Ricardo
Lima - Qual a história da revista Sibila?
Régis
Bonvicino
- Infelizmente, tenho de falar de meu trabalho. A partir de 1997,
com a publicação da antologia Nothing The Sun Could Not Explain/20
Brazilian Contemporary Poets - publicada pela Sun &
Moon de Los Angeles e editada por Michael Palmer, Douglas Messerli e
por mim - que instaurou, em termos relativos, a idéia de contemporâneo
na poesia brasileira e de uma nova possibilidade de internacionalismo,
e, sobretudo depois de 1999, quando saiu meu livro
Sky-Eclipse, pela mesma editora americana, fiquei muito visível e
previsível... Deste modo, em 2001, em virtude da necessidade de seguir
nos diálogos internacionais, de um modo mais surpreendente e coletivo,
com poetas de inovação - o que não mais seria eficaz se feito por meio
de livros (como o A Um, de Creeley e Cadenciando Um
Ning-um-Samba Para o Outro, de Michael Palmer) - decidi editar uma
revista, a Sibila, nome extraído de um poema de Murilo
Mendes, como uma trincheira ou um móbile de Alexander Calder.
Destaco que, embora tenha se engajado no processo no número 1, e não no
zero, considero Odile Cisneros fundadora também da publicação e sem ela,
suas idiossincrasias e méritos, a revista não seria o que é. Ela é e foi
fundamental. Como o Alcir Pécora é fundamental. Ela deu segurança para a
virada crítica da revista, que, embora fizesse crítica desde o começo,
não a fazia com a contundência necessária e indispensável. Sem o Alcir,
a Sibila não seria Sibila também. O designer gráfico
Ricardo Assis é também fundamental. Sem ele, não haveria Sibila
como ela é. E sim, preciso mencionar o apoio de Marjorie Perloff,
que acreditou na revista desde o início. E Charles Bernstein
também. E Claude Royet-Journoud. E o Moacir Amâncio, que
apoiou muito a revista, quando ela estava começando. O Amâncio acreditou
nela! O Romulo Valle Salvino.
Alcir
Pécora
- A rigor, a pergunta não deveria ser dirigida a mim. Estou há pouco na
revista e, mesmo assim, apenas como um coadjuvante perfeitamente
dispensável, senão inútil. Falando como leitor apenas, para mim, a
história da Sibila se confunde com o tipo de militância buscada
pelo Régis, que, até onde vejo, está baseada, antes de mais nada, na
busca de diálogos com poetas internacionais
inovadores.
Ricardo
- E qual o futuro da Sibila?
Régis
- Penso em torná-la cada vez mais exemplar, um exemplo contundente das
possibilidades de criação contemporânea sob o fogo do debate crítico,
único modo de se minar a barbárie cultural. Debate de objetos culturais
e não feito de ataques pessoais.
Alcir
- Penso, basicamente, na ampliação internacional do debate crítico
sustentado na revista, e uma intervenção conseqüente na
produção cultural brasileira contemporânea. Em termos financeiros,
gostaria de ampliar e diversificar os seus
patrocínios.
Ricardo
- Como é distribuída?
Régis
- Tenho muita dificuldade em encontrar a revista nas livrarias. Talvez
a Ateliê Editorial a esteja distribuindo na Argentina (risos). Penso
em melhorar este aspecto. E o Plínio Martins - um grande publisher
- também reconhece este problema da distribuição, que não depende
só dele, mas, igualmente, do desejo dos livreiros de adquirir
a revista. Penso também numa edição eletrônica. Sempre encontro a
Sibila na Livraria Haikai, que é uma das mais interessantes
de São Paulo, por ser pequena, de bolso, na escala humana, e aqui
vai o seu endereço: Rua Armando Penteado, 44. O telefone: 3663-4616.
Ela fica na Praça Vilaboin, no Higienópolis, aqui, na cidade de São
Paulo.
Alcir
- Nada sei a respeito.
Ricardo
- Há uma correspondência com os leitores?
Régis
- Sim, recebo inúmeras manifestações. Mas não saberia dizer qual é
o perfil de seu leitor.
Alcir
-
Não tenho idéia. Eu nunca tratei disso.
Ricardo
- Os textos são solicitados pelos editores ou enviados,
espontaneamente, por autores que querem sair na revista?
Régis
- Dos dois modos. Mas, historicamente, houve mais solicitações do
que envios espontâneos. Há sugestões que são aceitas ou
não.
