II

Minha geração me viu partir para a terra do Arco-Íris.
Fugi de uma terra abençoada, rica em ouro, petróleo e trigo,
de uma cidade bela e encantada, Cidade Luz dos Bálcãs,
reinado, opereta digna de um Franz Lehar.
Fugi aos poucos, sem pressa e muita dor, fugi da enchente sangrenta,
fugi da morte, do fogo e do aço escaldante, dos novos selvagens.
Aprendi que a morte não é sono ou descanso, é lua de sangue,
e te espera de olhos bem abertos, mas os anjos dos livros sagrados,
com roupagem de seda e sininhos, me cercaram e murmuraram
no ouvido: vá! vá !vá!, teus pais te esperam, tua irmã te chama.
E abandonei minha infância, meu nascimento, meus livros,
meus retratos, meu quarto e corredores silenciosos, as bestas rindo.
Trouxe comigo meu corpo, meus dezesseis anos, a poeira das lembranças,
os lençóis brancos cobrindo corpos mutilados
e dos vivos que ainda morrerão.
Deixei para sempre os túmulos dos antepassados.

Minha geração partiu para a terra do Arco-Íris,
mas levou consigo, gravadas na alma para a eternidade,
palavras doloridas e imagens de pavor,
um pergaminho secular de morte e terror,
e viajantes como eu, colecionadores de dor e temor,
"Meu Deus, meu Deus, por quê?". Ele nunca responde,
mesmo na segunda chamada, uma eterna dúvida: meu Deus?
Talvez tudo esteja escrito em livros não compreendidos,
em dicionários com palavras desconhecidas e amaldiçoadas.
Como os exilados do Faraó, esperaremos, ajoelhados na escuridão,
escondendo nossos rostos submissos, até que a humanidade
arrependida estenda seus braços e nos chame: venham irmãos,
nos somos o mundo!

Minha geração partiu para a terra do Arco-Íris
à procura de novas ilusões e novos lares,
novas paisagens e terras macias, um Novo Mundo,
e eu tentarei atarraxar um novo rosto, de herói,
livrar-me do antigo e jogar no lixo a lâmpada queimada,
meus braços estenderei para o novo futuro.
O movimento de minha alma será o movimento das ondas
do novo mar, e meu olhar se perderá no horizonte azul,
e as mesuras de vai-e-vem das rezas são movimentos
de arrancada de um salto triplo para a nova vida.

Numa bela manhã, limpa e azul, resplandecente e luminosa,
vejo com clareza o milagre, meu neto, que me abraça rindo,
e eu visto roupas coloridas, e ouço nem perto nem longe,
vozes que cantam alegria ao som de bateria cadenciada.
Meu corpo se movimenta em harmonia com a nova alegria,
ganhei o jogo de xadrez com seus vinte e quatro quadradinhos
de desespero e vinte quatro quadradinhos de não-esperança,
estrelas brilham no meu coração, a Via Láctea bem próxima.
Hino de glória ao Deus imaginário da minha infância,
ouço o som do shofar: "as portas do paraíso se abriram".
Não beijei o solo do novo país quando desembarquei,
há sessenta anos, mas sei que me abraça,
até a ultima despedida.
Finis!

I

Eu vi os expoentes de minha geração destruídos pela loucura...
Allen Ginsberg inicia o seu Uivo.

E eu vi a minha geração esmagada pela apatia,
que não soube se insurgir nos campos da morte,
arrastando-se até a sepultura sem um uivo de protesto,
que suportou em silêncio o desdém dos que se diziam amigos
e não odiou bastante seus inimigos, não condenou seus aliados,
sumidos nos esconderijos da ignorância e presos pela ganância.
Piratas com bandeira da neutralidade, o rei Papa conduzido pela
Guarda Suíça a fazer mesuras solenes à Besta e o Grão Mufti no Cairo
a incentivar a chacina, compenetrado em rezar na direção de Meca.
Os lábios dos mortos agora murmuram, não cometam de novo
a mesma loucura, debaixo da terra ainda ouvimos gemidos de dor,
não deixem os mortos retornar e não deixem os vivos esquecer
os assassinatos a sangue frio e jamais olvidem os olhares dos sem nome.

