Tôt le matin (p. 13)

 

Je ne laiserrai pas

que l'eloignement s'approche

ni que le doute m'effleure.

C'est un privilège

de tes mains seules

de ton corps

qui enveloppe le mien

et chante

comme la vague qui déferle.

 

Depressa, a manhã

 

Não permitirei

que a ausência se avizinhe

nem que a dúvida aflore.

É um privilégio

de tuas mãos apenas

do teu corpo

que envolve o meu

e canta

tal uma onda que rebenta.

Calligraphie (p. 23)

 

Existe-t-il un nom, un idéogramme

un signe tangible

pour dessiner l'amer?

 

Je le cherche mais ne l'ai point trouvé.

Le silence serait-il seul capable

de clamer toute sa dignité?

Caligrafia

 

Existe um nome, um ideograma

um signo tangível

para representar a amargura?

 

Eu o procuro mas não encontrei.

O silêncio apenas seria capaz

de bradar toda a sua dignidade?

Avidités (p. 32)

 

Ce n'est pas que je t'aie cherché

tu es venu à moi

sans que je m'en aperçoive

avec ton regard de mer et ta voix qui chante.

Ce n'est pas que je t'aie voulu

tu t'es imposé

comme la plus douloureuse

des évidences.

Avidezas

 

Não que tenha procurado

tu vieste a mim

sem que me apercebesse

com teus olhos de mar e tua voz sonora.

Não que tenha desejado

tu te impuseste

como a mais dolorosa

das evidências.

Fringale (p. 35)

 

L'appétit en tumulte

elle ne peut lutter.

 

Happée par les chaos

elle invoque l'exode

dans le délire du dédale.

 

Sur les coubes de chair

ce sont tes mains vagabondes

qu'elle espérait

 

car vos luttes éreintantes

en étreintes de braise

avaient meilleur goût

que les coups de glucose.

Fome desmesurada

 

O apetite em tumulto

ela não pode lutar.

 

Tragada pelo caos

invoca o êxodo

no delírio do dédalo.

 

Sobre as curvas da carne

estão as mãos vagabundas

que ela esperou

 

pois vossas fatigantes lutas

em abraços de brasa

tinham melhor gosto

que goles de glicose.

Le corps en cage (p. 39)

 

Le corps en cage

nous cherchons en vain

l'interstice de revé.

 

Devenir âcre voracité

est notre regime quotidien.

 

Tu es l'estomac du Titan

replié sur le monde

et moi la gueule d'Enfer béante

engloutie par sa seule mâchorie.

O corpo encarcerado

 

O corpo encarcerado

em vão procuramos

o interstício do sonho.

 

Tornar-se uma fome acre

é nosso regime diário.

 

És o estômago do Titã

desdobrado sobre o mundo

e eu a boca escancarada do Inferno

engolida por seu único maxilar.

L'adieu (p. 43)

 

Adieu à toi Ariane, compagne d'infortune

je te laisse à ta quenouille malheureuse.

Adieu à toi, araignée noire de la peur

que ton fuseau étincelant

attrape dans sés mailles

une autre que moi.

O adeus

 

Adeus, Ariana, companheira de infortúnio

abandono-te à roca maldita.

Adeus, aranha negra do medo

que teu fuso cintilante

enrede em tuas tramas

um outro como eu.

Dans la gorge (p. 47)

 

Dans la gorge

l'arete du temp

se fige.

Et dejà tu ne sais plus

quel grain de la clepsydre

tu enlaces

dans cette danse endiablée.

Na garganta

 

Na garganta

a aresta do tempo

enrijece.

E já não sabes

qual grão da clepsidra

tu enlaças

nesta dança endiabrada.

 

HÄRRI, Silvia. Sur le fil. Genève: [s.n.], 2006.

— Tradução de Fernando Fábio Fiorese Furtado

 

 

 

Silvia Härri nasceu em 1975, em Genebra (Suíça), cidade onde mora. Formou-se em Literatura Italiana e História da Arte. Bilíngüe, a autora tem dupla formação cultural, francesa e italiana. Atualmente, trabalha como professora num colégio da mesma cidade. Alguns dos poemas que compõem o livro Sur le fil foram publicados em revistas literárias da França.

 

 

 

 

 

 

Fernando Fábio Fiorese Furtado é professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Ensaísta e poeta, publicou Corpo portátil: 1986-2000 (reunião poética, 2002), Dicionário mínimo: poemas em prosa (2003) e Murilo na cidade: os horizontes portáteis do mito (ensaio, 2003). Mais em Poemas e Na Berlinda.

 

 

 

 

 

 

(imagens © ana maria neves | armindo dias)