Alcir
- Se dependesse de mim, gostaria de privilegiar o primeiro deles. Até
agora, "solicitar" colaboração, no meu caso, tem sido apenas pedir à
gente, que já sei que está estudando ou escrevendo algo interessante em
poesia ou crítica, que me mande seu trabalho, ou parte dele. Raramente,
encomendo um trabalho a partir, apenas, de uma idéia ou conceito. No
tocante aos textos enviados, palpito despudoradamente sobre a sua
qualidade e se deve ou não entrar na revista.
Ricardo
- Como é feita a seleção do material recebido?
Régis
- Muitas vezes o número nasce antes da solicitação dos textos, etc.
Quando solicito, tenho confiança na qualidade do autor. Mas a
Sibila é muito rigorosa. Há muita discussão interna. Com o Alcir,
com a Odile, com a Tatiana Longo Figueiredo. E com os colaboradores e
conselheiros editoriais.
Alcir
- O Régis me envia aquilo que acha que tenho competência para
analisar. Depois de ler, eu lhe digo se penso que vale a
pena publicá-lo ou não, com base no que julgo consistente ou
inovador na área pertinente.
Ricardo
- Na era das publicações eletrônicas, por que a Sibila é uma revista
impressa?
Régis
- A maioria dos sites e blogues literários é muito fraca, sem linguagem
eletrônica própria. Auto-elogio e divulgação marcam a Internet. Com o
tempo, os blogues e sites vão melhorar. Por isso, para mim, foi
programático retardar o máximo possível a ida à... Net, até
para saber melhor o que é "Internet".
Alcir
- Acho que a Sibila é impressa apenas pela contingência de seus
editores terem mais familiaridade com um meio do que com o outro. Quanto
a mim, só sei lidar bem com livros. Mas passeio por sites literários
também, como a Germina ou Cronópios, dos quais sou
colaborador. De qualquer modo, por limitação física, não leio nada
muito extenso na tela. Aquilo pulsa, caramba, e me deixa mais tonto
do que o habitual.
Ricardo
- O que a Sibila (ainda)
não publicou e vocês gostariam de ver publicado?
Régis
- Não gosto de especificar. Mas são muitíssimas
coisas.
Alcir
- A Sibila não está nem perto de ter sido exaustiva em qualquer
de suas áreas de atuação. De modo geral, me interessaria traduzir e
editar crítica contemporânea. Adoro italiano e, também por isso, gosto
de ler crítica italiana: Agamben, Perniola, Lavagetto, para dar alguns
nomes apenas. Também gosto dos norte-americanos que leram Wittgenstein,
como Perloff, Rorty, Cavell, Davidson. Em poesia, Creeley, já
publicado pela Sibila, é de quem eu mais gostaria de obter mais
trabalhos para publicação.
Ricardo
- Quais publicações literárias vocês apreciam? E quais deixaram de
circular e vocês gostariam que ainda existissem?
Régis
- No passado recente brasileiro? Klaxon, Revista de Antropofagia,
Revista Invenção. E aquele número único da Navilouca, embora, com o
passar do tempo, o Gil tenha cuspido no seu próprio trabalho e se
tornado o AntiGil - faz tempo, hem! - e Caetano também tenha dado umas
cuspidelas em seu percurso e se tornado o NeoCaetano - a partir dos anos
90, sobretudo. A Navilouca, mais pelo Hélio Oiticica, pelo
Caetano (até Jóia e Qualquer Coisa), pelo Torquato Neto e pelo
Luciano Figueiredo. Gosto muitíssimo do projeto Musa Paradisíaca, da
Josely Vianna Baptista e Faria. É um dos melhores. Pena que se tenha
encerrado.
Alcir
- Eu gosto da idéia de variedade nas revistas, e colaboro sempre que
posso: Et Cetera, Inimigo Rumor, ComCiência e outras. Também a Ciência
& Cultura, da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência, da
qual sou editor, com Carlos Vogt e Paulo Franchetti, das suas páginas
literárias.
Ricardo
- Vocês conhecem as revistas literárias de países "próximos" do
Brasil, como Portugal e Argentina? Como é o intercâmbio literário com
esses países? Como os periódicos podem ajudar nessa
comunicação?
