Marketing - A Casa das Cuecas,
tradicional loja de underwear masculina, pode trocar o nome para Casa de
Câmbio. Com cartão-fidelidade para petistas.
Literatura
política - Em vez de Marx ou Maquiavel, os petistas podem ler os
sete livros da série Capitão Cueca, publicados pela Cosac & Naify.
Para os teóricos da conspiração, o mais indicado é Capitão Cueca e o
Perigoso Plano Secreto do Professor Fraldinha Suja. Ótimo para
candidatos a comissário do povo. Para os que se amarram num debate-boca
sobre o monopólio petista da ética, pode-se recomendar Capitão Cueca e o
Ataque das Privadas Falantes. E para os que querem, mas já não podem, se
livrar de companhias incômodas e suas milionárias contas secretas, vai o
Capitão Cueca e a Grande e Desagradável Batalha do Menino Biônico Meleca
Seca.
Um Haicai: Cueca e dinheiro, o outono da
ideologia do vil companheiro
À moda Machado de Assis:
"Foi petista por 25 anos e 100 mil dólares na cueca".
À moda
Dalton Trevisan: "PT. Cem mil. Cueca. Acabou".
À moda
concretista: "PT cueca cu PT eca peteca te peca cloaca".
À
moda Graciliano: "Parecia padecer de um desconforto moral. Eram os
dólares a lhe pressionar os testículos".
À moda Rimbaud:
"Prendi os dólares na cueca, e vinte e cinco anos de rutilantes
empulhações cegaram-me os olhos, mas não o raio X".
À moda
Álvaro de Campos: "Os dólares estão em mim / já não me sou / mesmo
sendo o que estava destinado a ser / nunca fui senão isto: um
estelionato moral / na cueca das idéias vãs".
À moda
Drummond: "Tinha um raio X no meio do caminho".
À moda TS
Eliot: "Que dólares são estes que se agarram a esta imundície
pelancosa? / Filhos da mãe! Não podem dizer! Nem mesmo estimam / O mal
porque conhecem não mais do que um tanto de idéias fraturadas, batidas
pelo tempo / E as verdades mortas já não mais os abrigam nem
consolam".
À moda Lispector: "Guardei os dólares na cueca
e senti o prazer terrível da traição. Não a traição aos meus pares, que
estávamos juntos, mas a séculos de uma crença que eu sempre soube
estúpida, embora apaixonante. Sentia-me ao mesmo tempo santo e
vagabundo, mártir de uma causa e seu mais sujo servidor, nota a
nota".
À moda Lênin: "Não escondemos dólares na cueca,
antes afrontamos os fariseus da social-democracia. Recorrer aos métodos
que a hipocrisia burguesa criminaliza não é, pois, crime, mas ato de
resistência e fratura revolucionária. Não há bandidos quando é a ordem
burguesa que está sendo derribada. Robespierre não cortava cabeças, mas
irrigava futuros com o sangue da reação. Assim faremos nós: o dólar na
cueca é uma arma que temos contra os inimigos do povo. Não usá-la é
fazer o jogo dos que querem deter a revolução. Usá-la é dever
indeclinável de todo revolucionário".
À moda Stálin:
"Guarda e passa fogo na cambada!".
À moda Guimarães Rosa:
"Zezinho doleta tinha dívida de gratidão que não se paga jamais, seu
moço, com Nhô Nobre, coisa assim lá pras bandas de outro mundo
genuinamente de dentro dos cafundós da alma e por isso aceitou abrigar
lá nas baixuras do homem onde a gente peca e fica sujo de tanta
felicidade aquela dinheirama toda. E sentiu assim uma gostosura morna,
só esfriando quando o sordado do zóio amarelo lhe apalpou as honras. Mas
se calou mudo como nos confins do mundo imundo".
À moda Rubem
Fonseca: "O dinheiro lhe pesava no escroto e aquela acidez
permanente ameaçando romper a barreira do esfíncter esofagiano inferior.