Ó Deus, volte de onde se escondeu e se lembre de nossos nomes,
esqueceu-se de que nos criou com amor?
Foi Você ou Satanás que nos amaldiçoou?

Eu vi minha geração muito paciente, iludida, enganada,
as primaveras nunca serenas, os invernos sem festejos.
Na Terra Sagrada os inimigos enchem a pança com tâmaras e figos,
e o protetor saxão a enviar laranjas para as mesas de ladies&gentlemen
enquanto crianças e adultos jaziam em campos de refugiados,
condenados à eterna espera, ao amanhã que nunca vinha.

Ó mundo, nos diga, a vida de alegrias é vida de lágrimas para sempre?

Eu vi minha geração-gado, vagar no Mediterrâneo azul e manso,
enquanto mister Bevin, Her Magestie's minister, negava vida,
e Êxodo, navio fantasma, campo de extermínio flutuante,
podre e fedorento, levava de um porto a outro, mercadoria-gente,
que já se esqueceu de onde veio, onde nasceu, apenas o nome
judaico ancestral a fazer lembrar de flores e frutas, cidades medievais,
campos de trigo, cantos e lamentos, templos incendiados e cossacos.

Ó Deus, da tua janela celeste, o que vê?
O mesmo que as mães em desespero com sua carga no ventre?

Eu vi minha geração desesperada, forçar a porta do Paraíso das olivas,
enfrentar os tommies ingleses com poucas armas e muita coragem,
o Irgun, o Haganah abrirem caminho ao êxodo moderno,
e ver enfileirados corpos ao pé do Muro Sagrado, almas pacientes,
mortas com sorriso nos lábios, a Terra ainda nos pertencerá,
o deserto florescerá e nossas crianças serão belas e até os navios
afundados a caminho da liberdade serão recebidos com vinho e flores.

Ó meu Rei David, será essa a nossa glória?
Ó meu Rei Salomão, o Templo são essas pedras?

Eu vi minha geração-coragem empunhar granadas, fuzis e pistolas,
homens e mulheres de todas as idades, de muitas línguas e costumes,
defender a Terra Sagrada, evitar nova carnificina de Massala,
e depois de dezenas de anos e mais duas gerações, ainda em luta
de pouca glória-necessária, almejando sol e sombras pacatas,
em vez de ruínas fumegantes, e mães de tumbas escuras sussurrarem,
filho tome cuidado, a noite ainda é escura, a alvorada ainda demora,
e talvez depois de tantas batalhas, o ódio sumirá para sempre.
Mas o sangue de tantas cores nas areias do deserto, aos pés das oliveiras,
surgirá sempre vermelho, será para sempre a Lembrança.

Ó Deus, sua voz-trovão cada vez menos ouvida, seu silêncio é imenso.

Eu vi os expoentes da minha geração quase destruídos pela loucura...

Iosif Landau, simplesmente José ou Landau — carruagem nobre ou cidade na Alemanha — ou judeu nascido na Romênia, em 1924, na primavera florida da Europa, filho de Agenor da Fenícia, amado de Zeus disfarçado em touro branco, também sou touro de todas as cores, também amei filhas de reis e deuses, como a olímpica suprema deidade desapareci no oceano, apareci na praia da Princesinha do Mar, me converti em ser humano, em Terra Brasilis deixo quatro filhos, oito netos, muitas obras espalhadas da Amazônia ao Pampas, modesto Vitrúvio Marco do século LVIII depois de Moisés, veni, vidi, não vici, destino pilantra, na penumbra da foice e caveira pari tumultuadas lembranças, poemas, romances, nove livros desencantados, para ninguém se comover, querendo brincar de esconde-esconde, com sorte me encontram no cemitério dos elefantes. Mais aqui.