Régis
- Sim, conheço. A literatura não pode e não deve cooperar na comunicação
entre países. Ela é supranacional. Independente e não oficial. Gosto
muito do site The Eletronic Poetry Center, de Buffalo, EUA. O pior
tipo de solidão intelectual é a idéia de "nação", "nacionalismo". É
também muito forte a solidão de se fazer poesia no... BRASIL! Por isso,
acho Coyote uma revista bacana. Acho também a Inimigo Rumor importante.
Alcir
- De Portugal, acompanho há séculos a Colóquio-Letras e outras revistas
acadêmicas. Sobre o intercâmbio com a Sibila, nada
sei.
Ricardo
- Falemos agora da Sibila
n. 8-9, que acaba de sair. A primeira linha do editorial diz: "Fiel ao
seu propósito de renovar a poesia brasileira...". E a contracapa traz,
internamente, um CD com leituras por 50 poetas. Certamente, mais da
metade é formada de nomes nunca vistos pelo leitor médio de poesia em
nosso país. A Sibila é uma
revista de vanguarda?
Régis
- Reafirmo a fidelidade ao propósito de renovação e afirmo que, em tal
propósito, a obrigação é de empenho, não de resultado. A poesia
brasileira é irrenovável (risos). E a culpa não é dela, de não
publicar mais poetas novos e/ou brasileiros; é da própria poesia
contemporânea brasileira, que desertou da sina de existir, como o pai,
da Terceira Margem do Rio, de Rosa. Ou não? No entanto, registro que
publicamos de Ferreira Gullar a Paulo Ferraz. Publicamos muitos poetas.
Alcir
- O propósito de "renovar a poesia brasileira" é grande demais para mim.
No máximo, tenho a pretensão de publicar alguma boa poesia brasileira, o
que já é suficientemente difícil. Acho que Sibila é uma
revista comprometida com poesia inovadora. Basta così.
Ricardo
- Existe um fio condutor neste número? A preocupação editorial é com
a unidade ou a diversidade?
Régis
- A preocupação editorial é unidade e diversidade - dialeticamente
falando -, medidas pela qualidade. É com a discussão crítica,
cruzada com a discussão da poesia sonora - no caso deste número. E,
principalmente, com as leituras contidas no CD. Uma maravilha! O fio
condutor é o Garrincha! Não diz muito aquele texto do Drummond sobre o
Garrincha?
Alcir
- Acho que conta mais a qualidade do conjunto. Quando digo
qualidade, penso imediatamente em produção que pressupõe crítica e
estimula crítica. Para mim, só a crítica qualifica.
Ricardo
- A crítica literária tem peso significativo neste número, com a
entrevista com Eduardo Milán e os textos de Marcos Siscar e Paulo
Franchetti. Este último, em "A Demissão da Crítica", abre espaço para
uma verdadeira cruzada de juízos acerca do tema. Existe intenção em
aprofundar o debate e convidar algum escritor ou crítico para
opinar?
Régis
- Sem crítica, garçons de costeletas, que já dominam mídia e cena,
tomarão conta de tudo. Sempre convidamos autores que não pensam
como pensam os editores da Sibila. Se você fizer uma estatística,
publicamos inúmeros poetas novos e velhos, daqui e do mundo todo. Mesmo
que não gostássemos tanto do trabalho deles.
Alcir
- Sustentar o debate crítico é um objetivo explícito e decisivo da
Sibila. Sem crítica, não há trabalho sério em nenhuma atividade.
A leda madrugada em que a literatura se vir livre de seus críticos será
também a triste madrugada em que a literatura terá liquidado a si
mesma.
Ricardo
- Neste número a Sibila
tem 222 páginas, mas apenas 10 com poesia brasileira (Cristina
Mutarelli, Matias Mariani e Paulo Ferreira Borges). Fora isso, apenas
alguns poemas "clássicos" integram o ensaio "A cisma da poesia
brasileira", do Marcos Siscar. Os editores da Sibila estão cismados com a
poesia brasileira contemporânea?
Régis
- A poesia brasileira contemporânea é um fenômeno quantitativo, produto
das facilidades de divulgação e auto-elogio! Por exemplo, por respeito
intransigente ao pluralismo, publiquei o ensaio do Marcos Siscar, a quem
considero, embora discorde de algumas coisas nele, sobretudo, da escolha
dos poetas discutidos.
Alcir
- De modo geral, tentamos publicar o que nos parece pouco banal. No
momento, aliás, uma banalização estranhamente eufórica que faz as
vezes de debate cultural quando, no Brasil, praticamente não há
debate cultural.
