Tradução de José Paulo
Paes
RETRATO PROLETÁRIO
Uma jovem alta sem chapéu
de
avental
Parada na rua com o
cabelo
puxado para trás
Um pé com a peúga tocando
a
calçada
O sapato na mão.
Examinando-o
atentamente
Retira a palmilha
à procura do
prego
Que a magoava tanto
Tradução de José Agostinho
Baptista
O POEMA
Tudo está
no som. Uma
toada.
Raramente uma canção. Devia
ser uma canção — feita
de
minúcias, vespas,
uma genciana — algo
imediato,
tesoura
aberta, olhos
de uma dama —
despertando
centrífuga, centrípeta.
Tradução de José Paulo
Paes
PRELÚDIO AO INVERNO
A mariposa sob as goteiras
com
asas como
a casca de um tronco, estende-se
e o amor é uma curiosa
coisa
suavemente alada
imóvel sob as goteiras.
Tradução de José Paulo
Paes
O LAMENTO DA VIÚVA
EM PLENA
PRIMAVERA
O pesar é o meu quintal
onde a
grama nova
flameja como tantas vezes
flamejou antes não
porém
com o fogo gélido
que se fecha este ano à minha
volta.
Trinta e cinco anos
vivi com meu marido.
A ameixeira
hoje está branquinha
de pencas de flores.
Pencas de
flores
carregam os galhos de cerejeira
e dão a alguns arbustos
cor
amarela e vermelha a outros
mas o pesar dentro de mim
é
mais forte que elas,
pois embora fossem a minha
alegria
antigamente, eu hoje as vejo
e lhes volto as costas
deslembrada.
Hoje o meu filho me disse
que para lá dos
prados,
na orla da floresta cerrada,
viu à distância
árvores de
flores brancas.
Bem que eu gostaria
de ir até lá
para deixar-me
tombar sobre essas flores
e afundar no brejo perto delas.
Tradução de José Paulo
Paes
MORTE
Ele está morto
o cão não terá
mais
de dormir sobre as batatas
dele para evitar
que
congelem
está morto
o velho bastardo
—
É um bastardo porque
já não há mais nada
de
legítimo
nele
está
morto
de dar nojo
é
uma velharia
esquecida de Deus sem
nenhum sopro de
vida.
Não é coisíssima
alguma
está morto
pele
só.
Ponham-lhe a cabeça
numa cadeira e os
pés em outra e ele
ficará
ali esticado
feito um acrobata —
o amor batido. Por
ele. Eis
por que
é insuportável —
porque
ali jaz carecido
de barbear-se no peito
um uivo
estrangulado
de amor e derrota —
ele saltou para fora
do homem e
deixou
o homem se ir embora
—
o farsante.
Morto
de olhos
revirados no branco
sem luz — um escárnio
que
o amor já não pode tocar —
enterrem-no e escondam-lhe
logo
o rosto
de vergonha.
Tradução de José Paulo
Paes
A RUA SOLITÁRIA
As aulas acabaram. Está quente
demais
para andar à toa. À toa
de saias leves elas andam pelas
ruas
para passar o tempo.
Elas cresceram muito. Elas têm
chamas cor-de-rosa na mão direita.
De branco da cabeça aos pés,
com um olhar oblíquo, desocupado —
de amarelo, as roupas soltas,
de cinto e meias pretas —
tocando as bocas gulosas
com o
algodão-doce cor de rosa —
como um cravo que cada uma tem em sua mão
—
elas sobem a rua solitária.
Tradução de Alcir Pécora e
Paulo Franchetti
CHEGADA
De alguma forma, você chega,
se
descobre soltando os colchetes do
vestido dela
num quarto
estranho —
você sente o outono
deixando cair as suas folhas de
seda e de linho
sobre os tornozelos dela.
O corpo vistoso raiado
de veias emerge
torcido sobre si mesmo
como vento de
inverno...!
Tradução de Alcir Pécora e
Paulo Franchetti
OS POBRES
É a anarquia da pobreza
que me
encanta, a velha
casa amarela de madeira recortada
em meio às
novas casas de tijolo.
