visitamos e, ao mesmo tempo, nenhum lugar em especial. Tudo feito com muita poesia e humor. É uma prosa de impacto, em que o mais importante não é só a forma — muita bem resolvida, aliás —, e sim, o conteúdo. Os contos de Regina Benitez têm a densidade e a dramaticidade dos dias atuais, onde o absurdo e o sublime convivem juntos. 

 

O livro — numa gíria atual — é tudo de bom, e termina com o conto que lhe deu nome. É o fecho de ouro para uma obra que está destinada a alçar um vôo perpétuo em nossa literatura.

 

 

 

 

junho, 2006
 
 
 

Rodrigo de Souza Leão (Rio de Janeiro, 1965), jornalista. É autor do livro de poemas Há Flores na Pele, entre outros. Participou da antologia Na Virada do Século — Poesia de Invenção no Brasil (Landy, 2002). Co-editor da Zunái — Revista de Poesia & Debates. Edita os blogues Lowcura e Pesa-Nervos. Mais na Germina.