*

 

é impossível ser feliz
no interior de minas
diz um poeta do interior de são paulo

 

eu olho em volta
e não vejo motivo
pra ser feliz em qualquer lugar

 

 

 


 

 

Ramos e rameiras

 

Todos os anos
O padre proíbe
A presença de prostitutas
Na procissão de ramos

 

Isso inibe as rameiras
Que todos os anos
Ficam de bobeira
No domingo de ramos

 

Os fiéis
Orando
E se agarrando ao ramo
Com isso não se afligem
Pois
Afinal
Procissão é um ato humano
E não se admite no cristal
Qualquer sombra de fuligem
Ou no metal
A corrosão da ferrugem

 

 

 

 


*

 

Eu não era aquele que
À janela
Viu o sol se pondo ou
Pôs panelas sob goteiras
Nem um
Que assoviou
Enquanto o dia trocava sua pele
Nem
Quem deu o doce à criança ou
Hasteou bandeiras e
Desfraldou o vento
Cantou por
sete horas e meia
para despertar
do sono a estrela
com certeza
de mim ninguém dirá
"ele meditou um pouco
tentando achar um
jeito de salvar parte da humanidade"

 

e isso que você sente
é só a possibilidade de explodir
a possibilidade de explodir o gás

 

 

 

 

 


Personalidade

 

Nem tão amarga
Que se torne intragável

 

Nem tão doce
Que possa melar o jogo

 

 

 

 


*

 

Não faço mais poemas.
Só falo de coisas concretas.
A lua cheia no céu
E no quintal.

 

Realidades.

 

Esta claridade pela janela,
o fio de luz na parede
do quarto, na cama,
dividindo teu corpo
fazendo teus olhos
claros.

 

Coisas palpáveis.
Teu corpo.

 

 

 

 

 


*

 

E
   Se
       Mãos
               Seduzem
Pedras e
             Simulam
Rios e
             Silenciam
Raios e
             Tocam
                       Se
E
   se

 

 

 

 

 


*

 

O pior da morte não é o morto

 

O pior da morte
São os outros

 

 

 

*

 

a mulher vulgar está ajoelhada no chão. Os tacos foram mal assentados, seus joelhos ficarão marcados, vai doer. Seus seios são grandes, enchem o sutiã azul claro que tem um dos ilhoses quebrado. Suas costas largas tem algumas marcas, parecem pequenas cicatrizes. Pode ser alguma doença de pele, quem vai saber? A calcinha que está usando tem cor indefinida, creme, bege; parece ser suave, seda, talvez. Ela escondeu as mãos sob o lençol e aperta com força o colchão protegido por um plástico marrom — por isso não se vê a cor do esmalte. Agora enfio meus dez dedos em sua cabeleira tingida de amarelo enquanto noto um pequeno furo na meia que aquece meu pé direito.

 

 

 

 

*

 

Rita descobriu que era ninfomaníaca aos 15, durante uma sessão de terapia, e isso foi muito pra cabeça dela porque era virgem. Até hoje não entende os caminhos tortuosos que o cara (é assim que se refere ao médico) percorreu pra chegar a essa conclusão, claro que trepou com o primeiro que apareceu. Aos 20 pensou em processar o cara porque era até bastante seletiva com os homens que levava pra cama, e nem fazia tanta questão assim."R & R", ela bordou nas toalhas de banho, uma coincidência que lhe agrada, diz que faz "rrrrrr" no ouvido dele quando está satisfeita. Comprou o Fuca assim que passou da rede pública para a particular, gosta de dirigir, queria viajar mais vezes, mas o Rafa prefere ficar em casa nos fins-de-semana, cansado demais. "Mas nem agora que é chefe?". "Nada", ela responde depois de acender mais um cigarro, o negócio dele é arrumar coisas em casa, desentupir pia, ouvir o rádio, às vezes ir ao campo e sonhar com a porra daquele táxi.

 

 

 

 

*

 

Ele parecia ter mais de 30, meio careca, forte, branco, olhar de boi manso. Ela, com os cabelos pretos soltos, morena, vestido longo (azul, flores amarelas) não se revelou de cara. Foram pra mesa perto do banheiro. Uma cerveja, dois copos e um cinzeiro. Tocaram os copos em silêncio. Não pareciam tristes ou preocupados, apenas viver aquela fase em que um casal já se falou tudo o que tinha pra falar. Ele tirou uma revista e uma caneta da bolsa dela e começou a fazer palavras cruzadas. E ela começou a olhar pra mim, esses vizinhos que bebem cerveja sábado de manhã.

 

 

 

 

*

 

Baby, acho que vou morrer.

Acabo de chegar da festa, misturei bebidas e... você

sabe, eu não posso com isso.

Por isso, tome algumas providências: um anúncio imenso

na imprensa, várias coroas, o caixão mais caro.

Ligue pra todo mundo.

É preciso fazer muito barulho com a morte.

 

 

 

 

*

 

Baby, acho que vou morrer.

Ando pensando em me matar. Esqueça o que dizem as

pessoas.

Mas, por favor, não deixe de convocá-las para a festa no

cemitério: outono, vai ser lindo.

Meu cachecol ao vento.

 

(imagens ©baddog) 

 

Sérgio Fantini é um ícone da geração mimeógrafo. Nasceu em Belo Horizonte no outono de 1961. Eis a voz do poeta: "Deveria ter lido ao menos a bula dos remédios, mas preferi quadrinhos, fotonovelas e autores que ninguém conhece". Fantini estreou em 1976, produzindo uma overdose de ironias cinéticas como um girassol. Publicou: O cancioneiro, Pro domo meã e Contexto (zines), e os livros No lar dos inseguros, E se a gente matasse todas as baratas com um inseticida bem forte?, Jogo rápido, Ô mínima, Bakunin, Palpites Ltda., Carapuá e 79/97 (poesia), Diz xis, Cada um cada um e Materiaes (prosa), além de suplementos e antologias como a Revista literária da UFMG, Temporada de poesia, Geração 90 — manuscritos de computador, entre outras. Dizendo através de suas lâminas, "eu também não confio / em mais ninguém", primeira pessoa de um verbo substantivo em febre, a experiência de um papel brutalmente arrancado das ruas e de uma sociedade sem escolas, machucada, em ruínas, "minha última esperança / é o suicídio coletivo", uma língua crivada de metralhadoras sempre eólicas, uma poética de balas em pólvoras, o caos como origem do ser.