Ou uma sacada de ferro
fundido
com gradis representando ramos
folhudos de carvalho. Isso
tudo combina
com as roupas das crianças
que refletem cada período
e
estilo da necessidade —
chaminés, telhados, cercas de
madeira
e metal numa época
sem cercas delimitando
quase
coisa alguma: o velho
de suéter e chapéu preto
a varrer a
calçada —
os seus três metros de
calçada
na ventania que inconstante
virou-lhe a esquina para
vir
tomar conta da cidade inteira.
Tradução de José Paulo
Paes
PATERSON
do Livro I
Prefácio
"O rigor da beleza é o alvo da
busca. Mas como se poderá encontrar a beleza se ela está encerrada na mente, para além de toda
admoestação?"
Compor um
começo
com
particularidades
e torná-las gerais,
arrolando
a soma, por meios imperfeitos
—
farejando as
árvores,
um cão
qualquer
num bando de cães. O
que
mais ali? E que
fazer?
Os outros debandaram
—
atrás de
coelhos.
Só o estropiado permanece —
sobre
três pernas. Coça-te adiante e
atrás.
Engana e come.
Desenterra
um osso embolorado
Pois o princípio indubitavelmente
é
o fim — já que de nada sabemos, puro
e simples, para além
de
nossas próprias complexidades.
E no entanto
não há nenhum retorno: rolando para fora do
caos,
prodígio de nove meses, a cidade
o homem, uma identidade — e
nunca poderia
ser de outra maneira — uma
interpenetração, em ambos
os sentidos. Rolando
para fora! obverso, reverso;
o bêbado o
sóbrio; o renomado
o grosseiro; um só. Na ignorância
um certo saber,
saber
não-disperso, seu próprio desbarato.
(A múltipla semente,
apinhada de detalhes, azedada,
fica perdida
no fluxo e a mente,
distraída, vai-se flutuando com a
mesma
escuma)
A rolar, a rolar prenhe
de
números.
É o sol ignorante
erguendo-se no rastro de
erguidos sóis vazios,
pelo que neste mundo
jamais um homem poderá viver a gosto no seu
corpo
a não ser morrendo — e sem saber-se
morrendo; este no
entanto é o
desígnio. Renova-se a si mesmo .
de tal modo, em soma
e subtração,
andando para cima e para baixo.
E
o ofício,
subvertido pelo pensamento, a rolar para fora,
cuide-se
ele de não se voltar tão-só para a
escrita de poemas
estagnados...
Mentes como camas sempre
feitas,
(mais pedregosas que uma praia)
relutantes ou
incompetentes.
A rolar, o topo para cima,
sob, empuxo e retrocesso, um grande
estardalhaço:
alçado feito ar, transportado, multicolorido,
um
detrito dos mares —
da matemática a particularidades
—
dividido como as orvalhadas
neblinas flutuantes, que as chuvas vão
lavar e
recongregar num rio, um rio que corre
e que dá
voltas:
conchas e animálculos
geralmente, e assim até ao
homem,
até Paterson.
Tradução de José Paulo
Paes
A DURAÇÃO
Uma folha amarfanhada
de papel
pardo mais
ou menos do tamanho
e volume aparente
de um homem
ia
devagar rua abaixo
arrastada aos trancos
e
barrancos pelo
vento quando
veio um carro e Ihe
passou por
cima
deixando-a aplastada
no chão. Mas diferente
de um
homem ela se ergueu
de novo e lá se foi
com o vento aos trancos
e
barrancos para ser
o mesmo que era antes.
Tradução de José Paulo
Paes
AS ÁRVORES
BOTTICELLIANAS
O alfabeto
das
árvores
vai desmaiando na
canção das
folhas
as hastes cortadas
das
finas
letras que
escreviam
inverno
e frio
foram
iluminadas
com
pontas de verde
pela chuva e o sol —
as regras
simples
e estritas dos
ramos
retos
vão sendo alteradas
por ses de
cor
pinçados, por
cláusulas
devotas
os sorrisos de amor
—
..............
até as
frases
desnudas
se moverem como braços
e pernas
de mulher sob o tecido
e em sigilo o louvor
entoarem do
desejo
e do império do amor
no estio
—
no estio a canção
canta-se por
si
acima das palavras surdas
—
Tradução de José Paulo
Paes
(imagem ©sandra
silva)