chegando
na estação Aqui
De alguma coisa agora quase se lembrava, mas de tocar o que estava
mais perto, e modular o pensamento para o mais distante monumento:
os sistemas salpicados sobre a mesa negra e circular.
Esta é a estação Aqui,
a quinta do ano, a única com estação de esquis que são os esquisitos
velozes emblemas na neve e a foto do deserto sobre a mesa neste momento.
"Os nomes não nomeiam
mais as coisas, as coisas se afastaram e deixaram para trás só branca
paisagem, e te deixaram num quarto escuro, de onde você nunca mais
vai voltar".
Não, estar perto é conhecer
a distância, e estar longe é só se esquecer. A caminho, sem ainda
ter voltado. O ar corta as narinas. Só isso agora parece não se mover,
não tanto quanto um impulso sem forças para lutar contra as margens
suadas quando se desligam enquanto damos um gole de áraque, e na tela-ilha
tropical do cassino.
A natureza nos desconstrói
sem que notemos, e a noite restaura a memória das percepções que usaremos,
no dia seguinte, para reconstruir a natureza e a nós mesmos.
Registrar isto, e
o modo pelo qual eu poderia tocar esta realidade e seu impacto sobre
minha consciência com mais intensidade. Eu podia usar as palavras
como uma câmera, ou como um passaporte para a dimensão do aqui-e-agora,
nossa própria consciência em movimento, seguindo aquele pássaro, de
galho seco a galho nevado. Registrar que agora sei do poder de todas
as coisas serem, cinema.
Nesta estação, temos um
corpo, e é por termos um corpo que isto existe e respira, o que nos
iguala a insetos e árvores, ligados em seu presente imediato.
Quanto mais rápido amanhece,
mais devagar anoitece.
A relva foi capaz de ativar
a relva do meu cérebro para perdurar. Ou seja, ouça seus ossos enquanto
escuta os estalos do fogo.
Hálito era o nome para
gente, e fala-hálito o nome que se dava quando gente e hálito eram
um só.
Nos encontramos tão longe,
paisagens somem sob nossos pés, uma viagem que se faz parado, diante
da casa antiga, cavando um espaço em você, um copo caindo no espaço,
sombra em sua nuca, vitória efêmera sobre o silêncio. Mas a música
voltou e se lembrou. Os poemas brancos sobre a mesa negra, os sistemas
e galáxias lá em cima. Os outros virão para te pegar.
spiritus mundi
A voz toca no ventre da
aceleração. No Museu do Dia objetos ecoam na tatuagem da memória de
seus habitantes. Abduzido, o olho humanimal é de um metal necrosado
e devorador, racimo de genes durante a pressurização. Clareiras. A
matriz translúcida como presença de religare, tigre de Lascívia
e sua dança filosófica. A estrada do tato. Ilhas femininas. Dentro
e fora comercializam artigos baratos e tapetes persas onde me encontro:
a escrita de luz nas costas da jovem gueixa dispersa, um continente
feito de blocos moventes e piscantes de gelo. Atraquei consoantes,
com cimitarras certeiras, e nada. Alguém aumentando o volume da mata.
Os nômades olharão para trás: enxergaram a avalanche em sua direção,
nada que um leque não possa indicar, um tiro de alguém. A captura
se dá a caminho, com nossas presas embrulhadas em tecido de tule,
quase transparentes. Na fuga, quase sem saliva, a aranha deixa seus
hóspedes de cera para exposição em Lexotan, enquanto contorcionistas
regem o vento com um manual de hermenêutica. É preciso reconhecer
as trilhas jesuítas, marca d'água revelando ruínas, musgos e brotos
em densidade alvoroçada, proliferante, uma imagem de mundo que não
reflete nossa mente, mar entrando em surto. O lugar de onde você veio
é tão distante que pode muito bem ser aqui.
Poemas de Nômada
(Lamparina, 2004)