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A cueca segundo Machado de Assis, Dalton Trevisan,
Graciliano Ramos, Rimbaud, Lênin e Proust, dentre outros
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Marketing - A Casa das Cuecas, tradicional loja de underwear masculina, pode trocar o nome para Casa de Câmbio. Com cartão-fidelidade para petistas.

Literatura política - Em vez de Marx ou Maquiavel, os petistas podem ler os sete livros da série Capitão Cueca, publicados pela Cosac & Naify. Para os teóricos da conspiração, o mais indicado é Capitão Cueca e o Perigoso Plano Secreto do Professor Fraldinha Suja. Ótimo para candidatos a comissário do povo. Para os que se amarram num debate-boca sobre o monopólio petista da ética, pode-se recomendar Capitão Cueca e o Ataque das Privadas Falantes. E para os que querem, mas já não podem, se livrar de companhias incômodas e suas milionárias contas secretas, vai o Capitão Cueca e a Grande e Desagradável Batalha do Menino Biônico Meleca Seca.

Um Haicai:
Cueca e dinheiro,
o outono da ideologia
do vil companheiro

À moda Machado de Assis: "Foi petista por 25 anos e 100 mil dólares na cueca".

À moda Dalton Trevisan: "PT. Cem mil. Cueca. Acabou".

À moda concretista: "PT cueca cu PT eca peteca te peca cloaca".

À moda Graciliano: "Parecia padecer de um desconforto moral. Eram os dólares a lhe pressionar os testículos".

À moda Rimbaud: "Prendi os dólares na cueca, e vinte e cinco anos de rutilantes empulhações cegaram-me os olhos, mas não o raio X".

À moda Álvaro de Campos: "Os dólares estão em mim / já não me sou / mesmo sendo o que estava destinado a ser / nunca fui senão isto: um estelionato moral / na cueca das idéias vãs".

À moda Drummond: "Tinha um raio X no meio do caminho".

À moda TS Eliot: "Que dólares são estes que se agarram a esta imundície pelancosa? / Filhos da mãe! Não podem dizer! Nem mesmo estimam / O mal porque conhecem não mais do que um tanto de idéias fraturadas, batidas pelo tempo / E as verdades mortas já não mais os abrigam nem consolam".

À moda Lispector: "Guardei os dólares na cueca e senti o prazer terrível da traição. Não a traição aos meus pares, que estávamos juntos, mas a séculos de uma crença que eu sempre soube estúpida, embora apaixonante. Sentia-me ao mesmo tempo santo e vagabundo, mártir de uma causa e seu mais sujo servidor, nota a nota".

À moda Lênin: "Não escondemos dólares na cueca, antes afrontamos os fariseus da social-democracia. Recorrer aos métodos que a hipocrisia burguesa criminaliza não é, pois, crime, mas ato de resistência e fratura revolucionária. Não há bandidos quando é a ordem burguesa que está sendo derribada. Robespierre não cortava cabeças, mas irrigava futuros com o sangue da reação. Assim faremos nós: o dólar na cueca é uma arma que temos contra os inimigos do povo. Não usá-la é fazer o jogo dos que querem deter a revolução. Usá-la é dever indeclinável de todo revolucionário".

À moda Stálin: "Guarda e passa fogo na cambada!".

À moda Guimarães Rosa: "Zezinho doleta tinha dívida de gratidão que não se paga jamais, seu moço, com Nhô Nobre, coisa assim lá pras bandas de outro mundo genuinamente de dentro dos cafundós da alma e por isso aceitou abrigar lá nas baixuras do homem onde a gente peca e fica sujo de tanta felicidade aquela dinheirama toda. E sentiu assim uma gostosura morna, só esfriando quando o sordado do zóio amarelo lhe apalpou as honras. Mas se calou mudo como nos confins do mundo imundo".

