meu olhar solitário
admirava o rápido beija-flor
enquanto os olhos choravam
ele vinha
e sugava a minha
lágrima
pensando que fosse a flor

 


A FITA DE LUTO

Seu nome é
flor das almas
(condenadas a viver
à beira da cova).

Flor azul
tremula sempre
olhando nuvens
de crepe.

Lua passa e derrama
sua luz sempre sombria
(mas vai chegar um dia
que tirará a fita de luto).

 


SINTO UM CALAFRIO

Às vezes vem sentar-se a meus pés
A saudade e a melancolia com sussurros tristes.
Estão revoltados com a vida e seus revezes.
Penso: é miragem, sonho, o que vejo não existe.

Mas vem a noite, brilham estrelas lá fora
Escondo a melancolia e sufoco as dores.
Vem um sentimento bom, amor aflora,
O vento frio no jardim matou as flores.

Lá fora o vento amontoa folhas, velhas rosas.
Deito-me: não consigo dormir. Já madrugada
Em meu sonho a luz volve a minha amada,
Tão distante (talvez durma com roupas vaporosas).

Meu poema (pronto talvez) seu espírito olha e devora
E, ao ler, se emocionará do meu amor sincero por ela.
Sinto um arrepio aconchegante, lágrimas, a saudade chora
E os primeiros raios do sol entram pela fresta da janela.

 


ORGIA FELINA

no telhado
da minha casa

teve festa
noite dessas

gatos e gatas
miavam e choravam

talvez

por de tanto gozo
ou mordidas
no pescoço

 


NÃO CONSIGO

o vento
da minha
boca

só diz
frases
loucas

sobre
o amor
fala pouco

é vento andarilho:
impossível domá-lo

 

 

A ÚLTIMA

Por onde andas, ondas
do meu amor,
Onde o perfume
lume
das tuas ancas
brancas
da última primavera?

 


TIRADAS DA VOVÓ

Papai, você não aprova
Que eu fale mal do doutor.
Sinto por ele um horror
Pra ele até fiz uma trova.

Quando fiquei doente
Me tratou de apendicite:
tinha dor de dente.
O diagnóstico: idiotice.

Às escondidas, vovó me disse:
"Não se assuste, meu bem, com sua esquisitice.
Ele é muito doente, sofre do rim.
Receitei pra ele uma porção de amendoim.

Ficou tão bom comendo amendoim
Que se atreveu, e veio pra cima de mim.
Se ele foi pra você tão ruim,
Nossa, foi lindo pra mim!"

 


NÃO SEI

À noite
A singeleza das estrelas
Enfeitam o azul do céu
Luar desce sobre a terra

A natureza briga entre si
Como no nosso dia a dia,
Tudo começa e se repete
Transforma, deforma e reestabelece
Criando novas formas.

Perfeita? — quem tem certeza!

A singeleza das estrelas
Não são iguais agora
Transforma, deforma

O que virá? — quem saberá?

Sei que nada sei.
Misturo-me nesse abismo de luz
No confuso criar da natureza
O meu inquieto pensar.

 


INVOCANDO SÃO CRISPIM

Tinha trocado a muié véia
Por uma que era uma flor.
Muita gente rudeava (cochichando)
Sabendo de minha dô.
Num pudia fazê amô
Totalmente aperreado:
Quânu pensava que ia
O disgraçado se enculhia.
Cum o preto véio
Fui me aconselhar.
Tava ruim e fraco
Amargo como jiló.
Preto velho foi sondando
Foi rezando, foi xingando,
Os orixás consultava,
E corcoveando, gesticulava:
"Na sete voltas do rio Jaguary
Depois da encruza tem coisa:
Um picuá com mandinga,
Com praga da muié véia
Que tu abandonou".
Invocando pra ajudá
Chegou São Crispim
Que veio vestido di negro,
Com espadim, usando botas.
Confabularam no canto do terreiro,
Acenderam charutos na vela preta
E num palavreado estranho
Me benzeram com ramo de arruda e alecrim.
Receitaram uma garrafada
Com nó di cachorro, catingueira e catuaba
Com marafo reforçada.
Mandou bebê sete veiz
No nascê da lua cheia.
E tentá, sempre tentá, nunca desanimá.
Se nada acontecesse
Pedisse perdão pras entidades!
Voltasse cum a muié véia
Resignado e cabisbaixo.
Ou assumisse o chifre
Com a mulher que era uma flor.

 


VENTO MANSO

Soprando a nostalgia
Vento frio e matreiro
Em solidão vagueia

Temo o inverno
Que se avizinha
E que o último pôr do sol
Passe por trás da colina

E a sombra negra
Cubra nosso amor
(Escondamo-nos
Nesta estação)

Amemo-nos
Até o desfolhar das primaveras
E que as últimas flores
O vento manso
Amontoe-as em bom lugar.

 

 

Antônio Ubirajara Lopes (1931-2005) lançou seu primeiro livro de poemas em 1990, Jardim da Vida (edição do autor, organização de Maurício Arruda Mendonça). Participou de livros em condomínio e de diversos murais e concursos de poesia no Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Brasília e Rio de Janeiro, obtendo algumas premiações. Teve poemas publicados em jornais como A Notícia (SC) e nas antologias Escritores Brasileiros (Rio de Janeiro: Crisalis Editora, 1986) e Nova Poesia Brasileira (Rio de Janeiro: Shogun Arte, 1987). Em 2001 lançou seu segundo livro, Na Dimensão do Silêncio (Londrina: Atrito Art Editorial). Em 2004, o último, Contos e Poemas (Londrina: Atrito Art Editorial).

 

(imagens ©ana maria mascarenhas)