Mastigou um comprimido de magnésia bisurada e achou engraçado que
pudesse ter uma ereção numa hora como aquela, com o sangue a encher os
corpos cavernosos de sua honra inútil, procurando um lugar entre notas
amassadas e pentelhos hirsutos. Sentiu, sem saber por quê, vontade de
matar anões".
À moda Jô Soares: "Eu não uso
cueca".
À moda Proust: "Acomodou os dólares na cueca e
atentou para o elástico frouxo e a trama do tecido já interrompida pela
ação do tempo. O sol invadia pela janela o quarto de um hotel perdido no
centro velho da cidade, e a trajetória de seu raio sofria um ligeiro
deslocamento ao passar através de uma das abas da janela que se
projetava, antiga, para fora, sobre uma cidade cinza, porém viva. Àquela
hora, ruidosos, apressados e alegres, rapazes e moças do povo seguiam
para o trabalho espiados por uma algaravia de estilos que pendia dos
prédios, cujos capitéis e acantos da antiga elite cafeeira, já tomados
pela fuligem, deitavam sua sombra sobre aquela massa humana, tão mais
viva quanto mais disforme em suas roupas de tecido ordinário, porém com
a graça eloqüente que tem a vulgaridade. Àquela hora, Odette acabara de
se levantar e olhava com preguiça a macieira à frente de sua janela. Não
pensava nada, pálida ainda de sono renitente. Caminharia ela também em
direção à janela, olharia o quintal, estenderia mais adiante a vista,
olhando os primeiros passantes do dia e diria com a força de uma
sentença que nele sempre tinha o poder de um evento milagroso:
"Acordei". Passou ainda uma vez as mãos sobre o volume de notas
escondido sob a cueca de elástico esbaguelado, fechou a porta e seguiu
para o aeroporto. Odette tomava café".
À moda Julio
Cortázar: "Um cronópio não carrega dinheiro na cueca porque está
mais para supervida do que para intervida, como um fama, que então enche
os fundilhos com bolinhos de dinheiro e sai por aí dobrando esquinas e
chamando para si a perícia da polícia e depois se queda quietinho,
apagando a memória do celular".
À moda Roberto Schwarz: "O
dólar na cueca expõe uma das muitas faces da crise do capital, que tanto
mais se expõe quanto mais aniquila as dimensões de uma visibilidade que,
à medida que se impõe, explora os caminhos de sua própria inviabilidade.
Seu fator estruturante elimina o espaço da subjetividade, e a cueca
passa a encarnar, então, não o dinheiro como base material do valor, mas
o fetiche da ilegalidade que hoje marca o capitalismo. O
indivíduo-indivíduo se torna um indivíduo-cueca à medida que agasalha,
como metáfora e metonímia, a moeda que traduz um ponto de trajetória do
domínio do império".
À moda Emir Sader: "É tudo culpa do
Fernando Henrique e do Ariel Sharon".
À moda Marilena
Chauí: "A cueca de Espinosa Merleau-Ponty".
À moda Renato
Janine Ribeiro: "Uma cueca cheia de dólares é sempre mais que uma
cueca cheia de dólares. Uma cueca cheia de dólares apela às culpas que
cada um de nós carrega dentro de si e quer ver espiadas por meio da ação
de um partido ético, que só pode ser o PT, embora eu não seja filiado ao
partido. Reparem que duas crises se cruzam neste evento como emblemas:
ao mesmo tempo em que o símbolo do império escancara o seu poder de
chantagem, sabemos que o dinheiro foi flagrado na cueca, expressão de
uma intimidade masculina que vem à luz, como se o homem contemporâneo
buscasse ser outra coisa e desse um grito de socorro, mais feminino,
mais humano, mais aberto, mais gentil".
agosto,
2005
Reinaldo Azevedo. Diretor
de Redação do site e da revista Primeira
Leitura, estudou Letras na Universidade de
São Paulo e formou-se em Jornalismo pela Universidade Metodista. Foi
editor-adjunto de Política da Folha de S.Paulo, coordenador
de Política da Sucursal de Brasília do mesmo jornal e redator-chefe
das revistas República e BRAVO!. Foi professor de literatura
e redação dos colégios Quarup e Singular e do curso Anglo.
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