Ricardo
- No meio de tanta novidade literária, deparamo-nos com uma homenagem
ao Mané Garrincha, que também está na capa desse número. Como isso se
encaixa (ou se destaca) na proposta ou no conceito que norteou essa
edição?
Alcir
- Uma grande amiga minha, a Andrea Daher, me diz que o essencial em
qualquer atividade é não confundir Deus com Zé-Mané. Pois: Mané
Garrincha é um milagre inconfundível com o mundo zemanélico no qual
viveu. Sibila, por meio
dele, quer afirmar não a crença no milagre, mas o desejo destemperado de
resistir à banalização de tudo. Você prestou atenção no olhar
de Mané na foto da capa? Está tudo ali: desconfiança, preocupação e
mesmo pânico diante do que vê, mas ainda assim determinação de fazer o
seu próprio jogo.
Ricardo
- Não há uma preocupação em identificar os autores com pequenas notas
biográficas. Ninguém sabe quem é o Eric Sabinson, que traduziu o Louis
Zukofsky, nem se há livros deste autor por aqui. Esse papel das revistas
- de apresentar uma pequena dose para os interessados irem atrás da
garrafa depois - não fica prejudicado nesta opção
gráfica/editorial?
Régis
- O diabo é que, usando sua própria metáfora, não há garrafas no Brasil.
Alcir
- Ninguém sabe quem é Eric Sabinson? Gosh! Então ninguém sequer
sabe o que está perdendo? Pessoalmente, gosto muito de não haver as
indicações de praxe. Ao contrário, ganha-se em foco, em objetivação da
obra apresentada, que se distancia de procedimentos
acadêmicos, senão burocráticos de referência bibliográfica. Gosto da
idéia de encontrar gente desconhecida no miolo da Sibila,
produzindo matéria com a qualidade que a própria matéria, e não a
autoridade, testemunha e dá fé. Se fosse pra lidar com a referência
em termos acadêmicos, ficava apenas na Revista do meu Departamento, a
Remate de Males, que anda bem legal.
Ricardo
- O artigo sobre poesia sonora trata de tema pouco explorado. Os
autores traduzidos (Andrea Zanzotto, Vítezslav Nezval, Suzanne Doppelt,
Louis Zukofsky) são desconhecidos da maioria. Quem é o leitor da Sibila?
Régis
- O leitor-ninguém, de que falava João Cabral de Melo Neto. Os efeitos
de uma agitação se tornam visíveis somente anos depois.
Nezval, por exemplo, é um clássico moderno tcheco. E Louis Zukofsky, um
clássico moderno norte-americano. Doppelt é autora viva, que funde
escritura com fotografia.
Alcir:
Imagino que seja gente interessada em poesia e cultura de inovação.
Pouquíssima gente, portanto.
Ricardo
- O precioso CD com 50
poetas traz autores e poemas nunca antes publicados no Brasil, além de
clássicos, como o "Tyger" do Blake, pelo
Ginsberg. Por que os poemas gravados não ganharam uma versão
impressa?
Régis
- Porque a proposta é exclusivamente o som e a voz, sem palavras
impressas.
Alcir
- O CD originou-se pelo interesse de Enzo Minarelli em poesia
sonora. Era o som (e não outros aspectos, como a significação, a
grafia, a espacialidade) que lhe interessava destacar como agente
poético decisivo. A impressão dos poemas tornaria essa
demonstração menos contundente.
Ricardo
- O CD com a leitura dos poemas deverá ser uma ótima ferramenta para
vender a revista. Vocês pensam em outras "peças" que possam agregar
qualidade ao conteúdo da publicação e, ao mesmo tempo, ajudar na sua
viabilidade econômica?
Alcir
- A viabilidade econômica da revista, a meu ver, tem de estar resolvida
sem o leitor. Isto é: a revista tem de estar paga antes de chegar às
livrarias. Se formos depender do interesse imediato do leitor, não
poderíamos lidar com poesia de inovação, que é pouco partilhada, por
definição. No futuro, se houver outro trabalho pouco convencional, que
demande CD ou outros anexos, tentaremos incorporá-lo à revista. Mas
não há plano algum nesse sentido.
Ricardo
- Para quando será a próxima Sibila? Vocês podem adiantar
alguma coisa, algum autor ou assunto?
Alcir:
Um assunto: a fatuidade de escrever.