A ÚLTIMA
Por onde andas,
ondas
do meu amor,
Onde o perfume
lume
das tuas
ancas
brancas
da última primavera?
TIRADAS DA VOVÓ
Papai, você não
aprova
Que eu fale mal do doutor.
Sinto por ele um
horror
Pra ele até fiz uma trova.
Quando fiquei
doente
Me tratou de apendicite:
tinha dor de dente.
O
diagnóstico: idiotice.
Às escondidas, vovó me
disse:
"Não se assuste, meu bem, com sua esquisitice.
Ele é
muito doente, sofre do rim.
Receitei pra ele uma porção de
amendoim.
Ficou tão bom comendo
amendoim
Que se atreveu, e veio pra cima de mim.
Se ele foi
pra você tão ruim,
Nossa, foi lindo pra mim!"
NÃO SEI
À noite
A singeleza
das estrelas
Enfeitam o azul do céu
Luar desce sobre a
terra
A natureza briga entre
si
Como no nosso dia a dia,
Tudo começa e se
repete
Transforma, deforma e reestabelece
Criando novas
formas.
Perfeita? — quem tem
certeza!
A singeleza das
estrelas
Não são iguais agora
Transforma, deforma
O que virá? — quem
saberá?
Sei que nada
sei.
Misturo-me nesse abismo de luz
No confuso criar da
natureza
O meu inquieto pensar.
INVOCANDO SÃO
CRISPIM
Tinha trocado a muié
véia
Por uma que era uma flor.
Muita gente rudeava
(cochichando)
Sabendo de minha dô.
Num pudia fazê
amô
Totalmente aperreado:
Quânu pensava que ia
O
disgraçado se enculhia.
Cum o preto véio
Fui me
aconselhar.
Tava ruim e fraco
Amargo como jiló.
Preto velho
foi sondando
Foi rezando, foi xingando,
Os orixás
consultava,
E corcoveando, gesticulava:
"Na sete voltas do rio
Jaguary
Depois da encruza tem coisa:
Um picuá com
mandinga,
Com praga da muié véia
Que tu
abandonou".
Invocando pra ajudá
Chegou São Crispim
Que veio
vestido di negro,
Com espadim, usando botas.
Confabularam no
canto do terreiro,
Acenderam charutos na vela preta
E num
palavreado estranho
Me benzeram com ramo de arruda e
alecrim.
Receitaram uma garrafada
Com nó di cachorro,
catingueira e catuaba
Com marafo reforçada.
Mandou bebê sete
veiz
No nascê da lua cheia.
E tentá, sempre tentá, nunca
desanimá.
Se nada acontecesse
Pedisse perdão pras
entidades!
Voltasse cum a muié véia
Resignado e cabisbaixo.
Ou assumisse o chifre
Com a mulher que era uma
flor.
VENTO MANSO
Soprando a
nostalgia
Vento frio e matreiro
Em solidão vagueia
Temo o inverno
Que se
avizinha
E que o último pôr do sol
Passe por trás da
colina
E a sombra negra
Cubra
nosso amor
(Escondamo-nos
Nesta estação)
Amemo-nos
Até o
desfolhar das primaveras
E que as últimas flores
O vento
manso
Amontoe-as em bom lugar.