À moda Rubem Fonseca: "O dinheiro lhe pesava no escroto e aquela acidez permanente ameaçando romper a barreira do esfíncter esofagiano inferior. Mastigou um comprimido de magnésia bisurada e achou engraçado que pudesse ter uma ereção numa hora como aquela, com o sangue a encher os corpos cavernosos de sua honra inútil, procurando um lugar entre notas amassadas e pentelhos hirsutos. Sentiu, sem saber por quê, vontade de matar anões".

À moda Jô Soares: "Eu não uso cueca".

À moda Proust: "Acomodou os dólares na cueca e atentou para o elástico frouxo e a trama do tecido já interrompida pela ação do tempo. O sol invadia pela janela o quarto de um hotel perdido no centro velho da cidade, e a trajetória de seu raio sofria um ligeiro deslocamento ao passar através de uma das abas da janela que se projetava, antiga, para fora, sobre uma cidade cinza, porém viva. Àquela hora, ruidosos, apressados e alegres, rapazes e moças do povo seguiam para o trabalho espiados por uma algaravia de estilos que pendia dos prédios, cujos capitéis e acantos da antiga elite cafeeira, já tomados pela fuligem, deitavam sua sombra sobre aquela massa humana, tão mais viva quanto mais disforme em suas roupas de tecido ordinário, porém com a graça eloqüente que tem a vulgaridade. Àquela hora, Odette acabara de se levantar e olhava com preguiça a macieira à frente de sua janela. Não pensava nada, pálida ainda de sono renitente. Caminharia ela também em direção à janela, olharia o quintal, estenderia mais adiante a vista, olhando os primeiros passantes do dia e diria com a força de uma sentença que nele sempre tinha o poder de um evento milagroso: "Acordei". Passou ainda uma vez as mãos sobre o volume de notas escondido sob a cueca de elástico esbaguelado, fechou a porta e seguiu para o aeroporto. Odette tomava café".

À moda Julio Cortázar: "Um cronópio não carrega dinheiro na cueca porque está mais para supervida do que para intervida, como um fama, que então enche os fundilhos com bolinhos de dinheiro e sai por aí dobrando esquinas e chamando para si a perícia da polícia e depois se queda quietinho, apagando a memória do celular".

À moda Roberto Schwarz: "O dólar na cueca expõe uma das muitas faces da crise do capital, que tanto mais se expõe quanto mais aniquila as dimensões de uma visibilidade que, à medida que se impõe, explora os caminhos de sua própria inviabilidade. Seu fator estruturante elimina o espaço da subjetividade, e a cueca passa a encarnar, então, não o dinheiro como base material do valor, mas o fetiche da ilegalidade que hoje marca o capitalismo. O indivíduo-indivíduo se torna um indivíduo-cueca à medida que agasalha, como metáfora e metonímia, a moeda que traduz um ponto de trajetória do domínio do império".

À moda Emir Sader: "É tudo culpa do Fernando Henrique e do Ariel Sharon".

À moda Marilena Chauí: "A cueca de Espinosa Merleau-Ponty".

À moda Renato Janine Ribeiro: "Uma cueca cheia de dólares é sempre mais que uma cueca cheia de dólares. Uma cueca cheia de dólares apela às culpas que cada um de nós carrega dentro de si e quer ver espiadas por meio da ação de um partido ético, que só pode ser o PT, embora eu não seja filiado ao partido. Reparem que duas crises se cruzam neste evento como emblemas: ao mesmo tempo em que o símbolo do império escancara o seu poder de chantagem, sabemos que o dinheiro foi flagrado na cueca, expressão de uma intimidade masculina que vem à luz, como se o homem contemporâneo buscasse ser outra coisa e desse um grito de socorro, mais feminino, mais humano, mais aberto, mais gentil".

 

 

 

agosto, 2005
 
 
 
 
Reinaldo Azevedo. Diretor de Redação do site e da revista Primeira Leitura, estudou Letras na Universidade de São Paulo e formou-se em Jornalismo pela Universidade Metodista. Foi editor-adjunto de Política da Folha de S.Paulo, coordenador de Política da Sucursal de Brasília do mesmo jornal e redator-chefe das revistas República e BRAVO!. Foi professor de literatura e redação dos colégios Quarup e Singular e do curso Anglo.